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Comando da PM admitiu que ação em velório foi 'grave', diz Ouvidoria

do UOL

Do UOL, em São Paulo

02/11/2024 05h30

O ouvidor da Polícia Militar de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, afirmou que o coronel Hudson Covolan, comandante do CPI-4 (Comando de Policiamento do Interior-4), admitiu que a ação da PM durante um velório em Bauru, no interior de SP, foi "grave" e "desproporcional".

O que aconteceu

Direito ao luto foi ferido. Segundo o ouvidor, o comandante reconheceu que o direito ao luto foi ferido, apesar de argumentar que houve desacato contra os policiais. "O comandante [Hudson Covolan] reconhece que entre o desacato e ter ferido o direito ao luto, o direito a despedida da família da pessoa morta, os policiais erraram de forma mais grave do que pode ter errado a pessoa que cometeu o desacato", afirmou Cláudio da Silva.

Policiais entraram no velório e agrediram familiares ao lado do caixão. O caso ocorreu no dia 18 de outubro. "O comandante acha que foi totalmente desproporcional a atitude dos policiais no sentido de invadir o velório e promover toda aquela desordem", ressaltou o ouvidor em entrevista ao UOL. Cláudio foi até Bauru e ouviu familiares agredidos e o comandante Covolan.

Conduta dos PMs será investigada. A SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo declarou que as diligências prosseguem pela Polícia Civil em conjunto com a Polícia Militar, por meio de inquérito policial militar para apurar a conduta dos policiais envolvidos e adotar todas as medidas cabíveis.

Quatro agentes já foram afastados das atividades operacionais. Dois pela ação no velório e dois pelas pelas mortes em confronto. "A PM não compactua com excessos e a conduta dos policiais não condiz com as práticas da instituição. Todo e qualquer desvio é rigorosamente investigado, com acompanhamento da Corregedoria, e os policiais punidos com rigor", segundo nota envaida pela SSP.

"Só pedia misericórdia", diz mãe agredida em velório. A auxiliar de cozinha Nilceia Alves, 43, foi agredida por policiais militares enquanto velava o corpo do filho Guilherme Oliveira, 18. Pouco após o início do velório, no Cemitério Cristo Rei, em Bauru (SP), agentes da Polícia Militar entraram no local e agrediram Nilceia e o seu filho mais velho. Vídeos gravados por parentes mostram que as agressões ocorreram ao lado do caixão.

Vídeo mostra que ao menos cinco PMs entraram no velório. Nas imagens, é possível ver que os agentes tentaram render um outro filho de Nilceia, que estava com a mãe ao lado do caixão. Segundo a família, a confusão teve início porque uma viatura da PM parou em frente ao cemitério assim que o corpo de Guilherme chegou ao local. "Um policial começou a dar risada, falando que o sistema tinha vencido. Aí, as pessoas se revoltaram e começaram a bater boca. E eles ameaçaram invadir o local, e fizeram", disse Nilceia.

O irmão do jovem que morreu baleado chegou a ser detido e levado para a delegacia. Mas foi liberado após o registro da ocorrência por desacato, resistência e abuso de autoridade.

Mãe diz que filho morto era inocente

Guilherme Oliveira havia completado 18 anos no dia 27 de setembro - Cedido ao UOL - Cedido ao UOL
Guilherme Oliveira havia completado 18 anos no dia 27 de setembro
Imagem: Cedido ao UOL

Dois jovens foram mortos durante uma operação da PM no no Jardim Vitória, em Bauru, no dia 17 de outubro. A Polícia Militar esclareceu que a dupla foi baleada em confronto. Eles foram identificados como Guilherme Alves Marques de Oliveira, 18, e Luis Silvestre da Silva Neto, 21. O UOL não conseguiu contato com familiares de Luis.

