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Quer tirar nota mil na redação do Enem? Veja exemplos de quem conseguiu

Redação deve preencher cinco critérios básicos para obtenção da nota máxima - iStock
Redação deve preencher cinco critérios básicos para obtenção da nota máxima Imagem: iStock
do UOL

Colaboração para o UOL

02/11/2024 12h00

Mais de 4 milhões de estudantes de todo o país devem fazer o Enem no domingo (3), quando serão aplicadas as provas de redação, ciências humanas e linguagem. Para inspirar os estudantes, o UOL separou três exemplos de redações que tiraram a nota máxima no Enem de 2023, com alguns comentários pertinentes.

Naquele ano, os temas foram: "Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil" e "Desafios para a (re)inserção socioeconômica da população em situação de rua no Brasil". O conteúdo completo e as análises, incluindo os erros cometidos pelos mais bem colocados, você encontra na cartilha publicada pelo Inep em outubro.

Quais os critérios de avaliação

Na redação do Enem, que deve ter até 30 linhas, cinco competências principais são avaliadas, cada uma com uma pontuação máxima de 200 pontos, totalizando até mil pontos:

  1. Domínio da língua portuguesa
  2. Compreensão do tema e abordagem no formato dissertativo-argumentativo
  3. Seleção e organização de argumentos
  4. Coesão e coerência
  5. Proposta de intervenção para o problema abordado

Amanda Teixeira Zampiris

Na obra intitulada "Brasil, País do Futuro", Stefan Zweig, autor austríaco, em sua visita ao Brasil, defendeu a ideia de que o país estava destinado a ser um dos mais importantes países do mundo no futuro. No entanto, 80 anos depois, as previsões do autor ainda não se concretizaram e os desafios para enfrentar a invisibilidade do trabalho de cuidado — realizado por mulheres — são entraves para isso. Observa-se, assim, que isso ocorre porque a negligência governamental e a permanência histórica impedem a resolução da questão.

Sob este viés, é preciso atentar para a omissão estatal presente nessa problemática. Nessa perspectiva, o pensador Thomas Hobbes afirma que o Estado é responsável por garantir o bem-estar da população. Entretanto, isso não ocorre no Brasil, pois a falta de atuação das autoridades corrobora a permanência do trabalho de cuidado não remunerado e mal pago realizado, principalmente, por mulheres — que inclui cuidar de crianças e idosos, bem como os afazeres domésticos —, visto que o Governo não tem cumprido seu papel no sentido de assegurar os direitos básicos a esse grupo social, como o direito a um salário digno. Assim, as funções sociais e estatais são descumpridas, agravando o problema.

Outrossim, a permanência histórica é fator importante como constituinte desse imbróglio. Nesse sentido, consoante ao pensamento do antropólogo Claude Lévi-Strauss, só é possível compreender adequadamente as ações coletivas por meio do entendimento dos eventos históricos. Desse modo, a questão da invisibilidade do trabalho de cuidado feito por mulheres majoritariamente pobres e vítimas de discriminação de gênero, mesmo que fortemente presente no século XXI, apresenta raízes indissociáveis à história brasileira — que foi marcada pelo machismo e pelo patriarcado —, uma vez que as atividades domésticas não pagas ainda são delegadas às pessoas do sexo feminino de forma quase que exclusiva.

Faz-se necessário, portanto, que meios sejam criados para intervir nesse óbice. Logo, o Governo Federal — órgão responsável pela administração federal em todo território nacional — deve estabelecer políticas públicas que garantam a remuneração e a valorização do trabalho de cuidado, por meio da utilização de verbas governamentais para o pagamento de salários. Tal ação deve ser realizada com a finalidade de mitigar a invisibilidade dos afazeres domésticos realizados pela mulher na sociedade brasileira e, consequentemente, combater as raízes históricas presentes nessa questão. Dessarte, o Brasil poderá se tornar um "País do Futuro", como defendido por Stefan Zweig".

