Em Xangai, festa de Halloween dá arrepios ao regime chinês
As autoridades chinesas tentam limitar as celebrações de Halloween em Xangai e chegaram a impedir a realização de celebrações neste fim de semana. Para o regime, o famoso feriado de 31 de outubro, importado dos Estados Unidos, poderia se tornar um meio de criticar o poder através da escolha das fantasias.
Sébastian Seibt, da France24 em Paris
O governo chinês tem medo do Halloween em Xangai? Um grupo de pessoas fantasiadas para uma festa pré-Halloween foi preso pela polícia, notou a Reuters na sexta-feira, 25 de outubro. Depois, durante o fim de semana, a polícia se posicionou em um dos principais bairros do centro da cidade para acalmar o entusiasmo festivo de outros moradores empolgados com a data, celebrada em 31 de outubro.
"Usávamos chapéus e orelhas de gato e eles [a polícia] nos disseram que não podíamos ficar assim, a não ser que fôssemos para a Disneylândia ou outro local do gênero", testemunhou um estudante de 22 anos, ouvido pelo Financial Times. Ele disse que foi levado a um "lugar especial", onde teve de esperar mais de 30 minutos antes de poder retirar os adereços "por causa da fila de pessoas fantasiadas levadas pela polícia".
Trajes 'subversivos'
No local, as autoridades exigiram que cada pessoa detida apresentasse o seu documento de identidade, assinasse um registo e deixasse o seu número de telefone, especifica o South China Morning Post. Vídeos que mostram moradores algemados entrando em um prédio público, acompanhados pela polícia, circulam nas redes sociais chinesas desde o último fim de semana.
"Estas detenções ocorreram sobretudo no bairro da antiga concessão francesa de Xangai, muito cosmopolita e onde aconteceram festividades de Halloween no ano passado", explica Carlotta Rinaudo, especialista em China da Equipe Internacional de Estudos da Segurança (ITSS) de Verona.
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As autoridades estavam nervosas com a aproximação do dia 31 de outubro porque não querem que 2023 se repita. "Não foi apenas muito festivo. Alguns dos participantes escolheram fantasias que podem ser descritas como politicamente subversivas", sublinha Marc Lanteigne, pesquisador sobre a China na Universidade Ártica da Noruega.
As autoridades chinesas foram pegas de surpresa pela virada política de uma festa comercial que, geralmente, se traduz por crianças que vão de porta em porta em busca de doces, e não por exigências políticas. Pequim não vê com bons olhos que Xangai, cidade costeira "considerada a mais aberta ao mundo e que funciona como uma vitrine do país, expresse descontentamento popular", diz Marc Lanteigne.
Medo do efeito bola de neve
O regime se esforça ao máximo para apresentar Xangai ao mundo da maneira mais acolhedora possível, ao mesmo tempo, garante que nenhuma perturbação da ordem pública possa sugerir o menor questionamento do poder em Pequim.
Mas algumas fantasias inconvenientes bastariam para abalar o todo-poderoso Partido Comunista Chinês? "A priori, trata-se apenas de um momento de descontração da população de Xangai, e não um desafio ao poder. Não podemos esquecer que a população local foi gravemente afetada tanto pelas medidas sanitárias draconianas durante a Covid-19, quanto pela desaceleração econômica chinesa", pondera Marc Lanteigne.
As autoridades, entretanto, consideraram que a festa poderia gerar um efeito de bola de neve, acreditam os especialistas. "A fronteira entre as celebrações festivas e as exigências políticas sempre foi bastante tênue na China e, durante vários anos, as reuniões durante o período do Halloween estimularam demonstrações críticas ao governo", explica Carlotta Rinaudo.
Em 2019, a polícia de Hong Kong dispersou, com mangueiras de incêndio, manifestantes que usavam máscaras provocativas. Em 2022, os protestos em Xangai contra as medidas sanitárias começaram em 2 de novembro, logo após o Halloween.
As fantasias vistas em Xangai em 2023 convenceram as autoridades de que era melhor levar às ruas cassetetes em vez dos doces neste Halloween. "Quem está no poder não quer ver, de forma alguma, o estabelecimento de uma espécie de tradição. Com um acontecimento recorrente, há sempre o risco de ganhar força e de qualquer transbordamento político se tornar mais importante", afirma Rinaudo. As autoridades não chegam ao ponto de proibir completamente o Halloween, mas "estão interessadas em controlar a forma como o feriado é celebrado", garante o especialista do ITSS.
Nacionalismo chinês x influência ocidental
No entanto, mobilizar a polícia quase uma semana antes da noite de Halloween e mandar todos aqueles que usam uma fantasia vestirem "roupas mais urbanas" não é sinal de uma potência muito autoconfiante", avalia Marc Lanteigne. Para ele, é a prova de que, com a desaceleração econômica, as autoridades estão atentas ao menor sinal de uma possível crise social.
Representa também uma oportunidade "para atacar outro símbolo da cultura ocidental na China", acrescenta o pesquisador. Há vários anos, as autoridades chinesas têm incitado as pessoas a não celebrarem o Natal. "Isto faz parte do desejo daqueles que estão no poder de destacar as tradições chinesas em detrimento do que é apresentado como uma influência ocidental prejudicial", observa Carlotta Rinaudo.
Desta forma, o Halloween parece ser o alvo perfeito da ira das autoridades chinesas. Por um lado, Pequim espera puxar o tapete de possíveis protestos populares e, por outro, "permite exaltar uma forma de nacionalismo chinês, ao estigmatizar um feriado importado do Ocidente", salienta Lanteigne.