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Startup do ramo imobiliário não paga aluguéis para 85 proprietários

do UOL

Maria Luiza Pereira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

16/10/2024 05h30

A Tabas by Blueground, startup que atua como intermediária entre donos e locadores de imóveis de luxo, está sendo alvo de ações judiciais por falta do pagamento de aluguéis desde 2023. A empresa aluga imóveis diretamente com proprietários e subloca para seus clientes, com a proposta de reformar a propriedade para se adequar ao padrão de luxo do seu público alvo.

O que aconteceu

Startup foi fundada em 2020. Foi criada pelo brasileiro Leonardo Morgatto e pelo italiano Simone Surdi — atuais CEO (Chief Executive Officer) e COO (Chief Operating Officer)— e foi adquirida pela americana Blueground em 2023, empresa especializada em estadias flexíveis e prontas para morar.

Foco em imóveis de alto padrão. A promessa da Tabas era facilitar o aluguel de residências nos locais mais conceituados de capitais como São Paulo (em bairros como Itaim Bibi, Jardins e Pinheiros) e Rio de Janeiro (no Leblon e na Lagoa), com preços a partir de R$ 3.000, mas que chegam até R$ 30 mil, segundo seu próprio site.

Com contratos de longa duração (a partir de seis anos), a empresa propõe assumir todas as despesas envolvidas na locação, como aluguel, IPTU, contas de consumo, etc. Por isso, o valor pago pelo inquilino chega a ser de 2 a 3 vezes maior que o aluguel repassado para o dono do imóvel.

Processados por falta de pagamento

Problemas começaram em 2023. Os processos contra a startup começaram no ano passado, após se tornarem parte do grupo Blueground, sob a justificativa de que os locadores não estavam recebendo o dinheiro acordado em contrato, enquanto os inquilinos, se descobriu, faziam o pagamento correto todo mês.

Proprietários entraram com ação na Justiça. A advogada Marcela Miranda, que foi procurada pela dona de um imóvel, descobriu que a situação era muito maior — atualmente, são 85 donos de imóveis reunidos em um grupo de WhatsApp em busca de soluções para o imbróglio com a empresa. Pelo menos 60 deles já entraram com ação em busca dos seus direitos.

A primeira locadora que me procurou, na verdade, foi uma amiga. Para ajudá-la, busquei entender o cenário, e a corretora que havia intermediado a locação entre a Tabas e minha cliente disse que isso estava acontecendo com muita gente. Então, logo que tomei ciência do primeiro caso, em questão de três dias, encontrei mais 20 proprietários com problemas com eles.
Marcela Miranda, advogada

Tabas não quis acordo. Segundo a advogada Marcela Miranda, a empresa negou a grande maioria das tentativas amigáveis de rescisão de contrato. Para Marcela, os poucos imóveis que a Tabas aceitou rescindir espontaneamente, sem apresentar nenhuma contestação, têm uma procura baixa ou pouco valor para o modelo de negócio que eles almejam. Todos os outros, diz a representante legal dos locadores, é preciso entrar com processos judiciais.

A advogada relata que a situação piorou muito após abril de 2023. "Recebemos casos de proprietários lesados pela Tabas todos os dias e estamos entrando com ações judiciais para reaver os valores que estão em atraso e conseguir a rescisão do contrato. Somando tudo, já são R$ 1,5 milhão em prejuízo. Felizmente, temos conseguido êxito nisso, com muitos locadores recebendo o dinheiro de volta e a posse da propriedade."

Segundo a advogada, 15 liminares já foram concedidas e de três a cinco sentenças. Para ela, o positivo da liminar é conseguir convencer o juiz da falta de cumprimento de contrato no primeiro momento. Já as sentenças acabam demorando mais, por conta de todo o processo. Apesar disso, ela vê um cenário muito promissor e acredita que todos os casos acabarão com decisões positivas para seus clientes.

Estamos lutando principalmente pela devolução dos valores gastos e pelo retorno do domínio do imóvel para o dono. Muitos querem que a Justiça permita que eles negociem diretamente com o inquilino que está morando na casa deles. Dessa forma, o morador não sai prejudicado, e o senhorio volta a ter aquela renda.
Marcela Miranda, advogada

Atrasos no pagamento e falta de reembolsos

Imóvel para complementar a aposentadoria. O perfil dos locadores que procuram suporte jurídico de Marcela são, em grande maioria, idosos que têm o aluguel como fonte de renda. É o caso José Sliqueirs, 75, engenheiro industrial aposentado e morador de Atibaia, no interior paulista. Ele é dono de um apartamento no Itaim Bibi, em São Paulo, desde 1977.

