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Moody's acertou ao elevar a nota do Brasil; recomendação é cortar gastos

Logo da Moody"s nos escritórios da empresa em Nova York, EUA - Mike Segar
Logo da Moody's nos escritórios da empresa em Nova York, EUA Imagem: Mike Segar
e Com Gabriel Garrote*
do UOL

Colaboração para o UOL

07/10/2024 09h12

A dívida pública é um importante mecanismo de financiamento do Estado. Despesas não cobertas por impostos precisam ser financiadas, daí a importância de se conseguir captar recursos emitindo títulos públicos, isto é, dívida. A sustentabilidade do endividamento é a capacidade do país de garantir para si recursos suficientes sem incorrer em métodos socialmente indesejados de financiamento, como a inflação.

O Estado precisa angariar a confiança de seus credores. Não pode haver dúvida de que sempre quitará seus débitos. O risco embutido em uma trajetória percebida como explosiva da dívida é precificado nos juros dos títulos públicos, podendo ser internalizado pelos agentes econômicos na formação de suas expectativas de inflação.

No dia primeiro de outubro, a agência de avaliação de risco Moody's elevou a nota atribuída aos títulos da dívida governamental brasileira. Com isso, o país está apenas a um nível do chamado "grau de investimento", espécie de selo de bom pagador, fundamental para atrair investimentos. A saber, muitas instituições apenas destinam recursos a países que possuem essa certificação das agências classificadoras, por isso essa questão é central.

Intensa controvérsia passou a reinar entre os economistas com a melhora da nota. Afinal de contas, se a situação fiscal é delicada, como temos afirmado quase diariamente, nos nossos relatórios e artigos à imprensa e para os clientes da Warren Investimentos, faz sentido elevar a avaliação de crédito do Brasil? Para responder a essa questão, precisamos isolar os parâmetros fundamentais que regem a trajetória do endividamento em prazos mais dilatados.

São três os elementos essenciais para avaliar a dinâmica da dívida de um país como o Brasil, que se financia liquidamente em moeda nacional: a taxa de juros, o crescimento econômico e o resultado primário (diferença entre receitas e despesas excetuados os juros).

Os juros refletem o custo do estoque da dívida no tempo, enquanto a variação no produto nacional determina a capacidade do Estado de honrar seus pagamentos. Quando a geração de receitas via crescimento é insuficiente para quitar a dívida, caso brasileiro, sobra a obtenção de superávits primários (saldo positivo) como alternativa a estabilizar o endividamento como proporção do PIB.

Dentre esses elementos, a Moody's enfatizou que o parâmetro revisado em sua última análise foi, essencialmente, o do crescimento econômico. O custo de financiamento da dívida ainda é considerado alto e, apesar de reconhecer avanços institucionais e reformas, inclusive nas contas públicas, a credibilidade do Novo Arcabouço Fiscal é moderada, segundo a agência.

Quanto ao crescimento, o Brasil, nos últimos quatro anos, vem surpreendendo positivamente os analistas com avanço estimado em 3% ao ano acima da inflação em 2024. Não se ignora que para esse resultado foi necessário significativo impulso da política fiscal, porém quando o PIB realizado se expande acima do esperado sequencialmente, sem descontrole inflacionário, sobram duas explicações possíveis: ou o potencial de crescimento aumentou ou já era maior do que o previamente considerado pelos analistas.

Mais detidamente, para analisar o que foi considerado na avaliação em questão, é necessário distinguir o PIB realizado do PIB potencial. Enquanto o primeiro mensura tudo aquilo que foi efetivamente produzido em um ano, o segundo está mais próximo da noção de capacidade produtiva, dependente do estoque de capital físico, da força de trabalho e da produtividade dos fatores. É o crescimento do PIB potencial que reflete, no longo prazo, o quanto a economia pode avançar em equilíbrio.

O hiato do produto é a diferença entre os dois conceitos acima expostos. Quando o efetivo é maior que o potencial, os gastos totais das famílias e do governo são mais altos que a capacidade de produzir, gerando inflação. No caso contrário, apesar dos preços sob controle, há perda de bem-estar com a menor geração de renda.

E, no cenário de capacidade produtiva não utilizada, gastos governamentais podem induzir o dispêndio agregado, aproximando o PIB de seu potencial, com taxas de crescimento mais elevadas do que as sustentáveis no longo prazo.

O principal problema para os analistas e as autoridades responsáveis pela política macroeconômica é que o PIB potencial não é observável, podendo apenas ser estimado a partir de outras variáveis, com uso de técnicas estatísticas e econométricas. Os resultados recentes do país têm superado continuamente as projeções privadas e governamentais. Assim, a controvérsia tem sido maior do que a usual quanto ao crescimento potencial do PIB da economia brasileira.

Apesar de não haver evidência suficiente de aumento do crescimento potencial por conta de reformas, como aventado pela Moody's, o viés constantemente positivo da produção, com inflação controlada, indica um PIB potencial maior do que era esperado pela agência, no médio e longo prazo. Difícil refutar esse fato estilizado.

Resta, então, avaliar a capacidade do Brasil de geração de saldos primários positivos e o custo da dívida, este medido pelos juros.
Mesmo não tendo enfrentado uma das questões centrais das nossas contas públicas, a das despesas obrigatórias que crescem acima da capacidade de gerar novas receitas, a equipe econômica apresentou uma diretriz clara para a política fiscal e conseguiu aprovar medidas importantes do ponto de vista arrecadatório. Em artigos neste espaço, já mostramos como as medidas aprovadas redundaram em elevação da arrecadação, inclusive com um desempenho de quase 10% acima da inflação no acumulado no ano até agosto.

Já a taxa Selic, o terceiro pilar para se avaliar a dinâmica da dívida, apesar do elevado patamar em que se encontra quando comparado ao de outros países em mesmo estágio de desenvolvimento, não é muito alta para os padrões da história brasileira recente.

Com esses elementos, nas nossas projeções, a dívida não cresce explosivamente, mas, sim, a taxas decrescentes.

Em conclusão, mantendo constantes a capacidade de gerar superávits estruturalmente, com um ajuste fiscal de caráter gradualista, e o elevado patamar dos juros, o crescimento econômico esperado maior pela Moody's justificou o aumento da nota.

Dito isso, não há tempo para celebrar: alcançar o cobiçado grau de investimento exigirá, como citado explicitamente no documento da Moody's, contenção de gastos, conjugada com o respeito às regras do Novo Arcabouço Fiscal, permitindo assim a obtenção de superávit primário estrutural suficiente para controlar a dinâmica da dívida.

Mais do que possibilitar o avanço, em termos de avaliação pelas agências de risco, a manutenção da nota no patamar definido em primeiro de outubro também depende de mudanças estruturais no lado dos gastos. Sem o controle no ritmo de crescimento das despesas obrigatórias, torna-se difícil vislumbrar a manutenção do Novo Arcabouço Fiscal e do crescimento econômico sustentado no médio prazo.

* Gabriel Garrote é analista de Macroeconomia na Warren Investimentos. É bacharel em Economia pela FEA-USP e mestre na mesma área pela FGV-EESP.

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