Quem é a mulher que fraudou o Exército em R$ 3 milhões por mais de 30 anos?
Ana Lucia Umbelina Galache de Souza, de 55 anos, foi condenada por fraudar o Exército Brasileiro, recebendo indevidamente mais de R$ 3 milhões em pensões militares ao longo de mais de três décadas.
Quem é a mulher que fraudou o Exército em R$ 3 milhões
Ana Lucia é natural de Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, e viveu grande parte da vida com os pais biológicos, Silvestre Galache e Neuza Umbelina Galache. Ela foi casada com Ronaldo Ventura de Souza, cujo sobrenome foi incorporado ao seu nome. Nas redes sociais, Ana utiliza o nome "Ana Lucia Galache", dispensando o sobrenome "Zarate", que usou apenas para a fraude. Seu perfil no Instagram é fechado.
Embora tenha se passado por filha de Vicente Zarate, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, Ana Lucia nunca conviveu diretamente com ele. Vicente era seu tio-avô, e a relação entre eles não era próxima. A fraude foi iniciada quando ela ainda era adolescente, e foi com a ajuda de sua avó, Conceição, que Ana Lucia começou a receber a pensão militar.
Em 1986, aos 15 anos, Ana Lucia foi registrada falsamente como filha de Vicente Zarate. Ela foi registrada no Cartório Santos Pereira, em Campo Grande, como filha do ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB), segundo o processo que corre no STM (Superior Tribunal Militar). Com a morte de Vicente em 1988, Ana Lucia passou a receber uma pensão militar, benefício que deveria ser destinado a filhos legítimos de militares falecidos.
A ideia da fraude partiu de Conceição Galache, avó de Ana Lucia e irmã de Vicente Zarate. Conceição percebeu que, com a morte do irmão, o benefício cessaria. Para manter a pensão na família, Conceição registrou Ana Lucia como filha de Vicente, mesmo sabendo que isso era ilegal.
A fraude só foi descoberta em 2021, quando a avó denunciou a neta. Após mais de 30 anos de repasse irregular, Conceição ficou insatisfeita com a parte financeira que Ana Lucia lhe dava e exigiu uma quantia de R$ 8 mil. Quando Ana não pagou, Conceição decidiu denunciá-la à Polícia Civil. Com a denúncia, o Exército suspendeu imediatamente o pagamento da pensão, e ela foi chamada a depor.
Em seu interrogatório, Ana Lucia confessou a fraude. Ela admitiu saber que Vicente Zarate era seu tio-avô, e não seu pai, e que utilizava o nome "Ana Lucia Zarate" apenas para obter a pensão militar. A fraude foi confirmada pela Administração Militar, que deu início aos processos judiciais contra ela.
A condenação
Ana Lucia foi condenada a devolver mais de R$ 3 milhões ao erário. Em 2023, o TCU (Tribunal de Contas da União) determinou a devolução de R$ 3.194.516,77, corrigidos, e aplicou uma multa de R$ 1 milhão. Além disso, Ana Lucia foi proibida de ocupar cargos públicos até 2032. A Justiça Militar também a condenou a três anos e três meses de reclusão por estelionato.
A DPU (Defensoria Pública da União) defende Ana Lucia desde setembro de 2022 e apresentou recurso. Segundo a Defensoria, Ana Lucia não teve dolo na fraude, pois à época do registro como filha de Vicente Zarate, ela era menor de idade e foi manipulada por sua avó, Conceição Galache, que arquitetou o golpe. A DPU alega que Ana Lucia foi um "instrumento inconsciente" da fraude, não tendo plena consciência dos efeitos do crime. Atualmente, o caso aguarda julgamento pelo Superior Tribunal Militar (STM).
A DPU também afirma que Conceição, que faleceu em 2022, foi a principal responsável por induzir Ana Lucia a cometer a fraude, usando-a para manter o benefício na família. O ministro relator Odilson Sampaio Benzi negou provimento ao recurso da DPU, mas o caso ainda não foi finalizado.
O TCU analisou o caso de Ana Lucia em uma tomada de contas especial, instaurada pelo Comando da 9ª Região Militar. O processo foi tratado no TC 021.972/2023-0 e teve relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues. A decisão foi publicada no Acórdão 2095/2024 - Plenário, em 2 de outubro, e determina a devolução dos valores e a aplicação da multa.
Cabe recurso da decisão, informou o Tribunal em nota, tanto sobre a irregularidade das contas quanto sobre as sanções aplicadas. A cobrança do débito e da multa é de responsabilidade da Advocacia-Geral da União (AGU). O TCU destaca que não há porta-voz específico para comentar o caso.
Sobre a tomada de contas especial, o TCU explica que ela é instaurada quando há omissão no dever de prestar contas, desvio ou desfalque de recursos públicos. No caso de Ana Lucia, foi constatado o desvio da pensão militar por mais de 30 anos, e a TCE foi encaminhada ao TCU para julgamento e sanções.
O que vem a seguir?
O caso ainda aguarda desfecho final no Superior Tribunal Militar. O STM informou, em nota, que o processo está pronto para ser julgado, mas ainda não há uma data definida para a decisão. O ministro Artur Vidigal já devolveu o processo com seu voto. A DPU baseia-se na ausência de dolo como principal argumento da defesa, alegando que Ana Lucia foi manipulada pela avó quando ainda era adolescente.
Casos de fraudes no sistema de pensões militares são relativamente comuns no STM. Segundo a corte, esse tipo de crime é tratado como um crime previdenciário, envolvendo apropriação indevida de pensões militares. A condenação de Ana Lucia foi monocrática, ou seja, proferida por um único juiz da Justiça Militar em primeira instância. Agora, o processo depende apenas de entrar em pauta para uma nova decisão.
O UOL tenta contato com a defesa da acusada. Se houver resposta, o texto será atualizado
O que diz o Exército
O Centro de Comunicação Social do Exército diz que a Força Terrestre tem adotado medidas para evitar fraudes no sistema de pensões militares. "Após a apresentação da documentação com o requerimento de habilitação à pensão militar, a administração militar instaura uma sindicância, procedimento investigativo interno, medida formal destinada à apuração de fatos de interesse ou de situações que envolvam geração de direitos."
O Exército também destaca outras medidas, como a fiscalização sobre o acúmulo de benefícios, a verificação da prova de vida anualmente, e a consulta ao Sistema Nacional de Informações de Registro Civil, base de dados do governo para reunir informações sobre registros civis, "com o intuito de evitar prejuízo ao erário com o pagamento de benefícios indevidos".
O Exército disse, ainda, que as concessões de pensão respeitam a legislação e as normas em vigor. "Para o caso em questão, houve a utilização de documento emitido por órgão competente (Cartório de Registro Civil), o qual atendia a legislação em vigor para a concessão da referida pensão à época. Portanto, a fraude ocorrida foi pontual, onde os mecanismos de controle não eram informatizados. O atual sistema de pensões militares possui grande confiabilidade", explica a nota.