Mulheres indecisas contam por que têm certeza de que não votam em Marçal
A estratégia agressiva escolhida por Pablo Marçal (PRTB) para disputar a Prefeitura de São Paulo tem afastado o voto feminino. Maioria do eleitorado da cidade, mulheres rejeitam a violência incitada pelo candidato e muitas têm deixado de lado o nome do empresário na hora de escolher o voto.
O que aconteceu
Às vésperas da eleição, Marina Gialluca, 31 anos, ainda está indecisa, mas tem uma certeza: sabe em quem não vai votar. Cristã, ela vê o candidato do PRTB, Pablo Marçal, como uma espécie de "anticristo" e tem calculado sua decisão para tentar evitar uma possível ida do empresário ao segundo turno da eleição.
A mesma ideia é seguida por Christina Gialucca, 51 anos, que assim como a filha se recusa a votar em Marçal. A rejeição ao candidato é um ponto em comum entre as duas, apesar dos posicionamentos políticos diferentes. "Marina tende mais à esquerda", explica a mãe que não se identifica com seus representantes. "Eu sou de centro e quem é de centro apanha dos dois lados. Tenho uma visão muito desgostosa da classe política", conta.
Assim como elas, a maioria das mulheres ouvidas pelas pesquisas tem deixado de lado o nome de Marçal na hora de escolher o voto. A pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira (3) mostrou que ele é rejeitado por 59% das mulheres. Número quase dobrou desde o levantamento feito no dia 8 de agosto, quando 32% das mulheres disseram que não votariam no ex-coach de jeito nenhum.
Outras pesquisas também mostram disparidade de gênero nos votos de Marçal. Rejeição dele entre mulheres Levantamento da Real Time Big Data, divulgado em 3 de setembro, mostrou Pablo Marçal com 28% das intenções de voto entre os homens e com apenas 15% entre o eleitorado feminino. Na semana da pesquisa, ele estava empatado tecnicamente com Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB), com 21%.
O levantamento feito pela Real Time Big data às vésperas do episódio da cadeirada —durante debate promovido pela TV Cultura— entre os dias 13 e 14 de setembro apontou apenas 17% de mulheres entre os eleitores de Marçal. 28% dos homens votariam no empresário. Entre os participantes da pesquisa, 46% eram do sexo masculino e 54% do feminino.
Tanto Marçal quanto seu adversário José Luiz Datena (PSDB) cresceram em rejeição após a cadeirada. Pesquisa Datafolha, divulgada em 19 de setembro —três dias depois da agressão— mostrou que a rejeição ao candidato do PRTB passou de 44% para 47%. O índice de Datena também cresceu três pontos percentuais, chegando a 35% de rejeição. O mesmo levantamento apontou apenas 12% de mulheres entre os eleitores de Marçal —contra 28% de homens.
Ciente da rejeição entre as mulheres, o empresário já chegou a pedir dicas em suas redes sociais sobre como conquistar o eleitorado feminino. Marçal gravou um vídeo pedindo ajuda e prometeu escolher os melhores conselhos. Seguidores recomendaram que ele usasse mais a imagem da vice, Antônia de Jesus (PRTB) e da esposa dele, Carol Marçal. O candidato também passou a gravar vídeos com mulheres que apoiam sua candidatura.
Eu tenho mais um desafio pra você: dizem nas pesquisas que as mulheres votam no Boulos, os homens votam no Pablo Marçal e as bananas votam no Nunes. Eu quero saber de você: o que você me aconselha para que as mulheres com a sensibilidade delas consigam enxergar o meu coração, enxergar a minha alma para falar 'ele é o nosso prefeito!'? pode deixar aqui nos comentários.
Pablo Marçal (PRTB), em vídeo publicado no Instagram
Elas continuam indecisas
A indecisão do eleitorado feminino também marca a escolha de nomes para a Câmara Municipal. Embora já tenha definido que vai votar em um partido de esquerda para vereador, Marina Gialluca ainda não tem certeza sobre o candidato. "Os 'políticos' que mais admiro hoje são religiosos: Henrique Vieira, Padre Júlio Lancelotti, alguém que discuta pautas ambientais e educação", diz ela. "Eu estaria disposta a votar em um homem branco, cis e hétero se eu conseguisse confiar nele, mas não é o caso de Marçal.", diz.
