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Campanha em SP tem 'saldo positivo' para todos os candidatos, menos Datena

Datena fala no diretório municipal do PSDB, em São Paulo - Laila Nery/UOL
Datena fala no diretório municipal do PSDB, em São Paulo Imagem: Laila Nery/UOL
do UOL

Matheus Pichonelli

Colunista convidado

06/10/2024 21h05

A eleição em São Paulo larga com dois vitoriosos claros. Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), os dois finalistas que passaram para o segundo turno.

Mas não só.

Com quase 10% dos votos, Tabata Amaral (PSB) se destacou em debates, pautou a campanha diversas vezes, protagonizou embates duros com Pablo Marçal (PRTB), conseguiu na Justiça derrubar as páginas do ex-coach e publicou alguns dos vídeos mais incisivos contra o rival.

Ganhou casca e visibilidade para disputar as próximas eleições.

Marçal saiu derrotado das urnas e com uma fila de desafetos. Pode ainda ser cassado depois da patacoada do laudo falso contra Guilherme Boulos. Para ele tanto faz: mais conhecido do grande público, vai fazer muito dinheiro vendendo cursos de todo tipo. Era o que ele queria, segundo quem acompanha a trajetória do (agora) ex-candidato desde Goiás.

Derrota mesmo quem sofreu foi José Luiz Datena, que não obteve sequer 2% dos votos. Só não sai mais chamuscado do que seu partido, o PSDB — a 11º sigla da sua carreira política cheia até então de ensaios e hesitações.

Da largada até o fim da campanha, Datena deu uma aula do que não fazer.

A começar pela indefinição, quase até a data limite, sobre o lançamento da candidatura, após deixar o PSB e os planos de ser vice na chapa de Tabata.

Sim: Datena levou a campanha até o fim, mas a sombra da desistência nunca o abandonou.

Depois da cadeirada em Pablo Marçal, não teve quem não foi dormir com a certeza de que no dia seguinte ele abandonaria a campanha. Mas ele seguiu.

Não só seguiu como ressurgiu mais assertivo, disposto a transformar a campanha em uma plataforma de defesa da própria honra, atacada com a citação, feita por Marçal, do episódio em que ele foi acusado de assediar uma repórter da TV Bandeirantes. Foi o estopim para a cadeirada que marcou para sempre a estreia dele como candidato.

Tábua de salvação de um barco furado

Não era isso o que esperava a cúpula do tucanato quando convocou o veterano apresentador para liderar a reconstrução do partido na capital paulista, onde o PSDB elegeu três dos últimos cinco prefeitos. O último deles, Bruno Covas, em 2020.

Datena tinha o apoio dos caciques do partido, Aécio Neves à frente. No jantar, em São Paulo, no qual ele foi convencido a disputar a prefeitura, o deputado mineiro era o mais empolgado com a candidatura, segundo o próprio Datena.

À mesa estavam também o governador gaúcho Eduardo Leite, o presidente da legenda, Marconi Perillo (GO), e o ex-senador José Aníbal, escolhido como vice na chapa.

Faltou combinar com a base do partido em São Paulo, que já tinha debandado para o barco de Ricardo Nunes com uma bancada inteira de ex-vereadores tucanos.

Datena concorreu com um partido rachado, sem apoio da base (ou o que sobrou da base), sem grandes alianças, um plano de governo feito às pressas e um parco tempo de TV, a sua seara.

Tanto ele quanto o PSDB demoraram para perceber que o traquejo em frente a uma câmera com teleprompter não seria capaz de fazer frente à velocidade da comunicação em rede representada, principalmente, por Marçal, de 37 anos, mas também por Tabata, 30, e Boulos, 42.

Datena, aos 67, já avisava desde o começo que o histórico de problemas de saúde o impediria de compensar com uma campanha de rua mais intensa a escassez de tempo na TV.

Ele priorizou visitas curtas a locais como mercados municipais (foram quatro nos primeiros 20 dias de campanha) e uma estética na propaganda eleitoral que lembrava seu programa policial, com forte discurso contra a "bandidagem".

Não empolgava ninguém a não ser os espectadores que nas ruas tinham a chance de conhecer o apresentador de perto.

Corinthians e arrependimento

Em abril, antes da campanha oficial, pesquisas internas do PSDB apontavam que Datena poderia disputar as cabeças da corrida na metrópole onde, por anos, atuou como uma espécie de narrador de todo tipo de desgraça. Ele chegou a aparecer com 19% das intenções de voto no Datafolha, no fim de julho.

Mas ao longo da campanha ele se mostrou um candidato vacilante que dava sinais de irritabilidade e impaciência em entrevistas. Em várias delas ele deixava claro o desejo de se eleger senador e seguir o caminho do melhor amigo, Jorge Kajuru (PSB-GO).

A prefeitura de São Paulo seria, assim, um intensivão para o sonho maior. Deu no que deu.

Datena entrou na campanha tendo Ricardo Nunes como alvo preferencial. Nisso ele e o comando tucano estavam alinhados — já que o prefeito priorizou o PL de Jair Bolsonaro e legou o PSDB a segundo plano em uma possível aliança.

A solução Datena tinha muito de esperança de reconstrução. Mas muito também de desejo de vingança. A aposta no PSDB era que ele drenaria os votos do prefeito. Isso nunca aconteceu.

Datena adotou um discurso anti-Lula e anti-Bolsonaro em um momento de alta polarização no país. Não deu certo.

O próprio Datena chegou a comparar o PSDB ao Corinthians, equipe que hoje luta contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro.

A verdade é que Datena largou a campanha sem jamais anunciar a decisão. Prova disso foi o tom de "dane-se" ao votar neste domingo (6) no Colégio Santo Américo, no Jardim Colombo.

Ele disse que se arrependeu de levar a campanha até o fim, deixou o futuro no PSDB em aberto, brincou que errou o número da legenda e votou em Tabata. Foi praticamente um convite para os que ainda pretendiam votar nele migrar o apoio para a sua ex-futura parceira de chapa.

Nada estranho para quem deixou uma cadeira como a maior marca da campanha. E uma rejeição de 39% dos eleitores, uma surpresa desagradável para quem colhia os louros da fama em um estúdio de TV por tanto tempo.

As lágrimas, em sabatina do UOL, ao falar da dificuldade de conquistar um público que parecia cativo mostram que o tiro passou longe do alvo vislumbrado naquele jantar, em abril, com a cúpula tucana.

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