"Burnout" da Amazônia pode causar extinção em massa de espécies selvagens, adverte WWF
As diferentes populações de animais selvagens perderam em média 73% dos seus indivíduos em 50 anos, segundo o relatório de referência do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) divulgado nesta quinta-feira (10). O documento ressalta os riscos de desequilíbrios agudos nos ecossistemas, como o possível ponto de não retorno da Amazônia, que levaria à extinção em massa de espécies selvagens. O continente que mais registrou declínio de densidade populacional foi a América Latina.
Cerca de 5.500 vertebrados, distribuídos em 35 mil populações em todo o mundo, estão listados no "Índice Planeta Vivo", estabelecido e atualizado a cada dois anos pela Sociedade Zoológica de Londres. As conclusões do relatório não significam que mais de dois terços do número de animais selvagens do planeta tenham desaparecido, mas que o tamanho das diversas populações (grupos de animais da mesma espécie que compartilham um habitat comum) diminuiu 73% em média nos últimos 50 anos (1970-2020). Na edição anterior, de 2022, a perda de populações era 5% menor do que agora.
O relatório do WWF é publicado a 11 dias do início da COP16 da Biodiversidade, na Colômbia. Os países vão discutir a implementação do acordo internacional de conservação da natureza, com 20 metas a serem atingidas até 2030.
O índice do Fundo Mundial para a Natureza tornou-se uma referência internacional para avaliar o estado dos ecossistemas naturais e analisar o impacto das alterações na saúde humana, alimentação e mudança climática, apesar de críticas dos cientistas contra o método de cálculo, acusado de exagerar a extensão do declínio da biodiversidade.
Na coletiva de imprensa de divulgação do relatório, o cientista britânico Andrew Terry, da Sociedade Zoológica de Londres, destacou que a entidade acrescentou uma "série de indicadores sobre os riscos de extinção, dados de biodiversidade e saúde dos ecossistemas para ampliar a avaliação global".
Pontos de inflexão
O diretor da unidade de conservação do WWF, Daudi Sumba, destacou que "a redução das populações de animais não se restringe à vida selvagem, mas impacta os ecossistemas essenciais que sustentam a vida humana".
A nova edição do relatório reafirma a necessidade de enfrentar conjuntamente as crises "interligadas" de destruição climática e da natureza. E enfatiza a crescente ameaça de "pontos de não retorno" em determinados ecossistemas.
"As mudanças podem ser irreversíveis, com consequências devastadoras para a humanidade", alertou Sumba, citando o exemplo da Amazônia.
Amazônia próxima de um 'burnout'
Em Paris, Yann Laurans, diretor de conservação do WWF França, disse ao portal de notícias France Info que a floresta tropical brasileira está à beira de um "burnout". "Se o desmatamento atual da Amazônia, estimado em 17% de sua superfície, chegar a 25% nos próximos anos, a floresta se transformaria em um ecossistema como o do Cerrado e perderia o seu papel de absorver gás carbônico da atmosfera, para se transformar em um polo emissor de carbono, acelerando o aquecimento global e o impacto da mudança climática em todo o planeta", alertou.
"A floresta amazônica abriga mais de 10% da biodiversidade terrestre e 10% de todas as espécies de peixes conhecidos, armazena de 250 a 300 bilhões de toneladas de carbono (o equivalente a 15 a 20 anos de emissões globais de gases de efeito estufa) e contribui significativamente para as precipitações no sul da Amazônia, no Pantanal e na bacia do Prata", recorda o relatório.
Outro exemplo citado na atualização do levantamento é a perda de corais, que prejudicaria a regeneração das espécies de peixes vítimas da pesca excessiva e, por sua vez, privaria a humanidade de preciosas fontes de alimentares. Em detalhe, o declínio mais forte é observado nas populações de espécies de água doce (-85%), seguidas pelos vertebrados terrestres (-69%) e marinhos (-56%). "Esvaziamos os oceanos de 40% da sua biomassa", lembrou Yann Laurans.
Continente por continente, o declínio atingiu 95% na América Latina e Caribe, seguido por África (-76%), Ásia e Pacífico (-60%). A redução é "menos espectacular na Europa e Ásia Central (-35%) e na América do Norte (-39%), mas apenas porque os impactos em grande escala na natureza já eram visíveis antes de 1970 nessas regiões. Houve estabilização de algumas populações e expansão de outras, graças aos esforços de conservação e à reintrodução de espécies", explica o relatório.
COP da Biodiversidade
"O quadro é extremamente preocupante", disse Kirsten Schuijt, diretora-executiva do WWF. "Mas a boa notícia é que ainda não chegamos a um ponto sem retorno", acrescentou ela, citando as medidas implementadas desde a assinatura do Acordo de Paris sobre o clima, em 2015, e do acordo Kunming-Montreal, concluído em 2022, para aumentar a proteção da biodiversidade até o fim desta década.
Estimular a implementação, até agora tímida, deste roteiro será o principal objetivo da 16ª Conferência da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), que se realiza de 21 de outubro a 1º de novembro em Cali, na Colômbia.
O Brasil enfrenta um momento crítico de destruição de seus biomas naturais. Um relatório publicado na quarta-feira (9) revelou que a extração ilegal de madeira na Amazônia brasileira aumentou 19% em um ano. O levantamento realizado pelo Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex) aponta que entre agosto de 2022 e julho de 2023, uma área de florestas nativas equivalente a 350 campos de futebol foi derrubada ilegalmente por dia.
A extração de madeira em terras não autorizadas aumentou de 106 mil hectares para 126 mil hectares nesse período, segundo os registros do Simex, o principal indicador no Brasil de exploração legal e ilegal de madeira na região amazônica. O desmatamento tem impacto direto sobre a redução da biodiversidade.
RFI e AFP