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A Moody's está certa: o país não vai quebrar

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o presidente Lula e a ministra do Planejamento, Simone Tebet - Pedro Ladeira/Folhapress
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o presidente Lula e a ministra do Planejamento, Simone Tebet Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress
do UOL

Colunista do UOL

02/10/2024 05h30

É bastante óbvio o que está escrito no título deste artigo, mas cabe repetir. Não deveria haver surpresa em uma agência de classificação de risco aumentar a nota concedida a uma economia, ainda sem conferir o selo do chamado grau de investimento, se o país em questão tem risco de insolvência igual a zero.

As contas públicas brasileiras são frágeis e isso está bem documentado em artigo que publiquei em parceria com Josué Pellegrini na Folha de S.Paulo do último domingo, no caderno Ilustríssima. Há um longo caminho para a obtenção das condições de sustentabilidade da relação dívida/PIB, a saber, para que as receitas superem as despesas públicas a ponto de garantir saldo suficiente a equilibrar o endividamento em relação ao PIB.

Será preciso atacar o lado do gasto, sobretudo, mas também seguir com a boa agenda da reversão de regimes e desonerações tributárias iníquas. Neste último aspecto, o ministro Fernando Haddad avançou muito. Foram ao menos nove medidas tributárias aprovadas no Congresso para recompor a arrecadação, que está crescendo a quase 10% acima da inflação no acumulado do ano frente ao mesmo período de 2023.

Muitos de nós, especialistas em contas públicas, subestimamos as receitas de 2024. Erramos. O PIB também superará as projeções, o que igualmente está colaborando para a dinâmica da arrecadação. Ora, mais receitas representam maior capacidade de pagamento de dívidas.

Mesmo que se considere o efeito do gasto público sobre o PIB, a abertura dos dados do último boletim do IBGE revela que o investimento reagiu, a propósito, junto com o crescimento da indústria. O mercado de trabalho vai muito bem e a inflação está sob controle. Bons agouros. O erro do Banco Central de aumentar os juros atrapalha essa dinâmica, mas não a coloca a perder. Pode-se entender que se fez o possível, inclusive levando-se em conta as restrições políticas e a pressão de parte do mercado, digamos.

Quero ressaltar a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal (lei complementar nº 200/2023), que afastou as visões pessimistas segundo as quais o atual governo não seria fiscalmente responsável. Havia, no pós- eleições de 2022, quem vaticinasse e garantisse que o mundo ia se acabar, como naquela música de Assis Valente. E, como na mesma música, cujo título é um spoiler: "o mundo não se acabou".

A crítica que faço, e fazia também ao teto de gastos (emenda constitucional nº 95/2016), é quanto à durabilidade da regra e quanto à sua efetividade, em prazo maior, na ausência de medidas pelo lado dos gastos públicos. Deve-se, entretanto, registrar a vantagem da nova sobre a velha regra. Mais flexível.

Pellegrini e eu mostramos uma avenida de opções, no referido artigo para a Folha, a fim de se atingir um superávit de ao menos 1,5% do PIB. Politicamente difíceis? Talvez, mas isso não é obstáculo intransponível. O Novo Arcabouço Fiscal, o compromisso com as metas anuais de resultado primário e a elevação das receitas são feitos importantes e, desde logo, não anulam os desafios gigantescos pela frente.

Mostrei, em recente coluna ao Estadão, que "(uma) sinalização fidedigna de retirada das contas do vermelho anularia a turbidez causada no curto prazo pelo descontingenciamento de gastos (do último relatório bimestral do Orçamento). Cabe ao governo segurar as despesas. O grau de investimento chegaria naturalmente e coroaria esse processo".

Isto é, falta um programa mais claro para enfrentar as questões que estruturalmente afetam a dinâmica das despesas. Tal agenda passa pela revisão das indexações e vinculações, amarras do Orçamento geral.

A Moody's, a agência de classificação de riscos que aumentou a nota do Brasil, na terça-feira (1o.), mantendo-o ainda dentro do campo chamado "especulativo", não está na direção oposta à que expus acima. Reconhecer que avançamos, que o crescimento econômico superou as estimativas e que, dado o juro real esperado, as condições para a dívida pública não apontam um estouro ou uma crise de financiamento é apenas atestar o óbvio. A dívida, pelas nossas projeções na Warren Investimentos, é alta e crescente, mas não avança exponencialmente. Se um programa de ajuste de gastos for encampado, essa dinâmica prospectiva melhorará.

Nada disso anula a missão que a Fazenda e o Planejamento devem assumir como primordiais: controlar o gasto público. É assim que o grau de investimento poderá ser retomado. Até lá, não teremos provavelmente essa chancela, mas estaremos ao mesmo tempo bem distantes do inferno econômico que os plantadores do caos teimam em mirar.

A dívida pública brasileira é plenamente financiada. Dia e noite o Tesouro Nacional encontra sedentos investidores nacionais e estrangeiros para seus papéis ofertados. Possui um caixa trilionário, ademais, que serve como reserva para períodos de turbulência. Nele, há um colchão de liquidez inteiro à disposição.

O Brasil não vai quebrar. E é só isso que a decisão da Moody's revela.

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