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'Blefe duplo' de Boulos e Marçal rendeu o debate mais improvável da eleição

Pablo Marçal (PRTB) se surpreendeu quando Guilherme Boulos (PSOL) aceitou seu convite para ser sabatinado - Reprodução/Youtube/Pablo Marçal
Pablo Marçal (PRTB) se surpreendeu quando Guilherme Boulos (PSOL) aceitou seu convite para ser sabatinado Imagem: Reprodução/Youtube/Pablo Marçal
do UOL

Matheus Pichonelli

Colunista convidado

25/10/2024 15h25

Pablo Marçal (PRTB) tinha certeza de que nem Ricardo Nunes (MDB) nem Guilherme Boulos (PSOL) aceitaria o desafio lançado por ele na quarta-feira (23) para um debate-surpresa em seus canais.

"Fiquei assombrado", confessou o ex-coach, ao comentar o "sim" do deputado.

A armadilha já tinha cumprido um propósito: conseguiu, com a postagem, um alcance que ele não estava obtendo desde o fim da campanha (o uso, durante a gravação do desafio, de um boné com a marca de uma seguradora de carros da qual é sócio não era por acaso; se Boulos e Nunes ignorassem o desafio, outros milhares de seguidores veriam e conheceriam seu empreendimento mais recente).

Mas Boulos topou o convite, e deixou o constrangimento de recuar na mão do autor do blefe —e também do atual prefeito, que, por medo de ser espinafrado, preferiu matar no peito a fama de "fujão".

Tinha um pouco de blefe também no "sim" de Boulos. Do outro lado, Marçal poderia dizer que não faria sentido um debate sem o outro adversário.

"A gente combina na próxima, valeu, falou", poderia dizer o ex-candidato.

Mas era tarde.

Boulos disse sim

Até o fim da manhã de quinta-feira (24), era ainda um dilema, para a campanha de Boulos, participar ou não de um evento na casa de um adversário que o acusou sem provas de ser usuário de drogas, soltou um laudo falso de uma internação inexistente na véspera da votação e ainda disse que as suas filhas iriam chorar mesmo por causa do pai.

Do que mais Marçal seria capaz?

A pergunta não passou batida no entorno do deputado.

Marçal iria xingar a mãe dele agora? Iria berrar? Ou forçar Boulos a sair do figurino "paz e amor" e gritar também? Ele seria engolido no meio dos berros para não perder a estribeira (e o esforço para convencer o eleitor médio de que não era um radical)?

Uma questão levantada, por exemplo, era como seria realizado o encontro. Se fosse presencial, havia o temor de que Marçal retomasse o personagem do primeiro turno que tentou de toda forma, inclusive com o deboche da carteira de trabalho, receber a agressão que só viria de José Luiz Datena (PSDB) na reta final.

Eis que o encontro aconteceu, após a equipe de Marçal e a campanha de Boulos passarem a véspera conversando para definir como seria o encontro. Não foi na Ceilândia em frente ao lote 14, mas por videochamada. Marçal na Itália e Boulos, em São Paulo.

Que 'xou' do Marçal é esse?

Para assombro da audiência, a versão Marçal entrevistador sabia comer de garfo e faca. Não xingava a mãe de ninguém nem levantou documento falso para constranger a visita.

Foi uma alívio para os que defendiam a ida de Boulos ao debate porque, atrás nas pesquisas, ele não teria nada a perder.

Pelo contrário: era a chance de incubar uma mensagem que simplesmente não chegou ao público de Marçal falando diretamente com ele.

Para os apoiadores de Boulos —que poderiam manifestar decepção com a moral a um extremista— a resposta estava pronta: o candidato não queria legitimar o ex-coach, mas sim os seus eleitores.

Era a chance de o candidato do PSOL mostrar que, diferentemente do que diziam os adversários, ele não morde, sabe dialogar e, sim, já trabalhou na vida. Isso diante do ex-rival que passou a campanha chamando o deputado de vagal.

