Pouco a pouco a Vale (VALE3) vai vencendo os desafios apontados pelo mercado como riscos de investir na mineradora. A mudança de CEO e as indenizações envolvendo o desastre ambiental de Mariana estão aparentemente resolvidos. Mas resta na equação a recuperação da economia chinesa, que pode ser crucial para que a Vale mantenha bons dividendos.
Apesar da incerteza com o país asiático, a companhia já conta com a benção do mercado. Números vistos no balanço do 3° trimestre e o acordo de Mariana agradaram. Boa parte dos analistas consultados por esta coluna recomenda a compra das ações VALE3 e alguns têm avaliação neutra - ou seja, manter a ação quem já possui o ativo e quem não, melhor ficar de fora. As projeções para dividendos para os próximos 12 meses não são espetaculares, estão mais na linha de valores moderados, mas dá para o gasto. Veja abaixo:
As ações ainda negociam a preços convidativos e abaixo do limite aconselhado pelos analistas para compra. Mas será que vale a pena aproveitar pensando em renda passiva? Confira a seguir alguns fatores que você deve levar em conta na sua avaliação.
O principal destaque do balanço
No 3° trimestre, a Vale registrou lucro líquido de US$ 2,4 bilhões, queda de 15% na comparação anual. Um dos fatores que chamou a atenção do mercado foi a redução significativa que a companhia teve nos seus custos de produção de minério de ferro, que fecharam o 3° trimestre em US$ 20,60 por tonelada, uma diminuição de 20% em relação ao trimestre anterior.
"Essa eficiência operacional é crucial para a lucratividade e, consequentemente, para a geração de caixa disponível para dividendos", avalia Régis Chinchila, head de research da Terra Investimentos.
Já entre os fatores negativos, Chinchila cita queda de 10% nas receitas operacionais, totalizando US$ 9,6 bilhões. O Ebitda ajustado (lucro antes de juros, impostos depreciação e amortização) foi de US$ 3,6 bilhões, uma diminuição de 18,4% em relação ao ano anterior. Segundo o analista isso seria um sinal de que a lucratividade está sob pressão, principalmente devido aos preços menores do minério de ferro.
Acordo de Mariana concluído com sucesso
O acordo de Mariana foi visto como positivo pela maioria dos analistas consultados. São R$ 170 bilhões, que terão a participação da Vale, Samarco e a BHP Billiton Brasil para reparar os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015. O pagamento será realizado de forma parcelada em 20 anos. Saiba mais detalhes aqui
Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, explica que no cenário base em que Vale contribui com os pagamentos até 2031 (depois a Samarco assume), a mineradora já teria provisionado todo o valor das indenizações.
"A Vale tem provisionado cerca de R$ 25 bilhões e a conta dos pagamentos até 2031 dá em torno de R$ 21 bilhões. O provisionamento de hoje é mais do que suficiente para a Vale quitar essa obrigação. Achei ótimo", comenta o analista.
Os principais valores seriam desembolsados até 2026, com R$ 20,7 bilhões saindo do caixa da Vale. Destaque para 2025, quando a mineradora paga o maior valor, de R$ 11 bilhões.
Já em um cenário hipotético em que a Samarco não cumpra com a sua obrigação nos pagamentos, faltariam para a Vale aproximadamente R$ 4,75 bilhões para integralizar o valor, diz Arbetman.
Com o valor já provisionado, os dividendos regulares não devem sofrer pressão. Já não é possível dizer o mesmo para os dividendos extraordinários. Gustavo Poladian, sócio e analista de renda variável da Meraki Capital, explica como a dívida líquida expandida da Vale está acima de US$ 15 bilhões, isso deve limitar o pagamento de dividendos extraordinários. Contribui também o cronograma de desembolsos do acordo, que tem pagamentos elevados no curto prazo.
Atualmente, a dívida liquida expandida da mineradora está em US$ 16,47 bilhões. Pelas regras da empresa, sempre que a dívida estiver abaixo de US$ 15 bilhões, há espaço para proventos extraordinários.
Além do fim de um ciclo, o acordo de Mariana deve trazer benefícios para a Vale no longo prazo, como a possibilidade de a empresa poder focar nas suas operações sem a pressão de incertezas legais, observa Chinchila, da Terra.
Panorama incerto na China
O preço do minério de ferro, atualmente em US$ 104,08 a tonelada, ainda é a pedra no sapato da Vale. A desaceleração da economia chinesa preocupa e pode acabar comprometendo a capacidade da mineradora de remunerar bem os seus acionistas.
Recentemente, o governo chinês fez alguns estímulos na economia do país asiático, que embora considerados fracos pelos analistas, podem ser o começo de uma onda de novos estímulos.
Marco Saravalle, analista CNPI-P e sócio-fundador da MSX Invest, avalia que os estímulos aplicados poderiam até contribuir com um crescimento de 5% na economia chinesa neste ano, mas são insuficientes pensando na manutenção do crescimento econômico ao longo dos anos. "Esperaria novos estímulos para ter uma recuperação consistente no preço do minério de ferro. O cenário atual traz pressão para a Vale e para os dividendos futuros da empresa", pontua.
