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Esta cidade no Brasil reconheceu suas ondas como seres vivos

A foz do Rio Doce abriga uma das formações de recifes mais importantes do Atlântico - Reprodução/Instituto Chico Mendes
A foz do Rio Doce abriga uma das formações de recifes mais importantes do Atlântico Imagem: Reprodução/Instituto Chico Mendes
do UOL

Colaboração para o UOL

09/10/2024 05h30

A Câmara Municipal de Linhares, no Espírito Santo, aprovou uma lei que reconhece as ondas da foz do Rio Doce, que abarca as comunidades de Regência e Povoação, como seres vivos. O projeto foi aprovado em junho deste ano para garantir que o ecossistema da região seja preservado, principalmente após o desastre de Mariana, em 2015.

O que aconteceu

Lei confere personalidade jurídica às ondas da foz do rio Doce. A lei aprovada em junho de 2024 classifica as ondas como seres vivos com direitos, protegendo o ecossistema local que foi gravemente afetado pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015. As ondas, antes famosas por atrair surfistas e turistas, foram alteradas em sua forma e intensidade devido à poluição e ao depósito de lama tóxica.

Guardiões representarão os interesses das ondas. Esses guardiões serão responsáveis por monitorar o ecossistema e propor ações de preservação. O comitê, composto por membros da comunidade, como surfistas e moradores locais, garantirá a aplicação das medidas previstas na lei.

Reconhecimento jurídico das ondas é uma resposta ao desastre ambiental de 2015. O rompimento da barragem de Fundão liberou milhões de metros cúbicos de rejeitos no Rio Doce, afetando a dinâmica natural das ondas. A lei visa restaurar a qualidade das ondas e revitalizar a economia e a cultura locais, especialmente o turismo e o surfe.

Lei faz parte de uma tendência global de reconhecimento dos direitos da natureza. Inspirada por exemplos como o Mar Menor, na Espanha, e o Rio Whanganui, na Nova Zelândia, a legislação reflete um movimento crescente de atribuir direitos jurídicos a elementos naturais. Vanessa Hasson, advogada ambiental e articuladora do projeto, disse em entrevista ao Jornal da USP que o reconhecimento das ondas tem um papel pedagógico, promovendo uma nova forma de interação entre a sociedade e o meio ambiente.

Criação do Comitê de Direitos das Ondas assegura a aplicação da lei. O comitê elaborará relatórios anuais sobre a saúde das ondas e implementará ações para preservar sua composição física e equilíbrio ambiental. Segundo o vereador Messias Caliman, residente na comunidade e praticante do surfe, a proteção das ondas é vital para restaurar o turismo e o surfe na região.

Tragédia de Mariana ainda afeta o ecossistema e a sociedade de Linhares. As praias de Regência, antes conhecidas pelo surfe, perderam sua atração após a chegada dos rejeitos de mineração. A nova legislação visa não apenas proteger o meio ambiente, mas também revitalizar a economia local, que depende fortemente do turismo.

Lei seria avanço para conservação costeira, diz professor. Segundo o professor Alexander Turra do Instituto Oceanográfico da USP, a lei é um avanço para a conservação costeira. Ele explicou ao Jornal da USP que o reconhecimento jurídico das ondas demonstra a interconexão entre o oceano e a terra. Turra ressaltou que, sem proteção, tragédias como a de Mariana podem alterar irreversivelmente a morfologia das ondas e sua interação com a costa.

Foz abriga início do Banco dos Abrolhos

Foz do Rio Doce abriga o início do Banco dos Abrolhos, uma das formações de recifes mais importantes do Atlântico. Essa área contém os maiores bancos de rodolitos do mundo, com 20.900 km² de extensão, sendo crucial para a regulação climática global, segundo informações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. A formação de rodolitos estende-se do sul da Bahia até o norte do Espírito Santo, influenciando diretamente a região.

O Rio Doce é fundamental para o transporte de nutrientes e sedimentos que sustentam a vida marinha. Esses materiais afetam a sedimentação costeira e a distribuição de organismos marinhos, contribuindo para a diversidade ecológica. A pluma de sedimentos do Rio Doce também influencia a pesca e a reprodução de várias espécies.

Região é uma das mais prioritárias para a conservação da biodiversidade no Brasil. Abriga áreas de desova de tartarugas-de-couro e cabeçudas, além de ser habitat da toninha, o mamífero marinho mais ameaçado do país. A área também é ponto de concentração de baleias-jubarte.

Foz do Rio Doce é um dos maiores bancos camaroeiros do Brasil, essencial para a economia local. A pesca de camarões está associada aos sedimentos depositados na região durante o período chuvoso. Essa diversidade de ambientes marinhos e terrestres torna a área socioambientalmente inestimável.

A Planície Costeira do Rio Doce abrange uma área de 300 mil hectares com ecossistemas interdependentes. Entre eles estão a mata de aluvião, restingas, brejos e áreas pantanosas, com uma rica fauna associada. Essa área de transição entre terra e mar abriga espécies de alta importância para a biodiversidade brasileira, informa o Instituto.

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