Enchentes na Espanha: governo de direita da Valência é criticado por demora em alertar população
A imprensa francesa destaca a tragédia climática na Espanha causada pelas enchentes e ilustra suas capas das versões impressas com imagens dos estragos provocados pela catástrofe, nesta sexta-feira (1°). Os jornais analisam as causas do fenômeno agravado pelas mudanças climáticas, "a polêmica" inércia do alerta do governo regional, a preocupação das cidades para investir em projetos que suportem eventos extremos e o drama da busca por desaparecidos.
O Le Figaro aponta "a polêmica depois da tragédia". O jornal destaca que, "liderada pela direita", a região de Valência não transmitiu à população o alerta lançado pela Aemet. Na terça-feira (29), às 9h41 no horário local, a agência meteorológica espanhola subiu o alerta para o nível vermelho na província, a mais atingida pelas chuvas torrenciais e com o maior número de mortos até o momento.
O jornal detalha que os meteorologistas indicaram que o episódio da "gota fria" que atingiria o leste do país, representava um "risco extremo" na área, o mais grave do seu sistema de três níveis. Às 12h, o órgão redobrou os alertas, veiculando um vídeo do seu porta-voz convidando a população a ficar em casa ou evitar deslocamentos.
Mas, às 13h14, o governador da região valenciana, Carlos Mazon (do Partido Popular, PP, direita), publicou uma mensagem nas redes sociais indicando que o fenômeno meteorológico deveria perder intensidade por volta das 18h. Somente às 20h o governo regional enviou um SMS oficial a toda a população indicando claramente para evitar saírem de casa.
A pouca reatividade do órgão responsável pelas questões de segurança, que demorou mais de 10 horas para pedir a seus residentes que procurassem um abrigo com urgência, é alvo de fortes críticas do diário francês.
O jornal cita que, quando "a região aceitou finalmente a gravidade da situação, a província de Valência já estava devastada por chuvas torrenciais e inundações" e que "milhares de motoristas, presos em engarrafamentos ou em estradas bloqueadas no pior momento possível, teriam evitado pegar o volante se tivessem sido devidamente informados dos riscos que corriam".
Le Figaro diz que "este atraso é incompreensível" e questiona "por que um poder político escolheria deliberadamente ignorar os conselhos dos cientistas, arriscando-se assim a expor a sua população?". A reportagem traz ainda entrevistas de especialistas que apontam a causa da inércia governamental, que estaria relacionada a "receios de interrupção das atividades econômicas" de alguns políticos.
O fenômeno natural agravado pelo aquecimento global
O jornalLe Monde desta sexta-feira analisa o fenômeno científico da "gota fria" após as cheias na Península Ibérica e traz uma entrevista com o especialista em catástrofes naturais, o geólogo Antonio Aretxabala. Segundo ele, a intensificação do fenômeno comum de chuvas torrenciais nesta época do ano na região se dá pelo aumento anormal da temperatura do Mar Mediterrâneo, devido ao aquecimento global, que neste verão, "novamente bateu recordes".
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De acordo com o texto, durante mais de oito horas quase 500 litros por metro quadrado caíram na região valenciana em uma intensidade excepcional, o que corresponde a um ano de precipitação. O jornal cita ainda episódios de chuvas intensas e enchentes na França e na Europa Central nas últimas semanas. O especialista conclui que "estes fenômenos meteorológicos extremos continuarão a aumentar em frequência e intensidade, à medida que vivemos as consequências reais das mudanças climáticas".
"Tornamos as cidades mais vulneráveis"
O Le Parisien abordou outro aspecto da catástrofe e entrevistou o urbanista Clément Gaillard, especializado em projetos bioclimáticos, que alerta para a necessidade de as cidades reverem seus projetos para reduzir os riscos em caso de inundações repentinas.
O urbanista critica a canalização de rios realizada na região de Valência no final da década de 1950. "Tornamos as cidades mais vulneráveis", afirma.
Já o jornal Libération foca nas vítimas do desastre natural na Espanha - pelo menos 158 pessoas morreram em Valência. Segundo o Libé, as autoridades locais liberaram € 250 milhões para continuar a busca por vítimas desaparecidas nos alagamentos e na lama.