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Com filmografia que explora 'relação com o outro', Lucia Murat realiza master class na Sorbonne

24/10/2024 11h53

A diretora, produtora e roteirista Lúcia Murat está em Paris para realizar um master class na Universidade Sorbonne dentro do projeto "Processos de criação artística em áreas de língua espanhola e portuguesa", promovido pelo Centro de pesquisas interdisciplinares sobre os mundos íbero-americanos contemporâneos (CRIMIC).

A diretora, produtora e roteirista Lúcia Murat está em Paris para realizar um master class na Universidade Sorbonne dentro do projeto "Processos de criação artística em áreas de língua espanhola e portuguesa", promovido pelo Centro de pesquisas interdisciplinares sobre os mundos íbero-americanos contemporâneos (CRIMIC).

A cineasta é conhecida internacionalmente por filmes premiados como "Que bom te ver viva" (1988), "Quase dois irmãos" (2004) e "O Mensageiro" (2023). A ditadura militar no Brasil permeia várias de suas obras, mas ela rejeita o rótulo de "cinema político" e diz que a questão da "relação com o outro" está presente em todos seus filmes.

Lúcia Murat foi presa aos 21 anos de idade, e torturada durante a ditadura militar no Brasil. Sua prisão, que durou quase quatro anos, marcou sua vida e sua filmografia. Em "Que bom te ver viva" (1988), seu primeiro longa-metragem, depoimentos de mulheres torturadas durante a ditadura militar são intercalados com cenas ficcionais, protagonizadas pela atriz Irene Ravache.

Depois dele, vieram "Quase dois irmãos" (2004, "Uma longa viagem" (2011), "A memória que me contaram" (2013), "O Mensageiro" (2023), entre vários outros sobre o período de chumbo no Brasil. Mas a cineasta não se identifica com o rótulo de "cinema político". 

"Obviamente que nessa transição da adolescência para a idade adulta, essa questão da violência, do ser humano, da traição, são questões que ficam para o resto da vida. Necessariamente, os filmes não tratam diretamente da questão da ditadura, mas há a questão da violência, a questão da relação com o outro, eu acho que sim, que estão presentes em praticamente todos os meus filmes, porque é uma preocupação que ficou", disse à RFI.

E é sobre esses temas que inspiraram sua filmografia que Lúcia Murat vai tratar no master class na quinta-feira (24), no auditório da faculdade de Letras da Sorbonne, em Paris. "Eles me pediram para conversar sobre o meu processo criativo. Já que eu não sou uma teórica de comunicação, eu sou uma cineasta, pensei que talvez fosse interessante mostrar todos os trailers de todos os meus filmes ou dos principais filmes e conversar sobre o processo criativo de cada um", explica. "Como todos eles têm uma relação com a realidade política e histórica do Brasil, quer dizer, eu acho que vai ser também uma conversa sobre o Brasil".

Também na quinta-feira, seu filme "O Mensageiro" será projetado no cinema Saint-Denis, ao norte de Paris, seguido de um debate com a cineasta. A história, ambientada em 1969 no Brasil, gira em torno da prese política Vera, vivida pela atriz Valentina Herszage. Na prisão, ela conhece o soldado Armando, interpretado por Shi Menegat, um jovem de origem rural. Diante das crueldades e torturas que presencia, ele aceita levar mensagens de Vera para sua família, o que o aproxima de Maria (Georgette Fadel), mãe de Vera. Apesar das profundas diferenças sociais e de origem, uma relação afetiva improvável começa a se desenvolver entre o soldado e a mãe da prisioneira.

A história é inspirada de fatos que aconteceram com a cineasta quanto estava na prisão. "Em nenhum momento eu fiz cinema pensando que fazia uma mensagem, pensando em contar uma história do passado. Foram sempre filmes que surgiram a partir de necessidades imediatas, do que eu estava vivendo", diz. "O mensageiro, por exemplo, é um filme que parte da minha necessidade de falar sobre a polarização que o Brasil estava vivendo", explica a cineasta.

Para ela, o filme, além de ter um aspecto de memória, porque "não é possível se esquecer o horror que [a ditadura militar] foi", também "mostra uma capacidade de humanização em meio ao horror". Finalmente, o longa também trata do "não julgamento dessas pessoas e a questão do perdão ou não, que eu faço junto e levo para a atualidade, discutindo a filosofia da Hannah Arendt", diz.  

Documentário e ficção

Outro aspecto que marca os filmes de Lúcia Murat, é sua característica de estarem no limite entre o documentário e a ficção. "Eu me lembro que na época que fiz "Que bom te tiver viva", que é o primeiro filme que trabalha com ficção e documentário", diz. "Eu me lembro que achei que foi muito especial eu ter inventado aquela história", conta a diretora.

"Quando eu comecei a frequentar os festivais internacionais com o filme, eu vi que aquilo ali era uma tendência do cinema naquele momento. Esses limites entre ficção e documentários já estavam se aproximando", argumenta.

Sobre o lugar do cinema de autor no mercado cinematográfico atual, com o cinema sendo deixado de lado por plataformas de streaming, a cineasta diz que continua fazendo longa-metragens preferencialmente para o cinema, mas que o streaming "tem seu lado positivo".

"Evidentemente é mais uma janela que se abre", mas lamenta que no Brasil estas plataformas não estejam reguladas. "Existe uma luta feia no Congresso para tentar regular, para que elas passem a pagar impostos e a gente possa exigir também uma participação de filmes nacionais", diz.

Já sobre a questão estética do cinema feito na atualidade, Lucia Murat lembra que tem uma filha cineasta, Júlia Murat, "então eu convivo com a nova geração". "Eu tenho um contato muito bom com a nova geração. Eu gosto de ver tudo o que é feito de novo", conclui a diretora.

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