Topo
Notícias

Cientistas franceses identificam linfócitos envolvidos no aparecimento de cânceres

24/09/2024 14h32

Um grupo de pesquisadores franceses descobriu que a presença de um subtipo do linfócito Th17, uma das células que compõem nosso sistema de defesa, pode contribuir em alguns casos ao desenvolvimento de certos tipos de tumores, como os do intestino, fígado ou pâncreas.

Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

O estudo foi realizado durante quatro anos por especialistas do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França), do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França), da universidade Claude-Bernard Lyon 1 e do Centro de Pesquisa Oncológica de Lyon.

Os cientistas franceses identificaram um dos mecanismos do processo inflamatório presente em algumas doenças crônicas que levaria ao surgimento de certos cânceres, disse à RFI Brasil o imunologista francês Julien Marie, que participou da pesquisa, publicada no final de julho na revista científica Nature Immunology.

Para entender como os pesquisadores chegaram a essa conclusão, é necessário compreender o papel dos glóbulos vermelhos ou brancos, os linfócitos, em nosso organismo. "Os glóbulos vermelhos são responsáveis pelo transporte do oxigênio no sangue e os brancos combatem os agentes infecciosos e as células defeituosas", explicou o cientista francês.

Os glóbulos brancos são divididos em dois grandes grupos, formados pelos linfócitos B, que produzem os anticorpos, e os linfócitos T. A função deles é destruir células defeituosas ou que foram contaminadas por um vírus ou uma bactéria, por exemplo. Para isso, libera moléculas como as citocinas, que vão criar a inflamação e favorecer a cicatrização e a cura.

O problema é que esse processo às vezes pode sofrer alterações e gerar doenças ou agravar infecções - um exemplo é a forma grave da Covid-19. A equipe francesa descobriu que o linfócito Th17, presente na Doença de Crohn, uma patologia crônica intestinal, poderia atuar no aparecimento de células cancerígenas.

Muitos tumores, lembra Julien Marie, surgem a partir de uma inflamação crônica. Quando ela atinge uma parte específica do intestino, como é o caso dos pacientes que têm Crohn, as células vão se modificar e se tornar cancerígenas exatamente na porção inflamada. "No nosso estudo, tentamos entender quais eram as células do sistema imunológico na origem dessa inflamação que vai gerar o câncer. São etapas extremamente precoces do desenvolvimento da doença".

Esse mecanismo localizado ajudou a equipe a "cercar" a área onde ocorre todas as modificações celulares. Os cientistas então constataram que um subtipo dos linfócitos Th17 estava na origem de alguns tumores. "Hoje temos técnicas que permitem analisar uma célula de cada vez. Percebemos que as células Th17 tinham oito subtipos, e um deles podia desencadear o câncer através da inflamação criada por ela mesma", explica.

Citocina bloqueia aparecimento do câncer

O estudo analisou os linfócitos invitro, no laboratório, as células das biópsias de pacientes que tinham a Doença de Crohn. Eles têm, em geral, quase seis vezes mais chances de desenvolver um câncer colorretal que um indivíduo normal, explicou o cientista francês, e entender o porquê era um dos objetivos da equipe.

Durante o estudo, os pesquisadores conseguiram provar que o linfócito Th17 estava presente nos pacientes que desenvolveram os tumores. "No nosso artigo científico caracterizamos os linfócitos que geram o câncer, fazemos uma descrição deles e definimos um certo número de marcadores que propomos para defini-los", explicou. "Fomos ainda mais longe, porque toda a questão por trás da nossa pesquisa era saber se podíamos bloquear o aparecimento do câncer", acrescenta.

Foi justamente essa uma das grandes descobertas da pesquisa. "O desenvolvimento das células cancerígenas pode ser bloqueado pela presença de uma citocina, TGF-? (TGFBETA)". Se o nível dessa citocina diminui no intestino, por exemplo, favorecerá o aparecimento do câncer, reitera Julien Marie.

A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de novas terapias contra o câncer e também na prevenção, através da utilização dos marcadores propostos no estudo. Eles são preditivos do risco de desenvolvimento da doença e permitirão um diagnóstico precoce ou até mesmo antecipar o risco do paciente antes de o câncer aparecer.

Para Julien Marie, o estudo também é importante porque quebra um paradigma: o nosso sistema imunológico, criado para proteger o organismo, às vezes pode ser nocivo. De cada três cânceres, lembra, um se desenvolve a partir de uma inflamação crônica - um mecanismo que ainda continua sendo, em parte, um mistério para a Ciência.

Notícias