O que é o hiato do produto, palavrão que assusta o Banco Central
Ao justificar a elevação da taxa básica de juros a 10,75% ao ano na semana passada, o Copom (Comitê de Política Monetária) afirmou que a expansão do PIB (Produto Interno Bruto) e a melhora do mercado de trabalho resultaram na reavaliação do hiato do produto para o campo positivo. E, com essa preocupação, pode haver novas altas da Selic para impedir o avanço da inflação. Mas o que significa hiato do produto?
O que disse o BC
Primeira alta da Selic em dois anos tem "hiato do produto" como preocupação. A elevação de 0,25 ponto percentual dos juros básicos, de 10,5% ao ano para 10,75% ao ano, traz a definição como uma das motivações para este movimento.
Na ata divulgada nesta terça-feira (24), o Copom afirma que houve uma "reavaliação do hiato do produto para o campo positivo". O cenário é visto com "desafiador".
Economia está mais aquecida que o esperado. Para os diretores do Copom, a nova ponderação considera que a "atividade econômica e o mercado de trabalho domésticos vêm apresentando maior dinamismo do que esperado".
Esse ritmo de crescimento da atividade, em contexto de hiato agora avaliado positivo, torna mais desafiador o processo de convergência da inflação à meta.
Ata do Copom
O que é hiato de produto?
Aquecimento do PIB abre caminho para alta dos preços. "Quando o BC fala de hiato do produto positivo, ele quer dizer que o ritmo atual de expansão da economia está acima do que o país consegue crescer sem gerar inflação", explica Claudia Moreno, economista do C6 Bank.
Definição considera a atividade econômica acima de seu potencial. Leonardo Costa, economista do ASA, afirma que o BC está preocupado porque a procura por bens e serviços está perto do seu limite, o que pode causar um aumento dos preços. Flavia Moraes, professora de economia do Ibmec-RJ, acrescenta que a operação no limite da capacidade torna a situação "insustentável".
Como está a economia brasileira?
Economia vive alta do PIB e menor taxa de desemprego da história - o que leva a preocupação sobre aumento dos preços. As motivações citadas como determinantes para levar o hiato do produto para o campo positivo consideram esses dois dos principais indicadores macroeconômicos. No segundo trimestre, a economia nacional surpreendeu ao crescer 1,4%, na comparação com os três primeiros meses deste ano. O mercado de trabalho também aparece aquecido, com a taxa de desocupação no menor nível de toda série histórica no trimestre encerrado em julho.
Em alguns setores da economia, demanda pode ser maior que a oferta — aumentando os preços. Responsável por 70% do PIB, o ramo de serviços é aquele que acende o maior sinal de alerta. Moreno destaca que as atividades do segmento não podem ser exportadas e ampliam a atenção do BC. "Ao ter uma restrição no setor de bens em relação à produção, você pode ter uma demanda superior à capacidade de oferta, mas facilmente importar produtos para ter um impacto menor sobre o preço", avalia ela.
O comércio varejista também enfrenta pressões de demanda, especialmente em alimentos e vestuário, em parte devido ao aumento da renda disponível. A construção civil está aquecida, com a demanda por imóveis e infraestrutura superando a oferta em algumas regiões, o que eleva os preços.
Leonardo Costa, economista do ASA
Tragédia no Rio Grande do Sul também contribui com aumento da demanda. Flavia Moraes explica que os temporais no estado impulsionaram a busca por bens. "A tragédia no Rio Grande do Sul gerou uma necessidade de investimentos na área e, inclusive, de consumo de itens como móveis, eletrodomésticos e materiais de construção", observa.
Qual o futuro da Selic
Mercado financeiro prevê novas altas da taxa básica de juros ainda em 2024. Diante do aquecimento da atividade e o descolamento da inflação, os analistas projetam mais duas altas da Selic neste ano. Conforme a última edição do Relatório Focus, são esperadas altas dos juros básicos nas próximas três reuniões do Copom, com a taxa alcançando 11,75% ao ano em janeiro. "É difícil cravar os próximos passos. Vai depender da resposta da economia a esse último aumento dos juros", analisa Moraes.
Hiato do produto é um dos fatores determinantes para o futuro da taxa Selic. A ata do Copom coloca o aquecimento da economia como um dos indicadores analisados para as próximas definições. A evolução da dinâmica do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) e do balanço de riscos também estão no radar. "O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta", diz a ata.
Apostamos que o Banco Central deve subir a taxa básica em mais 1 ponto percentual ainda neste ano, chegando à taxa terminal de 12% ao ano no começo de 2025. Portanto, a economia aquecida certamente terá um papel central nas decisões futuras sobre a taxa Selic.
Leonardo Costa, economista do ASA