Com rosto tatuado, homem não consegue emprego: 'Me chamam de Satanás'
Chamado de "Satanás" e alvo de preconceito, um tatuador e blogueiro com quase 18 mil seguidores no Instagram, decidiu remover as tatuagens do rosto para buscar novas oportunidades de trabalho e oferecer uma vida melhor para os filhos.
O que aconteceu
João Antônio Ferreira Ribeiro, 34, nasceu em Santo Amaro, um município com cerca de 60 mil habitantes, a 74 quilômetros de Salvador. Desde jovem, ele vive uma vida marcada pela simplicidade e por muitos anos trabalhou na lavoura para ajudar a família. Aos 14 anos, deixou o campo e se mudou para Feira de Santana em busca de oportunidades, lá trabalhou como tatuador durante quatro anos.
Em 2022, decidiu migrar para Minas Gerais. Com o rosto já coberto por tatuagens, ele acreditava que teria mais chances de encontrar trabalho longe da Bahia. Em Betim, onde vive atualmente, encontrou novos desafios por conta de sua aparência.
As tatuagens surgiram como uma forma de lidar com a dor. João conta que, após a morte do avô, começou a se tatuar para aliviar a tristeza. A maioria das tatuagens, onde podia alcançar, foi feita por ele mesmo. Incluindo o rosto. As realizadas em locais que ele não alcançava, foram feitas por três amigos tatuadores. "Comecei a fazer tatuagens para me expressar e tentar superar a dor", explica.
Em momentos difíceis, ele intensificou as tatuagens no rosto. O fim de um relacionamento o abalou profundamente, levando-o a cobrir o rosto com ainda mais tatuagens. Ele relata que as marcas eram uma maneira de expressar e externalizar a dor interna.
Com o tempo, o blogueiro começou a enfrentar problemas por causa das tatuagens. Ele passou a ser abordado por policiais que suspeitavam dele por sua aparência e também foi chamado de "Satanás" por desconhecidos, o que abalou sua autoestima.
Teve uma vez que uma senhora chegou para mim, com a Bíblia na mão, e disse: 'Tá repreendido em nome do Senhor Jesus, sai Satanás, você já está condenado'. Aquilo foi a gota d'água para mim. Comecei a querer sumir com as tatuagens, tentar uma vida nova.
João Ribeiro
Motivos para mudar
A maior motivação do blogueiro para a remoção das tatuagens são os filhos. João quer ser um exemplo para Anthony Pierre e Lorena Valentina, que vive com ele em Minas. Ele deseja oferecer uma vida estável e uma imagem que não cause mais julgamentos.
Sem recursos, o blogueiro buscou ajuda para realizar o procedimento. Ele conheceu o biomédico esteta Giancarlo Pincelli, da clínica Hell Tattoo, em São Paulo, que decidiu oferecer o tratamento gratuitamente. "Deus tocou no meu coração, e eu decidi ajudar", afirma Giancarlo. "Para mim, pessoalmente falando, foi muito bom poder fazer algo por ele."
Giancarlo explicou que a clínica cobre todo o tratamento e medicamentos necessários. Porém, João precisa organizar vaquinhas para custear as passagens de Minas Gerais a São Paulo, onde fica a clínica. "Ele está sempre em contato para conseguir o que precisa para vir até aqui", comenta o biomédico.
O processo de remoção é complexo e demanda alta precisão. Segundo Giancarlo, o caso de João envolve diversas tatuagens, em diferentes profundidades, e feitas em momentos variados, o que aumenta a dificuldade. "Na área dos olhos, por exemplo, usamos um escudo metálico para proteger a visão e garantir a segurança dele", explica.
Hoje, eu removo tatuagens no rosto de mais de 100 pacientes, e geralmente 90% das pessoas que têm tatuagens no rosto se arrependem. As principais queixas são: arrependimento, frustração, depressão e falta de oportunidade de emprego e de convivência familiar sem preconceitos.
Giancarlo Pincelli
A remoção é um processo doloroso e longo. As sessões de laser são realizadas com intervalos de 60 a 90 dias, e custariam cerca de R$ 3 mil cada. "A dor do laser não se compara com o que já passei na vida", afirma o blogueiro, determinado a concluir o tratamento.
Estou fazendo isso com muita esperança, acreditando que minha vida vai mudar. Deus tocou no coração do pessoal da clínica, e estão me ajudando. Agora estou determinado a remover tudo e buscar uma nova chance.
João Ribeiro
Lição importante
Para João, a experiência trouxe uma importante lição. Ele espera que sua trajetória sirva de exemplo para quem pensa em cobrir o rosto com tatuagens. "Pensem bem antes de decidir, porque o julgamento da sociedade é inevitável", alerta ele.
A fé se tornou um pilar na jornada de transformação. João, que não segue uma religião específica, encontra na fé em Deus a força para seguir em frente. "Deus e as pessoas que me ajudam são o que me mantém firme", diz ele.
O tatuador compartilha sua jornada de transformação com quase 18 mil seguidores no Instagram. Ele se declara "blogueiro" na descrição do seu perfil e publica conteúdos variados, incluindo danças, esquetes de humor e, agora, o processo de remoção das tatuagens. Suas postagens sobre o tratamento recebem apoio e encorajamento de seus seguidores.
João sonha com um futuro sem julgamentos pela aparência. Sem conseguir trabalhar como tatuador, ele deseja encontrar emprego sem ser rejeitado por sua imagem e viver em paz ao lado dos filhos. "Quero andar na rua e ser visto como uma pessoa normal", afirma o blogueiro.
Eu sempre tive fé em Deus. Hoje não sigo uma religião específica, mas acredito que o Deus é um só e Ele não me julga pela aparência. Se não fosse Deus e as pessoas que estão me ajudando, eu não estaria mais aqui.
João Ribeiro