Armas e drogas teriam sido encontradas com eles. A SSP-SP informou ao UOL que PMs faziam uma operação na comunidade do Jardim Vitória "quando foram surpreendidos criminosos, que atiraram contra a equipe". Segundo a pasta, houve a intervenção e os suspeitos foram atingidos. O resgate foi acionado e constatou os óbitos no local. "Com eles, foram localizadas porções de entorpecentes, que foram apreendidas, assim como as armas que eles usavam", segundo resposta do governo paulista.

Intervenção policial. O caso foi registrado como morte decorrente de intervenção policial, tráfico de drogas, associação para o tráfico, localização/apreensão de objeto e tentativa de homicídio pela Delegacia Seccional de Bauru.

Nilceia diz que Guilherme não tinha envolvimento com o tráfico de drogas. A auxiliar lembra que o filho completou 18 anos no dia 27 de setembro e trabalhava com conserto de celular. "Não existe nada disso do que eles estão falando. O Guilherme era um menino de 1,40 m, pesando 40 kg. Nunca foi envolvido com coisa errada, nunca passou no Conselho Tutelar, nunca colocou uma mão em uma arma. O Guilherme não sabia descascar uma laranja", contou.

Familiares e amigos têm feito diversos protestos desde a morte de Guilherme. "Eu estou brigando para provar a inocência do meu filho. Ele não estava com nenhum tipo de arma, muito menos com drogas. Quero descobrir o que fizeram com om eu filho, ele foi arrastado feito cachorro, tinha marcas de coronhada, bateram nele antes de executá-lo. Por que não o prenderam se ele era suspeito? Eu preciso de respostas", cobrou.

Ouvidoria das polícias diz que está "empenhada" em acompanhar o caso. "A Ouvidoria estará empenhada para que todos os acontecimentos deste caso, desde a abordagem seguida de morte dos jovens, os aspectos de socorro, a repressão a atos de protesto, até a aparente intimidação à manifestação dos familiares, sejam apurados com rigor e celeridade, inclusive sugerindo a avocação do caso para a capital. Se necessário, a Ouvidoria se deslocará até a cidade de Bauru para uma escuta qualificada dos envolvidos e busca de um diálogo frutífero com o comando local".

'Banho de sangue', diz ouvidor sobre mortes por intervenção policial em Bauru

Ouvidoria detalhou que em 2024 já são 14 mortes por intervenção policial em Bauru. "Um banho de sangue promovido pela força policial do estado, o que é inadmissível", disse Cláudio ao comparar os dados deste ano com 2022, quando morreram duas pessoas em decorrência de internação policial.

Ouvidor diz que cobrou providências sobre ação da polícia. "Eu pautei o comandante em relação ao número de mortes absurdos. Eu sugeri, inclusive, que tomasse medidas que pudessem mitigar essas mortes que estão ocorrendo na cidade de Bauru. Dentre as sugestões que eu fiz, eu ponderei com ele a possibilidade de determinar que as apurações das mortes fossem todas feitas na cidade de São Paulo", explicou o ouvidor.

A SSP informou ao UOL que as nortes em decorrência de intervenção policial são resultado da reação de suspeitos à ação da polícia. "Todos os casos de morte em decorrência da intervenção policial que ocorrem em São Paulo são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário", diz nota.

Aumento das mortes em Bauru. Sobre o tema, a secretaria esclareceu que para reduzir a letalidade investe continuamente na capacitação do efetivo, aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e em políticas públicas. "Além disso, os cursos ao efetivo são constantemente aprimorados e comissões direcionadas à análise dos procedimentos revisam e aprimoram os treinamentos, bem como as estruturas investigativas".

A gente tem apontado ao longo desse ano e do ano passado um movimento de 'desprofissionalização' da nossa força policial principal, que é a Polícia Militar, e a promoção de uma cultura de violência, que pra nós é inadmissível, partindo do próprio estado. A Ouvidoria vai continuar atuando pra que outros órgãos de controle externo da atividade policial possam fazer cumprir o seu papel institucional, o seu papel legal, assim como que a própria corporação tome medidas efetivas no sentido de devolver a paz para a população da periferia de Bauru.
Ouvidor da Polícia Militar de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva

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