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Macron vai ao Marrocos em clima de reconciliação, após racha causado por suspeitas de escuta de políticos

28/10/2024 13h37

O presidente francês Emmanuel Macron inicia nesta segunda-feira (28), em Rabat, uma visita de Estado de três dias ao Marrocos. Ele estará acompanhado de sua esposa e de uma importante delegação econômica, cultural e esportiva, além de vários membros do governo. Após anos de desavenças entre os dois países, essa viagem, mencionada e adiada várias vezes desde a reeleição de Macron, visa selar a reconciliação e preparar o futuro diplomático dos dois países.

O rei Mohammed VI receberá pessoalmente Emmanuel Macron no aeroporto, segundo Valérie Gas, enviada especial da RFI ao Marrocos. Vinte e um tiros de canhão serão disparados e os dois chefes de Estado se deslocarão em um carro oficial até o Palácio Real para um primeiro encontro a portas fechadas.

A visita de Estado deve, em primeiro lugar, mostrar que as relações entre o rei e o presidente francês são novamente cordiais após episódios que a prejudicaram, incluindo as suspeitas de Emmanuel Macron em 2021 sobre a implicação dos serviços de inteligência marroquinos na escuta de seu telefone, e de outros políticos e jornalistas franceses, no caso que ficou conhecido como "Pegasus".

Além disso, a decisão de Paris de reduzir os vistos concedidos ao Marrocos para pressionar Rabat a aceitar o retorno de seus cidadãos expulsos da França, assim como a política de aproximação com a Argélia, também foram fatores relevantes na escalada de tensões entre os dois países.

Devido às críticas do Parlamento Europeu sobre a liberdade de expressão no Marrocos, o país manteve vago o cargo de embaixador na França entre janeiro e outubro de 2023, segundo o correspondente da RFI em Casablanca, François Hume-Ferkatadji. As relações pioraram em 9 de setembro de 2023, quando Emmanuel Macron se dirigiu em um vídeo "diretamente aos marroquinos e marroquinas", o que foi visto como uma transgressão aos usos protocolares no país. 

Divergências gradualmente resolvidas graças a várias visitas ministeriais, a um almoço em fevereiro em Paris entre Brigitte Macron e as três irmãs de Mohammed VI, mas, acima de tudo, a uma carta do presidente francês endereçada ao rei no final de julho, na qual ele se posiciona sobre o assunto altamente sensível do Sahara Ocidental, cujo futuro se inscreve, escreve ele, "no contexto da soberania marroquina".

Agradecimentos do rei do Marrocos 

Há duas semanas, durante um discurso perante as duas câmaras do Parlamento marroquino, o rei Mohammed VI agradeceu ao chefe de Estado francês por essa declaração, ressaltando a "dinâmica positiva" que o dossiê do Sahara está vivenciando, após as mudanças de posição da Alemanha, da Espanha, dos Estados Unidos, apenas para citar alguns países. Esse apoio ao plano de autonomia marroquino redefine as relações bilaterais, uma vez que laços fortes unem os dois países: cerca de 850 mil marroquinos vivem na França, enquanto pelo menos 53 mil franceses residem no Marrocos.

O dossiê do Sahara será abordado durante a visita do presidente Macron: "É evidentemente importante para nossos amigos marroquinos que confirmemos nosso compromisso com essa questão essencial para sua segurança nacional, e isso ocorrerá", assegura o Eliseu.

No entanto, segundo a mesma fonte, a abertura muito simbólica de um consulado em Dakhla, como fizeram muitos países, não está nos planos. A França afirma estar "pronta para apoiar o desenvolvimento econômico dessas regiões em benefício das populações locais e de acordo com o direito internacional".

O Sahara Ocidental apresenta um potencial imenso para energias renováveis, com suas importantes reservas de recursos solares e eólicos. Empresas francesas já se encontram ativas na região.

Dossiê "Pegasus": entenda o caso

O Ministério Público (MP) de Paris abriu em 21 de julho de 2021 uma investigação sobre a espionagem de jornalistas franceses, cuja infiltração de telefones pelo software Pegasus em nome do Estado marroquino, que nega, foi revelada por um consórcio de mídias francesas, conforme anunciado em um comunicado.

Segundo a investigação publicada por um consórcio de 17 mídias internacionais, o software Pegasus, desenvolvido pela empresa israelense NSO Group, teria permitido a espionagem dos números de pelo menos 180 jornalistas, 600 políticos, 85 ativistas dos direitos humanos e 65 empresários de diferentes países. O software espião Pegasus, instalado em um smartphone, permite recuperar mensagens, fotos, contatos e até mesmo escutar as chamadas de seu proprietário.

Rastros de um colonialismo mal resolvido

Em 2021, a França reduziu pela metade o número de vistos concedidos a cidadãos marroquinos. Embora essa decisão tenha mudado posteriormente, ela deixou marcas, segundo o escritor marroquino Abdellah Taïa, entrevistado pela RFI.

"Isso afetou pessoas que nunca imaginaram que a França lhes negaria vistos. E isso mostrou, principalmente, que os franceses não precisam de visto para entrar no Marrocos, enquanto os marroquinos, sim, precisam de visto para entrar na França", lembrou Taïa. "Há algo que remete a uma forma de injustiça, uma relação norte-sul que persiste e a questão da colonização que ainda não foi totalmente, eu diria, tratada como deveria", diz o escritor, lembrando do passado colonialista da França em relação ao Marrocos.

"Você vê que a cultura, a língua, a forma como às vezes se usa o francês no Marrocos é algo que precisa ser mudado. E o mesmo vale para a ideia que temos da francofonia. A francofonia não diz respeito apenas aos franceses brancos que vivem em Paris e que podem citar coisas de Roland Barthes e Michel Foucault", conclui o autor, ressaltando a relação de poder instaurada pelo uso da língua francesa em suas ex-colônias.

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