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OPINIÃO

Dizer que taxar lucros de milionário vai dar em fuga de capitais é conversa

do UOL

Colunista do UOL

23/10/2024 09h01

No Brasil, a renda com origem em lucros e dividendos recebidos por proprietários ou acionistas de empresas não é tributada. Só outros dois países — Estônia e Letônia — seguem essa regra responsável por uma parte considerável das imensas injustiças tributárias brasileiras.

Nem se pode dizer que se trata de uma questão ideológica, com a esquerda defendendo a taxação e a direita a combatendo. No governo Bolsonaro, um governo de direita, por exemplo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a enviar ao Congresso projeto de tributação de lucros e dividendos, que dorme há mais de dois anos nas gavetas do Senado.

Tributação mínima

Agora é o governo Lula, tido como de esquerda, que elabora um projeto para tributar lucros e dividendos pagos a pessoas físicas. A taxação ainda não estaria contida na reforma tributária da renda e do patrimônio, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem considerado deixar para apresentar em 2025.

A ideia anunciada é antecipar uma tributação mínima sobre pessoas com rendas totais acima de R$ 1 milhão por ano. A alíquota mencionada por Haddad ficaria entre 12% e 15%.

Como no caso de Guedes, que propôs taxar dividendos para bancar um Auxílio Brasil mais robusto, Haddad quer tributar dividendos de milionários para bancar a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil mensais.

O anúncio de Haddad, muito incompleto e indefinido, deu, como não poderia ser diferente, margem a especulações variadas. Tentativas de dimensionar o volume de recursos envolvidos indicaram perdas e ganhos de receita num intervalo muito amplo, de R$ 30 bilhões a cerca de R$ 100 bilhões por ano.

Carga neutra

Técnicos especialistas em políticas tributárias, envolvidos nas discussões, travadas no governo, sobre definições de parâmetros e limites da tributação mínima de milionários, estimam que tanto a ampliação das isenções no IR da pessoa física quanto a tributação de milionários resultarão em volume de recursos da ordem de R$ 40 bilhões anuais, mantendo assim neutralidade da carga tributária.

O que está em discussão, no caso do imposto mínimo de altas rendas, é tributar somente lucros e dividendos à alíquota de 12% a 15%. Lembrar que as rendas com origem em aplicações financeiras já são taxadas na fonte em 15% e, portanto, ficariam fora do novo tributo.

Também será preciso instituir uma escala progressiva de aplicação da alíquota por faixa de renda, evitando incentivar a divisão da renda de lucros e dividendos para escapar da faixa de R$ 1 milhão ou penalizar quem tenha rendas apenas pouco acima desse montante. Assim, a ideia é que a taxação do primeiro milhão dos milionários seja menor do que 15%. Por isso, o aumento de arrecadação não será de R$ 80 bilhões anuais, mas de R$ 40 bilhões.

No caso da isenção do IR, também estão em estudos medidas que impeçam ou reduzam o ganho indireto da isenção aos detentores de rendas mensais superiores a R$ 5 mil — normalmente, com ampliação de isenções, todas as rendas seriam beneficiadas na parcela até R$ 5 mil do total de sua renda. Considerando a base de cálculo de R$ 4 mil mensais (20% de desconto padrão), a perda de receita não será de R$ 80 bilhões, mas sem a isenção completa da parcela até R$ 5 mil de todas as rendas acima desse valor, ficará em metade disso.

Argumentos contrários

As medidas em estudo são mais do que razoáveis e seguem os padrões internacionais, mas toda vez que, no Brasil, surge a ideia de tributar lucros e dividendos, não são poucos os que aparecem para oferecer argumentos contrários.

São dois os argumentos mais comuns contra a tributação de lucros e dividendos:

Taxar lucros e dividendos terá efeito pequeno porque promoverá fuga de capitais; os atingidos retirarão seus recursos do país, para escapar da tributação;

Sem uma reforma do Imposto de Renda das empresas, reduzindo a carga do imposto sobre elas, que já são taxadas em excesso, a tributação estimulará ainda mais a elisão, a evasão e, enfim, a sonegação do tributo.

O primeiro argumento reflete um tipo de terrorismo econômico corriqueiro, mas sem base. A renda de milionários tem origem basicamente em imóveis, e no resultado de empresas, que com galpões, máquinas, equipamentos e trabalhadores, produzem os lucros e geram dividendos. Obviamente, tais base de renda não podem ser transferidos para outros países, salvo casos extremamente raros e custosos. Além disso, imagina-se taxar dividendos enviados ao exterior, como forma de desestimular a transferência de recursos para o exterior.

Já o segundo argumento faz sentido e, parece ser lógico que a tributação de lucros e dividendos deve considerar a soma do que é pago pela empresa e pelo acionista. Por isso, ao implantar um imposto sobre lucros e dividendos para o acionistas, o correto será ajustar para baixo os impostos pagos pelas empresas.

Espaço para tributar

Tabela publicada pelo economista Sergio Gobetti, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Economia Aplicada) e especialista em políticas tributárias, em sua conta na rede social X, listando países da OCDE ((Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e incluindo o Brasil, num total de 39 nações, mostra que o país é, de fato, um dos campeões na taxação de empresas.

A taxação de empresas no Brasil chega as 34%, a segunda mais alta da lista, só perdendo para a Colômbia. Mas é preciso levar em conta que a tributação efetiva das empresas brasileiras, depois de descontos e abatimentos, na média, fica em 25%, no caso das empresas taxadas pelo lucro real, pouco mais de 10%, nas empresas de lucro presumido e nem 5%, nas optantes pelo Simples. Considerando a carga efetiva média, a tributação de empresas, no Brasil, está dentro da média da OCDE e é menor do que de metade da lista.

De outro lado, o Brasil aparece na 33ª posição, no grupo de 39 países, entre os que menos tributam o conjunto de lucros e dividendos na empresa e na pessoa física. Está longe da Coréia do Sul, que taxa o conjunto em 58,8%, de países da zona do euro, com tributação conjunta acima de 50%, e mesmo de latino-americanos como Colômbia (48%), Chile (44,5%) e México (42%).

É imperativo, diante dessa balbúrdia tributária, promover o quanto antes uma reforma completa desse sistema disfuncional. Aprovar logo a reforma tributária do consumo, mesmo com as distorções introduzidas pelos grupos de pressão, e encarar o quanto antes a reforma tributária da renda, começando com a eliminação da jabuticaba que é a não taxação de lucros e dividendos.

Na lista com países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil, de fato, é um dos campeões na taxação de empresas, mas aparece na 33ª posição, num grupo de 39 países, entre os que menos tributam o conjunto de lucros e dividendos na empresa e na pessoa física. Está longe da Coréia do Sul, que taxa o conjunto em 58,8%, de países da zona do euro, com tributação conjunta acima de 50%, e mesmo de latino-americanos como Colômbia (48%), Chile (44,5%) e México (42%).

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