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Lula propõe convocar nova 'constituinte' para a ONU

do UOL

Colunista do UOL, em Nova York, e do UOL, em Brasília

25/09/2024 10h50Atualizada em 25/09/2024 12h21

O presidente Lula (PT) propôs a realização de uma conferência para revisar o estatuto e a composição da ONU (Organização das Nações Unidas), durante encontro do G20, em Nova York, nesta quarta-feira (25).

O que aconteceu

Na abertura do encontro, Lula propôs uma reformulação com base no artigo 109. Para aprovar a convenção, é preciso dois terços dos 193 países integrantes e nove votos do Conselho de Segurança da ONU. O poder de veto dos cinco membros permanentes não pode ser aplicado. O texto diz que, caso haja aprovação de dois terços dos países-membros e de todos os membros permanentes do Conselho de Segurança, a carta de 1945 poderá ser alterada.

Isso pode impactar, por exemplo, na quantidade de membros permanentes do Conselho de Segurança. É uma luta antiga de Lula, que voltou a pedir "uma ampla reforma" na ONU. "A organização passa por uma crise de confiança que precisa ser estabelecida. Não precisamos nos furtar de mudanças estruturais", disse.

O Brasil considera apresentar proposta de convocação de uma conferência de revisão da carta da ONU com base no seu artigo 109. Cada país pode ter sua visão quanto ao modelo de reforma da governança global ideal. Mas precisamos todos concordar quanto ao fato de que a reforma é fundamental e urgente.
Lula, em fala no G20

A convocação usando o artigo 109 nunca foi feita, apesar de estar prevista na carta das Nações Unidas desde sua fundação, em 1945. Há um receio de que, ao fazer isso, não se consiga nem chegar a um consenso parecido do que se chegou em 1945. O temor existe mesmo entre os países que defendem uma reforma da instituição.

Na história da instituição, apenas quatro emendas pontuais foram feitas à carta das Nações Unidas e apenas em temas marginais. Depois de uma "constituinte" da ONU, caso ela realmente seja instalada, para que uma nova carta seja aprovada precisa haver apoio de todos os cinco membros do Conselho de Segurança.

Não há prazo para isso acontecer. A partir de agora, o governo brasileiro vai avaliar como vão reagir os outros países e passar a construir uma proposta concreta.

Internamente na ONU, a proposta de Lula foi acolhida com uma mistura de surpresa e alívio. Guterres vem insistindo, em conversas fechadas, que a ONU jamais foi feita para ser "imutável". "Não era para ser gravada em mármore", disse, em um recente encontro. Para ele, não há opção para salvar a instituição que não seja por meio de uma reforma. "Não é reformar ou não reformar. Mas reformar ou colapso", disse, também em encontros fechados e relatado com exclusividade ao UOL.

Fora do documento final do encontro. Apesar de Lula ter de feito a proposta, a recomendação não faz parte do documento final do G20, o que reflete a ausência de um consenso entre as potências em relação à ideia, considerada como "ambiciosa e arriscada" por diversas delegações. Durante o debate que se seguiu ao discurso de Lula, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borell, repetiu o apelo por uma reforma do Conselho de Segurança da ONU. Mas não citou a proposta do brasileiro. Já o Canadá anunciou ser contra a expansão de novos membros ao Conselho.

Incerteza quanto ao sucesso da proposta. Ryad Mansour, embaixador palestino na ONU, explicou ao UOL que a proposta de Lula é uma tentativa de romper com o impasse de 30 anos na reforma do Conselho de Segurança e que vem sendo impedida pelas potências. Questionado se ela pode ter êxito, ele admitiu: "Não há como saber". A reforma vem sendo debatida desde 1990. Mas sem qualquer avanço real.

Nossa capacidade de resposta é prejudicada, em particular, pela falta de representatividade que afeta as organizações internacionais. Se os países ricos querem o apoio do mundo em desenvolvimento para o enfrentamento das múltiplas crises do nosso tempo, o Sul Global precisa estar plenamente representado nos principais foros de decisão.
Lula, ao pregar reformulação da ONU

O Itamaraty confirmou que o assunto foi alvo de intenso debate. Houve também uma discussão se isso deveria ser anunciado ontem no discurso de abertura ou hoje. A opção de hoje foi para mostrar o peso do G20. No discurso de Lula na Assembleia Geral, um dia antes, ele já havia sinalizado com alguns gestos concretos sobre como a reforma poderia ocorrer. Mas optou por não fazer o anúncio sobre a convocação da constituinte. O temor dentro do governo brasileiro é, além de precisar de dois terços de 193 países, uma paralisação da ONU porque hoje as potências estão em lados opostos.

A fala de Lula se voltou a três eixos, presentes no documento do G20. O encontro vai terminar com a aprovação de uma declaração conjunta do G20 que anuncia um apelo por uma reforma da governança global. São eles:

  1. reforma das Nações Unidas;
  2. reforma da Arquitetura Financeira Internacional; e
  3. reforma do sistema de comércio multilateral.

Lula foi a Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU. Na abertura, ele criticou o financiamento de países desenvolvidos, saudou a Palestina, alfinetou o X (antigo Twitter) e criticou a continuidade das guerras.

Criticar sem agir é um exercício estéril que termina em desalento. Mas admitir que há fissuras a serem reparadas é o primeiro passo para construir algo melhor. [...] Cada dia que passamos com uma estrutura internacional arcaica e excludente é um dia perdido para solucionar as graves crises que assolam a humanidade.
Lula

O que diz o texto do G20 sobre a reforma das Nações Unidas

O documento determina quatro compromissos. Os objetivos são:

  • enfatizar o papel da Assembleia Geral como o principal órgão deliberativo, de formulação de políticas e representativo da ONU, inclusive em questões de paz e segurança internacionais;
  • pedir uma reforma transformadora do Conselho de Segurança da ONU, com uma composição ampliada que melhore a representação de regiões e grupos sub-representados e não representados;
  • compromete-se a aumentar o engajamento entre o ECOSOC e as instituições financeiras internacionais;
  • pede um secretariado da ONU mais representativo, com transparência, distribuição geográfica equitativa, mérito e equilíbrio de gênero.

Sobre a reforma da Arquitetura Financeira Internacional, o texto convoca as instituições a:

  • fornecer mais financiamento aos países em desenvolvimento para combater a pobreza e enfrentar os desafios globais, incluindo as mudanças climáticas;
  • criar Bancos Multilaterais de Desenvolvimento melhores, maiores e mais eficazes;
  • mobilizar financiamento adicional para aumentar a capacidade do Banco Mundial de apoiar os países de baixa e média renda;
  • aumentar a representação e a voz dos países em desenvolvimento na tomada de decisões nos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento;
  • garantir um FMI forte, baseado em cotas e com recursos adequados, no centro da rede de segurança financeira global;
  • trabalhar em conjunto para um sistema tributário internacional mais justo, estável e eficiente.
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