Comentário resumido: O avaliador destaca o domínio excepcional da língua e da estrutura dissertativo-argumentativa. No texto, a autora recorre ao pensador Thomas Hobbes para criticar o papel negligente do Estado e a Claude Lévi-Strauss para discutir a permanência histórica do trabalho de cuidado atribuído às mulheres. A conclusão é acompanhada de uma proposta de intervenção, sugerindo a criação de políticas públicas que promovam a remuneração e a valorização desse trabalho. A cartilha destaca que a redação é clara, bem organizada e coesa, cumprindo plenamente as exigências do exame e propondo soluções detalhadas, que indicam o "o quê", "como" e "quem" para enfrentar a questão.

Trecho da redação original de Ana Luiza Teodoro Coutinho Loureiro, que tirou nota máxima em 2023 - Reprodução/Inep - Reprodução/Inep
Trecho da redação original de Ana Luiza Teodoro Coutinho Loureiro, que tirou nota máxima em 2023
Imagem: Reprodução/Inep

Ana Luiza Teodoro Coutinho Loureiro

Um dos contos presentes no livro "Laços de Família", de Clarice Lispector, acompanha a epifania da personagem Ana ao fugir de seus afazeres domésticos. Ela, que se via sentenciada a cuidar da casa e dos filhos, assemelha-se a muitas mulheres brasileiras, que exercem essas e outras tarefas diariamente, sem valorização e, até mesmo, sem remuneração. Nesse sentido, cabe analisar as causas socioeconômicas da invisibilidade do trabalho de cuidado no Brasil contemporâneo.

Em primeira perspectiva, a sociedade limita a mulher e sua função social ao ambiente caseiro e à realização de cuidados especiais. Isso ocorre porque, de acordo com o corpo social estabelecido, a essência cuidadosa é algo inerente ao feminino, muitas vezes associada à maternidade. Todavia, essa característica é construída e imposta às mulheres, que são frequentemente moldadas — assim como elucidado por Simone de Beauvoir: "Não se nasce mulher, torna-se". Esse cenário é instigado pela cultura patriarcal e machista da nação, que atribui o cuidado e o lar somente ao sexo feminino. Desse modo, esse trabalho é visto como uma obrigação da mulher e não como um trabalho de fato, o que, por conseguinte, gera a desvalorização de tão importante exercício.

Ademais, o cuidado não é percebido com valor de mercado. Isso, porque não é uma atividade altamente lucrativa e produtiva, do ponto de vista mercadológico, o que, segundo Byung Chul-Han em "A sociedade do cansaço", são fatores valorizados nos dias atuais. Esse panorama se dá pela lógica capitalista que norteia as relações de trabalho no mundo hoje, priorizando o lucro de indústrias e empresas em detrimento do cuidado com pessoas — majoritariamente exercido por mulheres. Consequentemente, há a má remuneração dessa ocupação, o que afeta a igualdade de gênero na inserção no mercado de trabalho e atrapalha a emancipação feminina.

Portanto, fazem-se evidentes as matrizes da invisibilidade do trabalho de cuidado em solo nacional. Logo, não se deve hesitar: são necessárias medidas para a erradicação da problemática. E? responsabilidade, então, do Ministério da Educação — órgão federal que gere o ensino brasileiro — alterar a estrutura machista e patriarcal nas salas de aula. Isso pode ser feito por meio da inserção na Base Nacional Comum Curricular de formas de empoderamento feminino como assunto obrigatório na formação cidadã. Essa mudança deve ser alcançada com a finalidade de valorizar o trabalho exercido por mulheres, principalmente os mais invisíveis, como o de cuidado. Outrossim, cabe ao Governo Federal aumentar o salário mínimo atual, com o objetivo de garantir uma remuneração adequada a todos, bem como às mulheres que se ocupam com o cuidado, favorecendo suas independências financeiras. Quem sabe, assim, todas as "Anas" que cuidam do Brasil tornar-se-ão visíveis, valorizadas e prestigiadas.

