Casal cria 'rehab' para homofóbicos anônimos: 'Acredito na mudança'
Se você tem se sentido homofóbico, nós temos a solução.
Centenas de cearenses e turistas se deparam com essa chamada nas ruas desde o dia 10 de outubro. Está em panfletos, jingle e propagandas na traseira de ônibus, seguida de um número de WhatsApp.
A frase lembra as mensagens de grupos de reabilitação, como os Alcoólicos e Narcóticos Anônimos. Mas, aqui, a questão é outra.
A ideia de espalhar a mensagem da "cura" da homofobia veio de um casal de artistas que vive em Fortaleza. Antes da capital, eles já realizaram ações semelhantes em Quixeramobim e Juazeiro do Norte, ambas no Ceará. Em Fortaleza, a intervenção vai até o dia 19.
"Acreditamos na ação pedagógica de que, quando uma pessoa é confrontada com uma opinião contrária à sua, alguma estrutura pode se modificar", explica Waldirio Castro, 32, um dos responsáveis pelo projeto ao lado de Eduardo Bruno, 34.
A abordagem
A ação foi motivada como resposta a uma censura que o casal sofreu em outra intervenção LGBTQIAPN+, em 2019, quando uma faixa contra a homofobia foi retirada da fachada do Centro Cultural Banco do Nordeste.
Eles participaram de um edital voltado para arte LGBTI+ da Secretaria de Cultura do Ceará e ganharam verba para instalar as mensagens.
"Na internet, nos patologizaram [trataram como doença] e nos adjetivaram como anormais. Decidimos criar um trabalho que tensionasse a ideia, mas agora com foco nos homofóbicos", afirma Waldirio.
Quando alguém entra em contato pelo número disponibilizado por eles, recebe uma mensagem de boas vindas à "clínica de reabilitação" e um link com materiais educativos: cartilhas, textos e vídeos sobre homofobia.
'Cura' para a homofobia
A decisão de oferecer, de forma simbólica, uma "cura" para a homofobia não foi por acaso.
Em muitos lugares, ainda se oferece uma suposta "cura gay" e utiliza-se equivocadamente o termo homossexualismo —o sufixo "ismo" denota uma condição de doença.
"Revertendo a lente e apontando a homofobia como patologia, devolvemos a problemática para as pessoas que reproduzem o preconceito que tem como desdobramento episódios de violência e morte para pessoas LGBTI+", diz Waldirio.
Ele lembra que a homossexualidade só deixou de ser vista como doença mental em 1990 pela OMS. "É um debate muito recente." Já a homofobia é considerada crime desde 2019, quando o STF a enquadrou como crime de racismo.
"Partimos da homofobia, pois somos duas 'bichas' realizando a ação. Mas a performance é um convite para a criação de outras 'clínicas de reabilitação' para transfóbicos, lesbofóbicos, racistas, machistas, capacitistas etc."
'É possível mudar'
O casal notou repercussão da ação, sobretudo nas redes sociais e de pessoas LGBTI+ e familiares. "As pessoas mandam fotos dos ônibus e mensagens no contato que disponibilizamos."
Acredito que, por meio da arte enquanto catalisador pedagógico, é possível, sim, exercitarmos mudanças na homofobia estrutural. Waldírio Castro
Mas nem todo contato foi positivo.
"Ficamos um pouco assustados com grupos neonazistas e grupos conservadores extremistas que nos mandaram vídeos e mensagens extremamente homofóbicos. Ainda assim, conseguimos conversar com algumas pessoas que estavam abertas ao diálogo e apresentamos outros pontos de vista", diz Waldírio.
Para as pessoas que nos enviam mensagens preconceituosas de forma gratuita e que não estão abertas ao diálogo, informamos que homofobia é crime e enviamos o texto da Lei nº 10.948/2001 [norma paulista que pune a discriminação por orientação sexual e inspirou outras regras], também conhecida como Lei Anti-LGBTfobia. Assim, se não mudarem de ideia enquanto a sua homofobia, ao menos terão de respeitar a lei.
Waldirio Castro, artista