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Erros de previsão se acumulam; bússolas de economistas pedem recalibragem

do UOL

Colunista do UOL

01/10/2024 04h00

O Banco Central aumentou a projeção para o crescimento da economia em 2024 para 3,2%. A informação, inserida no RTI (Relatório Trimestral de Inflação) de setembro, divulgado nesta quinta-feira (26), mostra uma diferença de 90 pontos percentuais, em relação à previsão do RTI de junho, quando a expansão do PIB (Produto Interno Bruto) era estimada em 2,3%.

É um salto duplo carpado de uma projeção para outra, que fica ainda mais evidente quando se lembra que no RTI de março a previsão era de alta do PIB para 2024 era de 1,9%, e de 1,7%, no RTI de dezembro — 150 pontos, quase o dobro, de distância do início do ano para cá.

Trata-se, sem exagero, de um erro de previsão de grandes proporções. Vindo do Banco Central é ainda mais incompreensível e surpreendente. Presume-se que, no BC, o acesso de informações atualizadas e sua análise por técnicos competentes não sejam barreira para projeções consistentes e confiáveis.

Desvios da realidade

Os desvios da realidade, nas previsões de economistas, se acentuaram nos últimos anos. As tentativas dos próprios analistas de conjuntura de explicar os erros de projeção se concentram nas fortes oscilações estatísticas provocadas pela pandemia e nas presumíveis contribuições positivas das reformas liberais empreendidas anos antes, no governo Temer, mas que só agora começam a se concretizar. São justificativas ainda não convincentes.

Antes da pandemia, os erros também se sucediam. No fim de 2016, a mediana das previsões do Boletim Focus, que organiza as previsões semanais de grandes indicadores econômicos por uma centena e meia de analistas, a imensa maioria vinculada ao mercado financeiro, o PIB cresceria 0,5% em 2017. O crescimento foi quase o triplo, chegando a 1,3%.

No governo Bolsonaro, dois anos depois da pandemia, em dezembro de 2021, o Focus apontava crescimento de 0,42% para o PIB de 2022, mas a expansão chegou a 2,2%. O desvio foi de mais de cinco vezes em relação ao efetivamente ocorrido.

Os erros de projeção continuaram no terceiro mandato de Lula. No fim de 2022, os analistas, segundo o Focus, previam crescimento econômico de 0,8% para 2023, mas a expansão real foi de 2,9%. Na virada de 2023, para 2024, projetava-se alta de 1,52% para o PIB, no fim deste ano. As mais recentes estimativas, incluindo as do BC, apontam evolução de 3% a 3,2%. Para 2023, a previsão se distanciou 3,5 vezes da realidade observada, enquanto para 2024, até aqui, o desvio para menos é de duas vezes.

Efeitos positivos das reformas?

Já o efeito positivo das reformas liberalizantes é motivo de debates ainda inconclusivos. A justificativa encontrada, majoritariamente entre economista de viés mais ortodoxo, tenta responder ao que tem causado um aquecimento extraordinário no mercado de trabalho, que já estaria batendo nas bordas do pleno emprego, e que empurra a atividade econômico com aumentos imprevistos na massa salarial.

Argumenta-se, na defesa dos efeitos positivos das reformas, sobretudo a trabalhista, entre outros pontos, com a introdução da modalidade de trabalho intermitente e a restrição aos trabalhadores do recurso à Justiça trabalhista — suposto estímulo a contratações.

Na verdade, embora em crescimento, com impulso mais forte no período da pandemia, a parcela de trabalhadores intermitentes ainda é marginal, mal chegando a 6% dos contratos de trabalho assinados.

Quanto aos processos trabalhistas, cuja redução supostamente estimularia novas contratações, não houve, segundo informações oficiais da Justiça trabalhista, redução nas demandas judiciais por trabalhadores, apesar do risco de ter de arcar com custos da causa perdida.

