Lula envia sinais que mais perturbam do que tranquilizam mercado
Em meio a pressões para anunciar (e ampliar) o corte de gastos do governo, o presidente Lula (PT) tem apresentado mais sinais de resistência do que de adesão aos anseios econômicos da Faria Lima.
O que aconteceu
Lula tem combatido a ideia de ter de responder ao que chama de "invisível". O presidente refuta o corte significativo das despesas, em especial nas áreas básicas e sociais, sob o argumento de que "não é gasto, é investimento".
Isso tem criado uma sinuca de bico para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O petista tornou-se um dos articuladores entre segmentos econômicos e o Planalto. Por um lado, tenta evitar pânico no setor financeiro, que gera altas no dólar e especulações ao real, como as vistas na última semana, enquanto também atende às determinações de Lula.
A mais recente crise se deu em relação ao anúncio de cortes para 2026. Com anseio pela diminuição das despesas, o setor financeiro tem pressionado o governo publicamente para um anúncio robusto o quanto antes, o que fez com que a equipe econômica prometesse um número ainda para esta semana após reunião nesta segunda-feira (4) com Lula.
Vai faltar negociar com o Congresso. A iniciativa deverá ser apresentada pelo Executivo em forma de PEC (Proposta de Emenda à Constituição), ou seja, ainda vai ser necessária uma negociação para aprovar nas duas Casas com o mínimo de perda possível no texto. Haddad já começou as conversas por apoio.
Haddad ficou, e anúncio deve sair
O presidente pediu que Haddad cancelasse a viagem à Europa nesta semana para tratar do assunto. A decisão veio após a disparada do dólar na última semana. Na sexta (1º), a moeda fechou em R$ 5,86, maior valor desde a pandemia, em maio de 2020. Segundo economistas, o aumento se dá pela expectativa da eleição norte-americana, marcada para esta terça (5), e a incerteza sobre as despesas no Brasil.
Este foi o primeiro sinal em muito tempo de que o presidente iria ceder às expectativas do setor financeiro. Lula repete com frequência de que "não governa para o mercado" e que as decisões econômicas são baseadas em inúmeras variáveis, distantes das vontades da Faria Lima.
Haddad começou, mais uma vez, a 'operação abafa' nesta segunda. A jornalistas, ele afirmou que bateria o martelo com Lula e que o pacote seria anunciado nesta semana, o que fez com que o dólar caísse e a Bolsa subisse logo em seguida.
O clima de indecisão tem impacto na economia e na inflação. A alta do dólar traz resultado direto para o preço de combustíveis e alimentos e, consequentemente, da inflação —maior temor da gestão petista, visto que impacta no poder de compra da população.
A semana deve trazer outras notícias desfavoráveis. O Planalto já espera que, na sexta (8), o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de outubro, que baliza a inflação, apresente aumento e que o Copom (Comitê de Política Monetária) anuncie alta nos juros nesta quarta (6).
"Qual a cara do mercado?"
Segundo pessoas próximas, a principal questão do presidente é ceder a questões internas. Lula usa como argumento que "quem pensa no povo" é o governo, "não a Faria Lima". Em reuniões, ele admite que tem de levar os indicadores em consideração, mas descarta que o setor financeiro seja o principal balizador para as decisões.
Este clima já havia ocorrido ao final do primeiro bimestre, antes de a equipe anunciar os cortes para este e o próximo ano. Também sob pressão do mercado, Haddad e a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) anunciaram o congelamento de R$ 15 bilhões para este ano e mais R$ 25,9 bilhões para 2025.
O setor agora quer saber de 2026, mas Lula vinha resistindo. A retomada dos programas sociais e o Novo PAC (Programa de Aceleração ao Crescimento) são duas das principais bandeiras deste terceiro mandato e qualquer corte no orçamento, que ele já considera enxuto, tem maior ou menor impacto nessas medidas.
Para desespero da equipe econômica, Lula costuma apontar para o outro lado. O presidente flerta em não cumprir a meta fiscal zero, proposta por Haddad, critica abertamente o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e operadores do mercado financeiro e questiona a necessidade real dos cortes.
Dentro do governo, há um consenso que o mercado "exagera". Mesmo o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), mais próximo do empresariado e economicamente mais ponderado, tem questionado essas altas, indicando que, embora concorde com diminuição dos gastos, não é para tanto.
O impacto na inflação, no entanto, tem convencido o presidente. Outra bandeira da gestão —e uma das maiores da campanha, com a picanha como símbolo— é a retomada do poder de compra do brasileiro. Até então, o governo tem cumprido a promessa de dar reajustes anuais e reais no salário mínimo, mas o aumento dos preços influencia diretamente nisso.
Cobre aqui, descobre ali
Com o anúncio, a expectativa é que o mercado "se acalme". Lula e Haddad se reuniram na tarde de ontem (4) e os números estão sendo fechados, com promessa de anúncio concreto para esta semana.
Uma nova rodada de cortes, por sua vez, volta a tencionar o governo internamente. Como Lula, a maioria dos ministros têm pedido mais orçamento e verbas para suas respectivas pastas, não menos.
Decidir aonde vai cortar é a decisão que Lula não quer tomar. Da última vez, para acalmar os ânimos, tiraram "um pouco de cada". Agora, no entanto, alguns titulares das pastas já fazem saber que, mesmo que seja geral e feita de forma justa, eles não têm mais de onde espremer.