Indicação do zelador. "Conheci a Tabas por meio de um dos zeladores do meu prédio, em 2020, e gostei da proposta da startup, que prometeu me poupar de problemas com a locação. Infelizmente, isso só ficou na teoria, porque, na prática, foi o contrário", declara.

Fizemos um contrato por seis anos, e nunca fui autorizado a visitar meu apartamento após a reforma para ver como ficou. Além disso, foi firmado em contrato que a empresa pagaria o aluguel, o IPTU e o condomínio, mas meses depois pediram uma mudança nesta cláusula. Queriam pagar somente o aluguel, e as outras pendências ficariam por minha conta e seriam reembolsadas depois. Eu aceitei, mas logo os problemas começaram. Atrasavam o reembolso e o aluguel, sem nenhum acréscimo de multa contratual.
José Sliqueirs, proprietário

Ação judicial para receber o valor devido. O aposentado diz que encontrou a advogada Marcela Miranda após conversar com outra proprietária na mesma situação, e ela passou a administrar a parceria entre eles. Ainda assim, não surtiu efeito. "Já são cinco meses sem o pagamento do aluguel. Tivemos que entrar com ação judicial. Eu estou pagando o condomínio e o IPTU, sem reembolso algum. É bem difícil, porque eu contava com o valor do aluguel, no valor de R$ 3.700, para completar minha renda. No fim, estou tendo mais gastos", afirma.

Vazamentos e reclamação dos vizinhos. Sliqueirs também revela que após a reforma feita pela empresa, os vizinhos passaram a reclamar de vazamento de água. "Fui ameaçado de processo pelos meus vizinhos por conta disso. Tive que eu mesmo processar a Tabas por isso, e chegarmos em uma conciliação. Eles disseram que já fizeram os reparos, mas não tenho nenhuma prova física até hoje."

Confusão financeira. A única justificativa que a Tabas deu ao aposentado em todo esse período, de acordo com ele, foi que as confusões financeiras começaram depois da compra pela Blueground, mas que a startup estava trabalhando para se reorganizar.

Para ele, o mais importante é reaver a posse do apartamento. "É lógico que quero o dinheiro de volta, eles me devem cerca de R$ 30 mil, e isso não se pode jogar fora. Mas, tendo o apartamento de volta, eu posso voltar a ter renda, alugando para alguém mais honesto", afirma.

Problemas desde 2020. É o mesmo desejo do publicitário Daniel Greco, 35, morador de Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo, e também dono de um imóvel no bairro do Itaim Bibi, que era alugado para a Tabas no valor de R$ 6.800 mensais. Ele fechou a parceria com a empresa em 2020 e, desde então, teve problemas com os pagamentos.

Participei de uma assembleia online do meu condomínio e fui informado que estava inadimplente. Entrei em contato com a empresa e me disseram que o problema seria solucionado, mas não foi o que aconteceu. Pediram para que eu pagasse as taxas condominiais e o IPTU e prometeram me reembolsar, mas se eles aconteciam, eram de forma bagunçada. Nunca era o valor completo e, claro, sempre com atrasos.
Daniel Greco, proprietário

Tentativa de acordo judicial. Ele conheceu a advogada Marcela Miranda por meio de uma reportagem na TV sobre o caso e, desde então, trabalham juntos em estratégias jurídicas para conseguir um acordo judicial. "Assim como os outros locadores, minha intenção ao procurar a Tabas foi não ter dores de cabeça. Por isso, gostaria de um acordo amigável e superar essa situação. Só quero meu apartamento e meu dinheiro de volta", afirma o publicitário, que alega que a dívida da empresa com ele é de R$ 30 mil.

Startup contesta as acusações

Não é imobiliária. Em nota enviada ao UOL, a Tabas by Blueground alega que é uma startup de locação e sublocação de imóveis e não se caracteriza como imobiliária. Segundo ela, a empresa não deixou de fazer os repasses de aluguéis, mas, sim, como inquilina, parou de pagá-los.

A empresa diz que está ciente dos casos e informa que não foi notificada sobre nenhum inquérito policial em andamento que discuta a falta de pagamento dos aluguéis. "Os casos mencionados estão em processos judiciais, e cada situação tem uma motivação específica, prevista em contrato, para suspensão dos pagamentos. Em todos eles, foram apurados valores devidos pelos proprietários à Tabas em razão de benfeitorias que a empresa fez em seus imóveis", declara.

A empresa revela que administra mais de 2.000 imóveis e que os casos citados representam menos de 2% de sua base de clientes e que estão sendo tratados, adequadamente, na Justiça.

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