Em meio a Natal antecipado, Venezuela promove reforma de partidos que amplia repressão política
O Natal na Venezuela começou nesta terça-feira (1°) por decreto assinado por Nicolás Maduro. O presidente afirma que "já cheira a Natal", apesar da tensão política ainda vigentes no país, desde a eleição presidencial de 28 de julho. Enquanto isso, a Assembleia Nacional avalia uma lei para reforma dos partidos para afastar da política os opositores ao regime de Maduro.
Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela
Nesta quinta-feira (3), a Assembleia Nacional, de maioria chavista, deve iniciar uma revisão das leis eleitorais para evitar que algum "fascista volte a ser candidato a absolutamente nenhum cargo de eleição popular na Venezuela". Desta forma o poder Legislativo prepara terreno para as eleições regionais, que devem ser realizadas em 2025.
O presidente do Parlamento, Jorge Rodríguez, ressaltou que não deveriam participar de futuras eleições aqueles que não tiverem reconhecido os resultados divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), de linha governista. O líder parlamentar também nomeou "uma comissão especial", que ele mesmo vai presidir, para convocar "todos os partidos políticos que participaram da eleição de 28 de julho" a comparecer nesta quinta-feira na Assembleia Nacional a fim de "iniciar um diálogo político", que leve a uma reforma da legislação eleitoral.
O convite se estende à coalizão Plataforma Unitária, que representou o candidato à presidência Edmundo González Urrutia, exilado na Espanha desde 8 de setembro. "O diálogo proposto por Jorge Rodríguez é apenas um exercício de propaganda, sem que exista uma participação previamente acordada conosco", criticou a oposição.
A oposição venezuelana, que reivindica a vitória nas eleições presidenciais de julho, insistiu nesta quarta-feira na necessidade de uma "transição democrática" de poder e rejeitou o chamado feito pelo chefe do Parlamento aos partidos políticos para a reforma das leis eleitorais. "Fizemos repetidos convites para uma negociação séria sobre a transição democrática", ressaltaram os opositores, por meio de um comunicado divulgado nas redes sociais.
Mais uma vez, Maduro decreta Natal antecipado
O anúncio dos planos de reforma política ocorre em meio ao início antecipado das celebrações de Natal na Venezuela - no que foi visto como mais uma tentativa do regime de dispersar as atenções da crise política e econômica no país. Esta não é a primeira vez que o Natal chega fora de época: desde 2013, ano em que Maduro assumiu a presidência, o líder antecipa a data.
A primeira vez foi para dissuadir o que o governo chamava de "guerra econômica", época que a Venezuela iniciava seu processo de empobrecimento, acompanhado de uma forte escassez de produtos e alimentos industrializados.
Neste ano, a festa de abertura do Natal foi exibida pelos canais estatais e também pelas redes sociais. Nas imagens, aparecem figurões do chavismo e crianças vestidas com as cores natalinas e embaladas pelas tradicionais canções alusivas à data.
Em Caracas, foi acessa a Cruz do Ávila, tradicional monumento instalado na montanha que separa a capital do do mar do Caribe. Foram inauguradas as luzes decorativas na Praça Bolívar, localizada nas imediações da Assembleia Nacional, e até mesmo na sede do Corpo de Investigações Científicas Penais e Criminais (CICPC) - um dos responsáveis pelas prisões arbitrárias cometidas no país, sobretudo após as eleições.
Sem voos e sem documentos
Os venezuelanos adoram o Natal, período em que as famílias se reúnem para preparar as saborosas hallacas e cantar "villancicos", as músicas natalinas. Mas desta vez há outro agravante além da inflação. Após a gestão de Maduro cortar laços com países que não reconheceram o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral, foi reduzida a oferta de voos que chegam a saem da Venezuela.
Nesta terça-feira foi anunciada a prorrogação, pelo menos até 30 de outubro, de voos diretos para República Dominicana, Panamá e Peru. Além disso, no último fim de semana, foi anunciado que venezuelanos com passaportes vencidos não poderão entrar em seu país natal.
A proibição foi criticada pelos mais de 7 milhões de venezuelanos que vivem no exterior. Em muitos países, não há representação diplomática venezuelana para poder renovar o documento e, sem o passaporte atualizado, eles não podem entrar em seu próprio país.
A determinação estragou os planos de milhares de venezuelanos e os colocou em uma espécie de limbo, afinal muitos pretendiam voltar à Venezuela no final do ano para passar o Natal com seus familiares e atualizar os documentos.
Multa para quem não participar
Nas ruas de Caracas, o povo não parece ter se conectado com a popular festa. Até o momento, a decoração natalina está limitada a determinadas áreas pró-governo, entre elas organismos estatais. Mas já nesta quarta-feira (2), pelas redes sociais, havia denúncias de que o Seniat, o Serviço Integrado de Administração Tributária, estava multando estabelecimentos comerciais que não estavam decorados com temas natalinos.
Poucos comércios estão decorados ou anunciam produtos natalinos, num momento em que a população mais está dedicada a resolver os problemas urgentes do cotidiano. Apesar das luzes natalinas exibidas em determinados edifícios estatais, as oscilações no fornecimento de luz e cortes elétricos continuam - o que afeta a rotina da população, ao atingir o funcionamento de eletrodomésticos e artigos eletrônicos, por exemplo.
Os preços altos também derrubam o poder de compra da população. De acordo com o Observatório Venezuelano de Finanças, a inflação interanual chegou a 49%. Há mais de dois anos, o salário mínimo está congelado e seu valor é equivalente a U$ 3,50 (R$ 19).
Esta semana foi de volta às aulas para os ensinos fundamental e médio no país, um momento de angústia para muitos pais, preocupados com os preços dos uniformes e dos materiais escolares. Um investimento de em média U$ 400 (cerca de R$ 2.171) é necessário por aluno, valor equivalente a mais 114 salários mínimos, podendo variar para mais ou menos conforme o material solicitado pela instituição de ensino e com a renda de cada família.
Outro problema, que até o presidente reconheceu durante transmissão nacional de rádio e TV, é a evasão de docentes. Na última segunda-feira, Maduro, em mensagem a cerca de 200 mil professores, fez "um chamado por amor à vocação, pelo amor que têm a este país, que se reincorporem às salas de aula".
Prisões de opositores continua
A tensão política ainda é latente no país, mas em menor proporção que nos dias posteriores ao pleito presidencial e à saída de Edmundo González para o exílio na Espanha. Na noite desta quarta-feira, no entanto, em seu programa semanal de TV, o deputado e ministro do Interior e Justiça Diosdado Cabello afirmou - sem dar maiores detalhes - que o plano da opositora Maria Corina Machado "é deixar os venezuelanos sem Natal".
Os festejos natalinos também não representam uma trégua nas prisões arbitrárias de opositores. O caso mais recente foi o do prefeito de Maracaibo (no estado Zulia, localizado no oeste venezuelano) e coordenador do partido Vente Venezuela no estado Anzoátegui, Julio Itriago.
De acordo com a ONG Fórum Penal, até 30 de setembro, 1.905 pessoas estavam presas por motivos políticos. Entre elas 236 são mulheres e 67 são adolescentes.