Eleições nas líderes em mineração no Brasil ignoram prevenção de desastres
Durante as eleições municipais de 2024, os impactos ambientais causados pela mineração ficaram longe de serem tratados com prioridade nas maiores cidades mineradoras do país. Levantamento de Ecoa sobre os municípios brasileiros que mais receberam royalties da mineração em setembro mostra que apenas um candidato eleito incluiu planos de prevenção de desastres envolvendo a mineração em sua proposta.
Foram analisados os dez municípios que mais receberam a CFEM (Compensação Financeira por Exploração Mineral) em setembro de 2024, de acordo com a ANM (Agência Nacional de Mineração).
Nove das dez cidades analisadas pela reportagem estão nas áreas mais suscetíveis a desastres provocados por deslizamentos de terras, alagamentos e enxurradas, segundo lista divulgada pelo Cemaden (Centro Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) em abril. A exceção é Canaã dos Carajás (PA).
Uma das maiores fontes de risco são as barragens de rejeitos da mineração. O Brasil tem 942 barragens de mineração cadastradas junto à ANM, segundo boletim do EduMiTe (Grupo de Pesquisa Educação, Mineração e Território da UFMG). Minas Gerais é o estado com mais estruturas, 340, seguido de Mato Grosso, com 175, e do Pará, com 120.
Do total de barreiras em funcionamento pelo país, 102 estão em nível de alerta ou emergência. Os casos de alerta, que envolvem anomalias com potencial para comprometer a segurança da estrutura, mas sem risco imediato, somam 35. Já no nível de emergência, quando há riscos imediatos à segurança no entorno, são 67.
Barragens nos municípios de Itabira, Itabirito, Nova Lima, Mariana, Brumadinho, em Minas, e Marabá, no Pará, se enquadram na categoria de emergência, enquanto em Congonhas (MG), está no nível de alerta.
Sobre possíveis rompimentos de barragens, como se viu em Mariana e Brumadinho, o pesquisador e professor Bruno Milanez, da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), destaca que "a prefeitura precisa se preparar para enfrentar isso, ter planos concretos de prevenção, treinamento da Defesa Civil, um trabalho em parceria com a mineradora para garantir que não haja emergências, mas preparada caso isso venha a acontecer".
O professor também alerta que, com os eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas, a atenção a inundações dessas áreas e outros efeitos provocados por fortes chuvas em regiões de mineração precisam estar no radar do poder público.
Se a barragem rompe, a responsabilidade deveria ser da mineradora, mas o problema acaba caindo no colo da população. Bruno Milanez, da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora)
Veja as propostas dos eleitos em cada cidade:
1: Canaã dos Carajás (PA). Concentrando 17,78% da arrecadação de CFEM no Brasil devido à exploração do ferro, o município reelegeu Josemira Gadelha (MDB). O plano de governo indica ações de educação ambiental e prevenção e combate às queimadas, sem mencionar os efeitos da mineração.
2: Parauapebas (PA). Também com foco na exploração de ferro, Parauapebas elegeu Aurélio Goiano (Avante). No setor de mineração, ele citou como proposta a criação de uma fundação ligada à mineração, neste caso a Fundação Carajás de Mineração, Energia, Pesquisas, Ciência, Tecnologia e Inovação de Parauapebas. A proposta, contudo, está enquadrada na área Administrativa do plano de governo.
3: Congonhas (MG). A cidade cercada por 24 barragens de rejeitos da mineração, dentre elas a Casa da Pedra, da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), considerada a maior da América Latina em área urbana, com 260 hectares, já tem o Plano Municipal de Segurança de Barragens, que integra sistemas de segurança e contingenciamento. O plano de governo do prefeito eleito, Anderson Cabido (PSB), é enxuto em relação à temática ambiental e não propõe nada novo sobre riscos de desastres ligados à mineração.
4: Itabira (MG). No berço da Vale, com mais de 80 anos de exploração de ferro, os temas meio ambiente, sustentabilidade e mudanças climáticas não foram abordados no plano de governo do candidato reeleito, Marco Antônio Lage (PSB). Ele menciona Desenvolvimento do Turismo Literário Cultural e da Mineração em seu plano de governo, mas não oferece informações sobre recuperação de áreas, educação ambiental ou prevenção de desastres de qualquer tipo.
5: Conceição do Mato Dentro (MG). A população da cidade convive com as operações do Projeto Minas-Rio, um mineroduto com mais de 500 quilômetros de extensão que liga a cidade mineira a São João da Barra (RJ). Esse transporte tubular de minério de ferro utiliza mais de 1,55 milhão de litros de água por hora. No plano de governo do prefeito eleito, Otacílio Neto (PSB), há propostas de implantação de um plano de biodiversidade que englobe mapeamento, diagnóstico e ações para ecossistemas aquáticos e terrestres e a recuperação de áreas degradadas pela mineração. Ele aponta a criação de um comitê para acompanhar as condicionantes do licenciamento da mineradora Anglo American, que atua no município, e de um plano para fechamento de mina no projeto Minas-Rio.
6: Nova Lima (MG). As propostas do prefeito reeleito João Marcelo Dieguez (Cidadania) incluem um eixo de atuação voltado para a sustentabilidade, sem especificar ações ligadas à mineração.