Já a mãe se nega a votar em qualquer vereador que misture política e religião, mesmo também sendo cristã. "Se coloca deus no meio eu já não voto", explica Christina Gialucca. "Eu comparo a política com um piloto de avião, não vou colocar um pastor pra pilotar avião só porque me identifico com a moral dele. Quero votar em uma pessoa que seja mais ligada ao meio ambiente. Uma preocupação realista com a preservação do patrimônio natural que temos na cidade.", conta ela.
Não tem ninguém que eu realmente acredite que será um bom líder para a nossa cidade. A falta de caráter e honestidade para encarar problemas que são super sérios me incomoda muito. O cara brincou com o suicídio do pai da outra [a candidata Tabata Amaral (PSB)].
Christina Gialucca, educadora física
Em debate UOL/Folha, promovido na segunda-feira (30), Marçal afirmou que "mulher não vai votar em mulher, porque mulher é inteligente". A declaração aumentou a preocupação da doutoranda em Relações Públicas, Lívia Brito, que teme uma vitória do candidato. Ela defende maior representatividade de gênero em todas as esferas de governo —assim como oito em cada dez mulheres, de acordo com dados da pesquisa "Mulheres na cidade", do W.LAB.
Mulher não vai votar em mulher, mulher é inteligente. Ela [a mulher] tem sabedoria. Se fosse isso, pobre ia votar em pobre, negro ia votar em negro.
Pablo Marçal (PRTB)
Dados da pesquisa "As Mulheres e a Cidade" mostram que um maior número de mulheres poderia ajudar na melhoria das políticas públicas. E é pensando assim que Lívia Brito vota. Para representá-la, o candidato precisa assumir pautas antirracistas, mas morando em São Paulo há quatro anos, a baiana não se sente bem representada. "Estamos buscando pessoas com quem nos espelhar, mas só aparecem candidatos brancos, em sua maioria homens, que não trazem propostas que nos contemplem efetivamente", conta ela.
Para a doutoranda, o candidato Pablo Marçal é moldado no machismo, inclusive na maneira de tentar conquistar o voto das mulheres. "Marçal está jogando com as palavras para engajar rivalidade feminina", acredita Lívia Brito.
Mau caráter. Ele elogia falando que é 'inteligente' [referência à fala sobre mulheres não votarem em mulheres], mas joga o veneno de que não votamos umas nas outras. Acredito que a dificuldade de escolha também perpassa o letramento, racial e intelectual. Mulheres que estão inseridas em ambientes acadêmicos e ocupam diferentes posições sociais tendem a se preocupar mais com essas escolhas. Em nosso cotidiano, acompanhamos as decisões políticas com maior frequência e somos afetadas por elas diariamente.
Lívia Brito, Relações Públicas
O poder do voto feminino
O voto feminino é maioria na capital paulista: são 5.039.063 eleitoras —54% do total. Fundadora do W.Lab, a pesquisadora Cila Schulman acompanha a decisão do voto das mulheres, desde 1988. "89% das mulheres gostariam de ver mulheres em cargos públicos", conta. "Há demanda, mas não tem o produto na prateleira. Temos candidatas mulheres, mas os partidos ainda são hierarquias masculinas e as candidatas não têm recursos, nem apoio partidário.", afirma ela.
Mulheres votam por políticas públicas e sabem separar valores individuais de valores coletivos. "O principal para a maioria das mulheres é a confiabilidade nas propostas", explica Schulman. "É preciso entender quem está propondo o que e como a vida delas e dos seus familiares será afetada."
"Diferença abissal do voto feminino vem de outras eleições". O especialista em Comunicação Política e responsável pelos levantamentos da Real Time Big Data, Bruno Soller, explica que em eleições anteriores os investimentos na saúde eram priorizados pela maioria das mulheres; agora é a Segurança Pública. "Mães enxergam a segurança pública como um serviço e não como um posicionamento [como é o caso dos homens]", explica Soller.
O Bolsonaro também tinha essa dificuldade com o público feminino. Mulheres atuam mais no dia-a-dia, levam filho na escola, vão no posto de saúde, usam mais o transporte público. Quem não fala em propostas práticas e efetivas não consegue esse voto. Marçal está tentando quebrar essa herança do bolsonarismo, com uma vice mulher.
Bruno Soller, da Real Time Big Data