Comentário resumido: A redação é elogiada na cartilha por seu "excelente domínio da língua" e organização do texto dissertativo-argumentativo. Ela introduz o tema com uma referência ao conto "Amor", de Clarice Lispector, destacando o papel de gênero imposto às mulheres. A participante analisa a desvalorização do trabalho de cuidado feminino por meio de referências à filósofa Simone de Beauvoir, discutindo como a sociedade molda a função de cuidadora para as mulheres. O texto também aborda a esfera socioeconômica e sugere ações práticas, como alterações na Base Nacional Comum Curricular para inserir "formas de empoderamento feminino" e aumentar o salário mínimo, valorizando o trabalho invisível das cuidadoras. A cartilha destaca ainda o uso preciso de coesão e a proposta de intervenção, que detalha o "o quê", "como", "quem" e os efeitos esperados da ação, atendendo a todas as competências com excelência

Lucas Malta de Carvalho

A Constituição Federal de 1988, documento jurídico mais importante do país, garante o trabalho remunerado e a dignidade humana como direitos de todo cidadão brasileiro, além de estabelecer a igualdade entre os gêneros masculino e feminino na sociedade. Entretanto, nota-se que tal prerrogativa não tem se reverberado na prática, visto que ainda há uma invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil, o qual, muitas vezes, não apresenta retorno financeiro. Portanto, faz-se necessária a análise dos principais fatores que contribuem para esse triste cenário: o machismo e o descaso estatal.

Em primeira análise, é importante destacar que a mulher ocupa uma posição subjugada na sociedade brasileira desde o período colonial, sendo encarregada dos afazeres domésticos e dos cuidados familiares. A partir desse contexto, após anos de inferiorização, as mulheres conquistaram diversos direitos sociopolíticos, como o direito ao voto e o trabalho remunerado. Todavia, mesmo com essas conquistas, ainda é notável que existe um machismo estrutural na sociedade contemporânea, já que, segundo o IBGE, as mulheres gastam o dobro de tempo com tarefas de cuidado, quando comparadas aos homens. Nesse sentido, por ser uma tradição enraizada na sociedade, o trabalho de cuidado realizado pela população feminina é ignorado por grande parte das pessoas.

Ademais, é imperioso ressaltar que a invisibilidade e a desvalorização desse tipo de trabalho resultam, em alguns casos, na falta de remuneração, o que contraria o direito estabelecido na Constituição. De acordo com o filósofo Nicolau Maquiavel, o principal objetivo do governante é a manutenção do poder, deixando em segundo plano a busca pelo bem comum. Assim, é evidente que o Estado não se preocupa com a garantia dos direitos das mulheres, o que reflete na ausência de políticas públicas que assegurem uma remuneração digna àquelas que trabalham. Dessa forma, as mulheres se encontram desamparadas, ao mesmo tempo, pela sociedade e pelo governo.

Portanto, é necessário promover ações concretas, as quais alterem o quadro de invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela população feminina. Logo, cabe às emissoras de TV, as quais são grandes formadoras de opinião da sociedade, realizar campanhas sobre a importância de lutar contra o machismo, por meio de anúncios publicitários, a fim de desconstruir ideias de subjugação presentes no Brasil contemporâneo. Além disso, o Governo Federal deve fiscalizar as relações de trabalho para garantir a remuneração feminina.

Comentário resumido: O comentário destaca seu excelente domínio da modalidade formal da língua e da estrutura dissertativo-argumentativa. Ele inicia o texto referenciando a Constituição de 1988, afirmando que o Estado brasileiro não assegura plenamente os direitos de dignidade e igualdade previstos. No desenvolvimento, aborda o machismo e o descaso estatal como causas da invisibilidade do trabalho de cuidado das mulheres no Brasil, com menção ao período colonial como origem da subjugação feminina. Lucas sugere ações para conscientizar a sociedade e garantir condições equânimes de trabalho, com ênfase na fiscalização governamental. O comentário elogia sua proposta de intervenção, que conecta ações de conscientização na mídia e políticas de fiscalização. Essa estrutura "reforça a consistência do argumento" e atende plenamente aos critérios avaliativos.

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