'Pobre já anda se acabando de fome'; Maguila comentou economia nos anos 90
O ex-boxeador Adilson Rodrigues Maguila, que morreu esta semana em São Paulo, aos 66 anos, também se arriscou como comentarista de economia do programa de TV Aqui Agora, do SBT, um clássico da televisão nacional nos anos 90. O telejornal chegou a ter uma segunda versão na emissora, em 2008, mas dessa vez sem a mesma audiência e, principalmente, sem o ídolo do esporte nacional.
O que aconteceu
Maguila já estava em uma fase ruim da carreira e longe do auge como peso-pesado. O convite do SBT ocorreu em 1991, após as derrotas para Evander Holliyfield (1989) e George Foreman (1990). Como o ex-lutador já fazia sucesso em entrevistas hilárias e em programas de entretenimento, a emissora viu nele uma boa opção para alavancar seu telejornal diário, o Aqui Agora.
O Aqui Agora foi um programa policial que bombou de audiência entre 1991 a 1997. O telejornal tinha como principais características a cobertura de crimes policiais, com Gil Gomes e outros jornalistas, e a descontração, com figuras fixas como Feliz, responsável pela previsão do tempo, e o ex-candidato a Presidência Enéas, que comentava as notícias políticas.
O UOL conversou com Carlos Adese, na época redator principal do telejornal do SBT, que nos contou como o então pugilista foi parar no Aqui Agora. "Em um programa marcado pela ousadia, veio essa ideia de convidar o Maguila para ser comentarista de economia. A intenção era ter a visão de uma pessoa do povo que também fosse um ídolo nacional, carismático e simpático, como ele era."
O ex-boxeador foi contratado para reforçar esse time de "especialistas" e fez feio, pelo contrário. Com análises engraçadas e improvisos, ele foi além da economia e passou a falar de todos os assuntos com a desenvoltura que sua timidez permitia. Importante: ele fazia os comentários usando um smoking e uma luva de boxe.
A ideia deu muito certo porque Maguila realmente tinha um jeito único de pensar a economia. "Os comentaristas tradicionais falavam do impacto das construtoras, no mercado imobiliário, por exemplo, mas ele pensava logo nas pessoas que moravam no barraco de madeira, e por esse ângulo que ele ia", recorda Carlos Adese,
Alguns comentários do peso-pesado
Em um dos raros programas Aqui Agora disponíveis na internet, de 1997, é possível ver um show de Maguila analisando o aumento de impostos. O âncora Ivo Morganti anuncia que cigarros, sabão e cimento vão ter alíquotas maiores e pede a análise do peso-pesado.
"Cigarro pode aumentar até 500%", disse Maguila. Para o ex-esportista, "vício é pra quem pode, não é pra quem quer", por isso "pode aumentar 100%, 500%".
O pouco caso com o aumento no cigarro não se repetiu com a elevação da alíquota do sabão. "Agora, pra produto básico, arroz, feijão, sabão, o pobre já anda se acabando de fome, agora ainda querem que ande sujo!", protestou.
O preço extra na compra de cimento também não abalou Maguila. "Cimento é barato", disse à queima-roupa, mas pensou melhor e emendou: "Pobre não constrói mais com cimento, ele tá fazendo é barraco de madeira, e ainda debaixo de viaduto, que fecha os lados e entra debaixo".
'Não lia teleprompter e não tinha texto preparado'
O redator do programa conta que a definição dos temas ocorria pouco antes de Maguila entrar no ar, sempre ao vivo. "O Aqui Agora tinha dois produtores muito experientes, o Francesco Calvano e o Norberto Fonseca. Os dois, que conheciam televisão profundamente, viam o melhor ângulo para o comentário e iam conversar com o Maguila, que também dava suas opiniões", conta Adese. "O Maguila, sempre muito espontâneo, ia falando e os produtores iam sugerindo 'vai por aqui, melhor por ali', e assim era definido o que ele iria falar."
Como ele não tinha texto escrito, a função do redator era escrever a melhor 'deixa' do apresentador. "A minha ligação com o Maguila era preparar a pergunta que o âncora fazia, uma frase super-rápida para levantar a bola justamente para que o Maguila já entrasse no que havia definido com o Francesco e o Norberto."
Ele era uma pessoa carismática, muito querida na redação, suave e tranquila. Apesar daquela imagem do lutador e tudo, era adorado na redação por todos nós e estava sempre por ali, conversando, disponível. Ele era uma grande figura.
Carlos Adese, redator principal do programa Aqui Agora
O ídolo do boxe nacional se deu tão bem nas análises que começou a comentar outros assuntos. "Com o tempo, ele extrapolou o mundo da economia e passou a opinar sobre vários tipos de matérias, podia ser uma briga, uma denúncia qualquer ou uma operação da polícia. Ele falava de tudo."
Mas houve um dia em que Maguila ficou furioso ao vivo. "Entrou no programa uma reportagem sobre uma mulher acusada de trair o marido. Tinha uma discussão: 'traiu, não traiu' e eu preparei a seguinte pergunta pro apresentador. 'E aí Maguila, o que você faria numa situação dessas?' O Maguila ficou muito irritado, como alguém poderia insinuar que ele estaria numa situação dessas, de ser traído? Quando a produção percebeu essa irritação, deu ainda mais corda, insistindo no assunto. Tudo, claro, em um clima de brincadeira, mas ele ficou muito bravo", relembra Adese.