7: São Gonçalo do Rio Abaixo (MG). Um dos municípios com maior PIB (Produto Interno Bruto) per capita do país, de cerca de R$ 209 mil por habitante, São Gonçalo do Rio Abaixo tem como principal atividade a exploração de minério de ferro. O atual prefeito, José Raimundo Nonato (PDT), foi reeleito, mas seu plano não menciona sustentabilidade, mudanças climáticas ou prevenção de desastres.
8: Itabirito (MG). Também com foco na exploração do minério de ferro, Itabirito elegeu o atual vice-prefeito, Élio da Mata (Cidadania). O plano de governo dele inclui geração de energia limpa para toda a cidade e a implementação de um programa de reutilização do rejeito do minério. Há a menção ainda para "ampliação das ações de combate e prevenção de desastres", sem especificar, no entanto, se essas seriam ocorrências envolvendo mineração ou eventos climáticos extremos.
9: Mariana (MG). Local do desastre ambiental em 2015, quando houve o rompimento da barragem do Fundão, de propriedade da Samarco, a cidade de Mariana (MG) elegeu Juliano Duarte (PSB). As temáticas ambiental e de prevenção de desastres aparecem no plano de governo do prefeito eleito, com proposições de criação de um fundo e de um plano municipal de erradicação de áreas de risco, com prioridade para áreas que ofereçam perigo imediato à população ou episódios reiterados de colapso. O objetivo é buscar solução definitiva dos problemas de encostas, alagamentos e outros riscos naturais. Para isso, está previsto o monitoramento permanente em áreas de risco de qualquer natureza.
10: Marabá (PA). Considerada referência na exploração de cobre, manganês e ferro, Marabá abriga o maior projeto de exploração de minério no país, o Projeto Salobo, da Vale, localizado dentro de uma área de preservação ambiental. A temática do meio ambiente no plano de governo do prefeito eleito, Toni Cunha (PL), foi concisa, e os termos sustentabilidade e mudanças climáticas não aparecem no documento. O prefeito eleito cita a construção de um parque de geração de energia solar para os prédios municipais e ações para fortalecer a prevenção de incêndios e enchentes, mas não fez menção a desastres decorrentes da mineração.
Brumadinho (MG), cidade que perdeu mais de 270 pessoas no maior desastre ambiental envolvendo a mineração no Brasil, é a 13ª entra as maiores recebedoras de royalties da mineração. Foram R$ 7.340.677,17 em setembro (ou 1,86% do total). O prefeito eleito, Gabriel Parreiras (PRD), incluiu em seu plano de governo propostas para lidar com a prevenção de acidentes no setor.
Parreiras prevê a criação de um observatório municipal para a reparação da tragédia e de um centro de fiscalização e controle de barragens. Ele também menciona a proteção de moradores ribeirinhos e a revitalização do rio Paraopeba.
Contradições
Superintendente da Amdma (Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente), Maria Dalce Ricas avalia que, mesmo que os planos de governo tragam a temática da sustentabilidade, isso não quer dizer que as propostas desses políticos sejam efetivas. Para ela, falta objetividade sobre como essas ações serão operacionalizadas.
Há uma contradição quando se fala em sustentabilidade, de se criar planos de risco climático, e há, ao mesmo tempo, o avanço da expansão das cidades em áreas remanescentes da Mata Atlântica. Há anos entidades tentam articular em Minas Gerais um projeto que torne obrigatória a vinculação entre a realização de inventários de emissões de carbono por parte das empresas mineradoras e a aprovação de licenciamento ambiental para exploração de áreas no estado. Maria Dalce Ricas, superintendente da Amdma
Além da preservação ambiental, Maria Dalce avalia que os planos deveriam apontar mais caminhos para o desenvolvimento dos municípios de maneira independente da mineração, considerando que a disponibilidade de minérios na região é finita. Ela ressalta que o compromisso em relação à prevenção de desastres deveria ter mais espaço nas plataformas de governo, considerando a importância socioeconômica da atividade.
Prefeituras e mineradoras têm responsabilidades diferentes
O cuidado com impactos da mineração e o desenvolvimento de um plano de enfrentamento de crises, como o rompimento de barragens de rejeitos, são ações que demandam atitudes de agentes distintos, explica o professor Milanez, da UFJF. Quem deve ser responsável por evitar o impacto ambiental decorrente da mineração, aponta ele, são as companhias que exploram as minas da região.
É preciso ter clareza de que a arrecadação que a cidade tem é uma compensação pela exaustão dos recursos minerais, não pelo impacto gerado. Bruno Milanez, pesquisador dos impactos socioambientais da mineração
Cabe aos prefeitos, contudo, pressionar as mineradoras para que as companhias se ajustem às medidas necessárias para a preservação do meio ambiente no entorno de onde estão instaladas. Apesar de pagarem uma compensação econômica, as mineradoras não são donas dessas terras. "A mina é da União, do povo brasileiro. A mineradora consegue o direito de extrair o minério, como em um arrendamento", frisa Milanez.
Por outro lado, salienta o professor, a prefeitura tem como responsabilidade planejar e implantar ações para reduzir a dependência da exploração de minérios no município. Ao mesmo tempo, é preciso estar pronto para lidar com situações extremas envolvendo essas atividades.
Conforme o pesquisador, a preocupação maior é quando há barragens, estruturas que funcionam como uma contenção dos rejeitos gerados pelo beneficiamento dos minérios. "Boa parte das mineradoras têm barragens, mas isso vai depender dos processos de separação de minérios, da tecnologia, do tipo de minério com que cada uma trabalha. Também pode acontecer de a mina estar em um município e a barragem em outro", pontua.