O que produziu uma redução temporária foi a pandemia, e o número de novos processos está em crescimento, com tendência a superar os 4 milhões que ingressaram nas varas trabalhistas em 2017, ano de entrada em vigor da nova lei trabalhista.

Ajustes trimestrais nas projeções

Dúvidas sobre efeitos positivos das reformas liberais de anos anteriores se completam com a constatação de que a economia rodou com capacidade ociosa até pelo menos meados de 2024. Se havia capacidade ociosa, o que moveu a atividade foi a demanda — e não as reformas que, por definição, quando funcionam, abrem novos espaços em termos de capacidade produtiva.

A explicação para o avanço das projeções do BC sobre o PIB, a cada RTI, é óbvia. As altas na previsão, trimestre a trimestre, incorporam os resultados concretos do trimestre anterior. O carregamento da expansão da atividade que vaza a cada três meses para os próximos trimestre entra na conta e, quando positivo, amplia a previsão.

O crescimento de 1,4%, no segundo trimestre de 2024, em relação ao primeiro trimestre, promoveu um carregamento de 2,5% para o ano como um todo. A nova estimativa de crescimento de 3,2% apenas agrega projeções de crescimento para o terceiro e o quarto trimestres, além desses 2,5% já contratados.

Essas projeções para os dois trimestres restantes do ano estão rodando em torno de 0,5%, o que expressa a expectativa de uma desaceleração no ritmo do crescimento, no segundo semestre. No primeiro semestre, a média de expansão do PIB, em cada trimestre, chegou a 1,2%.

A projetada redução do ritmo de crescimento resultará num transbordamento do crescimento de 2024 menor para 2025, colaborando para reduzir a marcha do crescimento no ano que vem. O BC, por exemplo, segue o consenso do mercado e prevê, no momento, um PIB 2% mais alto do que o de 2024.

Falhas nas premissas

Razões dos seguidos erros de previsão para o PIB, segundo o economista Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas) e colunista da "Folha de S. Paulo", se prendem mais a falhas nas premissas adotadas pelos analistas do que dos modelos de projeção.

"Os modelos levam em conta relações entre as variáveis no passado para projetar o futuro. Mas, para isso, precisam ser abastecidos com premissas. Se a premissa está errada, o modelo pode ser o melhor, mas a projeção vai errar. É preciso distinguir entre erro de modelo e erro de premissa." Bráulio Borges, pesquisador do Ibre-FGV e colunista da "Folha"

Segundo o economista, é possível que o novo ciclo de alta de commodities exportadas pelo Brasil, nos últimos anos, depois da pandemia e da eclosão de guerras mundo afora, menor do que o ocorrido nos mandatos anteriores de Lula, mas ainda assim forte e com efeitos positivos disseminados pela economia, não tenha sido devidamente considerado pelos analistas. "Foi decisivo para movimentar a atividade, pelo impacto sobre a renda, entre 2020 e 2023, primeiro por preços, até 2022 e, depois, pela supersafra em 2023", diz Borges.

Medidas em cima da hora

Também ficou mais difícil determinar premissas corretas, principalmente no caso da política fiscal, entre outros motivos porque muito da alta forte e persistente dos gastos públicos, nos últimos anos, foi decidida, como lembra Bráulio Borges, "em cima da hora". Foi o caso, entre muitos outros, dos gastos extraordinários com a pandemia, a ampliação do Auxílio Brasil, a "despedalada" dos precatórios, a PEC da Transição e, finalmente, os gastos extraordinários com as enchentes no Rio Grande do Sul.

Seja como for, a bússola dos economistas que se arriscam a projetar o futuro da economia está visivelmente com defeito. É necessário, portanto, um esforço para recalibrar os instrumentos de medição e previsão. O risco da persistência nos erros é o de que, como ocorre de tempos em tempos, seja o caso de chamar os meteorologistas, aqueles que, segundo a velha anotada, ganharam credibilidade quando foram criados os economistas.

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