De quebra, ele mostraria (como repetiu diversas vezes) que não foge de confronto. E deixaria (como deixou) a pecha de covarde toda para Nunes.

Aceito o desafio, Boulos passou mais de uma hora se desviando de cascas de bananas lançadas pelo anfitrião. Não foram poucas, apesar do tom de voz gentil.

Marçal queria saber se ele achava que as empresas privadas são importantes para alavancar a economia.

Sim, são.

Próxima pergunta.

O ex-coach quis saber se o ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto faria vista grossa com possíveis invasões na cidade. Ouviu como resposta que não, já que as ocupações eram resultado do abandono do Estado e que em seu governo haveria a maior política habitacional e de regularização fundiária da história.

Boulos também despistou quando Marçal quis saber como ele levaria a cidade a prosperar se ele mesmo, como pessoa física, não enriqueceu. Boulos disse que se sentia realizado como professor. E que ensinar o que se sabe é uma outra forma de prosperar.

O psolista mostrou também que não tinha aversão a algumas ideias do ex-oponente, como a de levar educação financeira para as escolas. Com o porém de que era preciso definir qual idade adequada para esse tipo de disciplina.

Bolsonaro, Dilma, FHC e Jesus?

A certa altura, Marçal precisou conter a fúria de seguidores que estranharam a postura mansa de quem até outro dia só tinha a verborragia detida na base da cadeirada.

Ele precisou explicar que ali era um entrevistador. E que, se fosse um debate, já estaria chacoalhando a carteira de trabalho.

Na sequência, ele quis saber o que o candidato pensava sobre algumas personalidades: Jair Bolsonaro, Dilma Rousseff, Fernando Henrique Cardoso, Tarcísio de Freitas... e Jesus.

Boulos agradeceu a chance de dizer que Cristo era uma inspiração "a todos nós que somos cristãos".

Ele perderia algumas chances de educar a plateia quando Marçal, em modo passivo-agressivo, desancou o campo progressista e disse que Nunes era "da mesma laia" que o entrevistado.

O deputado poderia explicar melhor que "ser de esquerda" não era assumir o estereótipo inventado por pessoas da laia de Marçal. Mas o recado de uma forma e outra foi pulverizado.

Isso aconteceu, por exemplo, quando ele disse que ninguém pergunta se o cidadão é de direita ou esquerda quando se passa nove horas à espera em uma Unidade de Pronto Atendimento.

Sobrou para Nunes

No fim, o único que de fato saiu chamuscado do mais improvável dos encontros da campanha foi Ricardo Nunes. Ao fugir do debate, ele deu para o rival deste domingo a chance de ser desossado sem direito de resposta.

Nunes foi chamado de prefeito "fantoche", "inseguro", "sem expressão" ou "vontade própria" e que, "por ser fraco, deixou o crime organizado tomar conta da cidade."

Mesmo assim, Boulos não disse que votaria em Marçal se o segundo turno fosse contra Nunes. E o anfitrião também não disse em que votaria se estivesse em São Paulo no domingo.

Mesmo prevendo "a maior abstenção da história", o ex-coach liberou os eleitores a fazerem o que achassem melhor. Era tudo o que Boulos queria caso alguém, por um grande acaso, tenha revisto o que pensava sobre ele entre os eleitores do anfitrião (segundo a Quaest, 8 em cada 10 preferem Nunes).

"Que Deus tenha piedade de São Paulo", disse um irreconhecível Marçal antes de encerrar o debate e seguir falando sozinho para um público que só cresceu ao longo da tarde (eram 189 mil espectadores nos primeiros minutos, e quase 500 mil no fim).

Foi a eles que ele prometeu voltar à luta em breve.

Quem assistiu pelo Instagram do ex-candidato deve ter notado que no link da bio havia uma porta de entrada para o curso "O Destravar da Riqueza", uma oportunidade de levar os futuros mentorados a adquirirem "a casa própria e não se preocupar mais com o dinheiro".

O suposto exercício cívico do ex-candidato rendeu a ele uma vitrine razoável para a próxima empreitada.

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