Poladian, da Meraki, acredita que novos estímulos possam ser anunciados em novembro, auxiliando na estabilização do mercado imobiliário chines. Contudo, ele observa que os estímulos são voltados para a redução de estoque de imóveis e não para novos imóveis. "Por esse motivo, essas medidas não devem trazer uma melhoria muito grande na demanda de minério de ferro no curto prazo", avalia.
O cenário ideal contempla que os estímulos chineses se traduzam em um aumento sustentado dos preços do minério de ferro, o que poderia melhorar significativamente os resultados da Vale. "Um ambiente de preços mais altos aumentaria a receita e, portanto, o fluxo de caixa livre, o que é essencial para a distribuição de dividendos", comenta Chinchila.
Gestão atual da Vale no bom caminho
A visão dos analistas sobre a gestão do atual CEO Gustavo Pimenta é bastante positiva, mesmo com pouco tempo de mandato. Para Saravalle, da MSX, se trata de alguém que já conhece a empresa, vai seguir com o planejamento de investimentos e consequentemente com a prática de dividendos. "Não vejo grandes preocupações em relação a gestão", opina.
Poladian destaca a boa relação que Pimenta tem com o governo, o que é muito importante para a Vale. "O CEO está focado em melhoria de eficiência e custo dos ativos", comenta.
Chinchila afirma que a gestão de Pimenta está fundamentada em três pilares. O primeiro é a segurança e excelência operacional, essenciais para aumentar a competitividade. Já o segundo pilar está focado em acelerar a estratégia de minério de ferro premium, visando um portfólio superior. O terceiro pilar é a construção de confiança junto aos stakeholders, reafirmando a Vale como uma companhia confiável e responsável.
O analista lembra que Pimenta também tem o objetivo de aumentar a produção de minério de ferro para 350 milhões de toneladas no ano, sendo 80% a 90% deste volume de alta qualidade. Ainda entre as metas da atual gestão está ter um crescimento significativo da plataforma de metais básicos, cobre e níquel, da Vale.
"Essas iniciativas refletem uma estratégia proativa para garantir eficiência, competitividade e dividendos sustentáveis a longo prazo", avalia Chinchila.
Endividamento saudável
A dívida líquida expandida da Vale alcançou o patamar de US$ 16,47 bilhões até final do 3° trimestre. Arbetman, da Ativa, avalia que o endividamento é confortável e está dentro dos limites permitidos para a empresa, na faixa entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões.
Já quando observado o indicador dívida líquida sobre ebitda (dívida líquida/ebitda) a relação atual é de 0,50. "A alavancagem também é considerada saudável. Significa que em seis meses pegando o ebitda (lucro antes de juros, impostos depreciação e amortização) da empresa de 1 ano, ela consegue pagar a sua dívida líquida", explica Bruno Oliveira, analista CNPI do Projeto Vida de Acionista.
Contudo, Oliveira faz a ressalva de que esse endividamento baixo não é um diferencial e sim uma necessidade da empresa, tendo em vista que mineradoras precisam trabalhar com dívidas baixas dada a volatilidade de lucros e resultados.
Poladian, da Meraki, reforça que quando há um endividamento inferior a US$ 15 bilhões, a Vale pode distribuir dividendos extraordinários. Não é o caso atual. No entanto, o analista acredita que a mineradora deve ter um bom 4° trimestre, com bom desempenho de vendas, custos e liberação de capital de giro, o que pode auxiliar na geração de caixa fazendo a dívida líquida expandida diminuir no período.
Riscos no radar
Além das incertezas na economia chinesa, Oliveira cita outro risco que não deve ser ignorado ao investir na Vale. Embora a companhia tenha o compromisso de zerar as barragens de alto risco até 2025, ainda existem estruturas com nível 2 ou 3 de emergência funcionando.
"Estamos entrando em época de chuvas e essas unidades representam um risco operacional, socioeconômico e ambiental", comenta o analista do Projeto Vida de Acionista.
Vale a pena comprar para dividendos?
Para a maioria dos analistas consultados pela coluna a visão ainda é positiva. Mas há um consenso: a Vale não deve entregar dividendos tão robustos enquanto os preços do minério de ferro estiverem pressionados.
Conforme projeções apresentadas no começo desta reportagem, a maioria das casas de análises e corretoras projetam dividendos entre 7% e 8,4% para os próximos 12 meses. Com exceção da MSX Invest que é mais otimista e espera dividendos de 11%.
As projeções fazem referência ao pagamento de dividendos regulares que podem vir a ocorrer em março e setembro. Já o pagamento de dividendos extraordinários ainda é incerto e pode não acontecer no próximo ano.
Para quem deseja adquirir as ações VALE3 para garantir um dividendo interessante e um certo potencial de valorização, os analistas recomendam comprar os papéis entre o intervalo de R$ 60 até R$ 75.
Histórico de Dividendos da companhia
A Vale é conhecida por remunerar os seus acionistas acima da média de boas pagadoras da bolsa, que é de 6% de dividend yield (retorno em dividendos). Pelo menos foi assim na maioria das vezes nos últimos anos. Veja evolução dos proventos: