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Eleição consolida centrão, racha direita e expõe fraqueza da esquerda

Lula, Gilberto Kassab e Bolsonaro - Montagem de fotos: Adriano Machado/Reuters, Ronny Santos/Folhapress e  Amanda Perobelli/Reuters
Lula, Gilberto Kassab e Bolsonaro Imagem: Montagem de fotos: Adriano Machado/Reuters, Ronny Santos/Folhapress e Amanda Perobelli/Reuters
do UOL

Do UOL, em São Paulo

27/10/2024 21h43

O resultado das eleições municipais em todo o país revela um rearranjo de forças entre os partidos políticos. Os números fortalecem o centrão, revelam a fraqueza do campo progressista e expõem um racha na direita em diversas cidades. Cientistas políticos ouvidos pelo UOL afirmam que a nova configuração política será determinante para 2026.

O que aconteceu

Os resultados das eleições confirma a predominância dos partidos de centro e de direita e os coloca como protagonistas para a disputa eleitoral de 2026. "É uma vitória da política tradicional, da velha política", diz Daniela Costanzo, doutora em Ciência Política pela USP, pesquisadora do Cebrap e da Sciences Po.

O PSD conquistou 887 prefeituras, e o MDB ficou com 856. Secretário de governo do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), Gilberto Kassab foi considerado uma peça central nesse processo ao atrair para o PSD prefeitos que antes integravam o PSDB.

Na sequência, conseguiram destaques PP (com 747 prefeituras), União Brasil (585), PL (516) e Republicanos (433). O PL, puxado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, elegeu mais do que o dobro do PT. Os conservadores venceram em 28 das 51 cidades onde houve segundo turno.

O campo da esquerda demonstrou fraqueza nessas eleições. O PSB foi a legenda mais exitosa, com 309 prefeituras, o PT alcançou 252; o PDT, 151, e o PCdoB, 19. Cientistas políticos afirmam que o campo da esquerda enfrenta a desilusão de parte dos eleitores. Segundo eles, partidos como o PT têm se distanciado de suas bases e encaram o envelhecimento de suas lideranças.

Kassab, o grande vitorioso

O PSD é o partido que conquistou mais prefeituras nessas eleições. "O Gilberto Kassab [presidente do partido] é o grande vitorioso", diz Daniela. "O que ele vai fazer em 2026? Não sabemos ainda, mas ele está no governo Lula e no governo Tarcísio, o que sinaliza a disputa do campo", afirma ela. "Se ele topar ir com a extrema-direita, há um risco democrático muito maior."

Kassab demonstrou capacidade de articulação política e coligações diferentes nas regiões do país. Dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que o PSD conquistou 22% das prefeituras no Sudeste, 18% no Sul, 15% no Nordeste, 2% no Centro-Oeste e 8% no Norte. "Ele buscou coligações para conquistar as prefeituras onde ele não ia ganhar como cabeça de chapa", diz a pesquisadora. "Isso mostra uma articulação política muito desenvolvida, com capacidade para se dividir e se coligar quando interessante".

O PSD terá uma posição privilegiada para negociar pautas e cargos no Executivo, avalia Deysi Cioccari, cientista política da PUC-SP. Isso faz do partido um potencial aliado tanto do governo quanto da oposição. "Esse fortalecimento permite ao PSD posicionar-se como um partido 'fazedor de maioria', podendo decidir a aprovação ou rejeição de projetos essenciais em troca de concessões políticas e orçamentárias", afirma Deysi. "Kassab ganha poder e compete na disputa com Valdemar [da Costa Neto]."

Expansão do PSD no Congresso abre a possibilidade de o partido se preparar para lançar ou apoiar um candidato à presidência. Na avaliação de Deyse, o PSD pode ser "um divisor de águas", tanto no apoio a um candidato de centro quanto a uma coalizão mais ampla, definindo o rumo da sucessão presidencial.

Mais emendas e mais votos consolidam centrão

Partidos de centro têm cada vez mais tomado conta do orçamento público nos últimos anos, segundo Daniela. Segundo ela, que se dedica a estudar o chamado "centrão", "Isso faz com que eles consigam enviar mais emendas aos municípios e consequente mais votos", diz. "Muitas vezes, esses recursos não são controlados, nem fiscalizados."

Desempenho do centrão chama a atenção em 2020, diz pesquisadora do Cebrap. O que surpreende, explica Daniela, é a taxa de reeleição dos prefeitos de todas as siglas. Entre todos os candidatos à reeleição, 81% ganhou. "Como a maior parte dos prefeitos são do centrão, e o centrão ganhou mais prefeituras, essa taxa de reeleição acaba expressando, na verdade, a reeleição do centrão." A pesquisadora afirma que historicamente a taxa era de 62%.

Alianças com partidos de centro serão disputadas nos próximos dois anos. Segundo ela, esse campo político pode ser compreendido como o "centro" e "centrão sem medo" - ala que fez alianças com a extrema-direita. "O centro que não está totalmente alinhado à direita vai ser fundamental para os próximos dois anos", diz Daniela. "A partir de agora, todas as cartas estão sendo jogadas para definir quem vão ser os candidatos à eleição presidencial em 2026, e o centrão vai ser fundamental nessa definição."

Direita avança, mas enfrenta racha

São Paulo é um exemplo de cidade que protagonizou o racha da direita. O ex-presidente Jair Bolsonaro apoiou oficialmente o candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB), mas parte de seus eleitores se identificaram com Pablo Marçal (PRTB). "Isso significa que a direita pode se dividir em mais de uma candidatura e está unida ao centrão", diz Daniela.

Direita deve buscar o alinhamento com o "centrão" para 2026. No entanto, as alianças ainda dependem do candidato que representará o campo da esquerda. "Caso seja o Lula o candidato em 2026, a direita vai buscar um maior alinhamento com o centro, mas isso não significa que ela vai se moderar."

Racha na direita revela discordâncias sobre o tipo de conservadorismo defendido em cada cidade, aponta Deysi. "Enquanto Nunes representa uma abordagem mais moderada e associada ao atual sistema de alianças políticas locais, Marçal adotou uma retórica antissistema e de extrema direita, alinhada com o bolsonarismo", afirma a cientista política. "A divisão evidencia o enfraquecimento de um discurso coeso na direita da cidade.

A disputa em Goiânia (GO) entre Sandro Mabel (União Brasil) e Fred Rodrigues (PL) demonstrou a força dos grupos de direita na última década. "A cidade, que tradicionalmente tem uma base política de direita fortemente ligada ao agronegócio e ao conservadorismo moral, agora assiste à uma fragmentação entre um conservadorismo mais tradicional e um populismo de direita mais agressivo", diz Deysi. "A briga entre Caiado e Bolsonaro inclusive expõe o racha para 2026".

Em São Paulo e Goiânia, essa divisão é evidente, pois uma ala da direita busca preservar as estruturas políticas e econômicas tradicionais, enquanto outra promove um discurso populista que desafia essas mesmas estruturas.
Deysi Cioccari, cientista política da PUC-SP

Esquerda sai enfraquecida das urnas

Os partidos de esquerda elegeram 403 prefeitos — o PT fez 252 prefeituras e o PDT, 151. Com o fim do segundo turno, lideranças históricas do PT afirmam que começa um período de "balanço". Cientistas políticos apontam outras urgências para uma eventual reconciliação com as bases. "Todo o campo progressista precisa construir novas lideranças", diz Heloísa Murgel Starling, historiadora, cientista política e professora da UFMG., da UFMG.

Desconexão com o eleitorado de classes mais baixas, afastamento das periferias, ausência de projeto político, de pautas modernas e crises sequenciais contribuíram para a esquerda sair enfraquecida das urnas. O UOL apurou que eleitores não só deixaram de acreditar nas legendas progressistas como também passaram a buscar representação em siglas de centro e direita.

Esquerda tem dificuldades para dialogar com as classes C, D e E. "O campo perdeu a conexão com esse eleitorado, que não quer continuar nessas classes", diz Deysi. O campo político também não conseguiu apresentar um projeto de país atualizado. "É preciso chamar as pessoas para pensar no futuro", afirma Heloísa.

Programas sociais tiveram impacto, mas sem reformas estruturantes não alteraram a desigualdade social. "Existe uma desilusão por parte dos eleitores, que não conseguiram alcançar a autonomia."

Por que é importante eleger prefeitos

Eleger mais prefeitos significa, na prática, ter mais controle sobre políticas locais e orçamento, fortalecer bases eleitorais, aumentar capilaridade e construir alianças para o futuro. "Ao eleger mais prefeitos, os partidos têm a oportunidade de mostrar suas diretrizes ideológicas na prática, fortalecendo sua imagem e credibilidade", afirma Deysi Cioccari, cientista política da PUC-SP.

Prefeitos servem como líderes locais e pontos de contato entre eleitores e partido, segundo cientista política. "Isso cria uma rede que amplia a capilaridade e a influência do partido em diversas regiões, algo fundamental para mobilizar eleitores em grande escala. Mais um ponto em que o PSD conseguiu ir bem", avalia.

Prefeituras são espaços de formação de novas lideranças. Segundo Deysi, são nas administrações municipais que os partidos testam políticos que poderão assumir cargos mais altos no futuro. Isso faz acender a luz vermelha para o PT que conquistou apenas 248 prefeituras no primeiro turno e quatro, no segundo.

Prefeitos têm um grande poder de persuasão, especialmente em cidades pequenas e médias, avalia Deysi. Eles são figuras respeitadas e podem influenciar o voto dos eleitores em eleições estaduais e federais. Partidos com muitos prefeitos conseguem, segundo a cientista política, exercer pressão política em governos estaduais e obter apoio para fazer avançar projetos no legislativo.

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