Mãe descobre morte de filho preso por email: 'Implorei por socorro'
Maria Cristina de Almeida, 62, foi avisada por email que o filho, de 35 anos, morreu. Márcio Izaías de Almeida cumpria pena na penitenciária P1 de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, e enfrentava problemas de saúde.
Recebi um email frio. Ninguém veio me avisar, ninguém ligou.
Maria Cristina de Almeida
Preso por tráfico de drogas, ele estava debilitado por um AVC (acidente vascular cerebral) e complicações do diabetes, diagnosticado quando tinha 5 anos de idade.
"Eu o visitava e via o sofrimento nos olhos dele. Ele me dizia: 'Mãe, estou no inferno'. Foi devastador para mim", conta Maria Cristina.
AVC e fratura
Márcio havia sido preso pela primeira vez aos 18 anos, após envolvimento com drogas. Segundo Maria Cristina, sua vida mudou após a morte do pai, em 2008, o que o levou às drogas e ao tráfico.
Em 2021, foi detido novamente, por tráfico. Naquele ano, teve um AVC na prisão que o deixou na cadeira de rodas e ainda mais vulnerável, segundo a mãe. Ele também havia sofrido uma fratura no joelho, durante uma operação policial, da qual nunca se recuperou.
'Perdi meu filho'
Em 2022, a Justiça negou um pedido de prisão domiciliar de Márcio, com o argumento de que ele havia cometido um crime grave e que não havia indícios de que sua saúde estivesse comprometida ou que o ambiente carcerário fosse inadequado em comparação com o ambiente externo.
O magistrado justificou que Márcio estava sendo atendido no sistema prisional. Mas, segundo a mãe, nos últimos meses, Márcio tinha episódios recorrentes de hipoglicemia e febre alta.
Pouco dias antes de morrer, segundo Maria Cristina, Márcio teve dores intensas e febre. Ele foi levado ao hospital no dia 5 de agosto, mas Maria Cristina não foi informada em qual unidade ele estava e não pôde visitá-lo.
"Eu implorei para que o socorressem, mas, quando o levaram, já era tarde. Perdi meu filho." Márcio morreu às 21h50 do dia 13 de agosto.
Maria Cristina, no entanto, só soube da morte do filho no dia seguinte, por email. "Foi só um email. Meu filho morreu e foi assim que soube", diz a mãe.
A mensagem da Secretaria de Administração Penitenciária enviada a Maria Cristina dizia que "foi constatado o óbito do sentenciado", tendo como causa da morte "choque séptico de foco pulmonar".
Além disso, Maria Cristina conta que recebeu um e-mail anônimo com denúncias de negligência. A mensagem, compartilhada por ela com o UOL, acusava uma enfermeira da penitenciária de não prestar socorro a Márcio durante os episódios de hipoglicemia.
Alguém me mandou um e-mail dizendo que a enfermeira ignorou meu filho. Eu quero saber a verdade. Não vou descansar até que a justiça seja feita.
Maria Cristina de Almeida
Maria Cristina agora cuida das duas netas, filhas de Márcio, e planeja processar o estado por negligência. "Eu só quero justiça. Meu filho não merecia isso."
O que dizem as autoridades
Em nota, a SAP-SP (Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo) diz lamentar como foi comunicada a morte. "A servidora responsável foi advertida e já recebeu orientações sobre o protocolo correto para contato com os familiares, feito por telefone", afirma o órgão.
"O email só é usado caso o parente não atenda e com um pedido de retorno à ligação, sem nunca mencionar o motivo."
Segundo a SAP, Márcio chegou à unidade em dezembro de 2022, transferido da Penitenciária de Presidente Bernardes, para tratamento de saúde.
Durante a permanência no presídio, ele recebeu medicação e atendimento diário na enfermaria. Quando necessário, foi levado à unidade de saúde externa. O presídio citado dispõe de equipe básica de saúde, composta por médico, enfermeiro, dentista e auxiliar de enfermagem, em parceria com o município de Franco da Rocha.
SAP, em nota.
A Secretaria também comentou sobre o pedido de habeas corpus negado. "Cabe ao Poder Judiciário analisar os pedidos de habeas corpus e a SAP cumpre decisão judicial".
O Tribunal de Justiça de São Paulo explicou que não emite nota sobre questões jurisdicionais.
"Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente", afirma.