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Associações francesas temem estigmatização de imigrantes após discurso linha dura do novo ministro

24/09/2024 16h30

Menos de um ano após os debates sobre a lei de imigração, a chegada de Bruno Retailleau ao Ministério do Interior da França está preocupando as associações de apoio a imigrantes e refugiados. Antes de entrar para o governo, ainda como líder dos senadores do partido de direita Os Republicanos, Retailleau havia endurecido um projeto de lei sobre o tema inicialmente apresentado por Gérald Darmanin, antigo ministro do Interior francês, em 2023. Na segunda-feira (23) ele falou sobre sua vontade de "fazer todo o possível" para "reduzir a imigração para a França".

Bruno Retailleau falou na segunda-feira (23) sobre a necessidade, em sua opinião, de "restaurar a ordem" no país e que quer "fazer todo o possível" para "reduzir a imigração na França", referindo-se à aplicação de uma linha dura de direita na política criminal e de imigração, mesmo que isso signifique contrariar alguns de seus novos parceiros no campo presidencial, bem como a esquerda. 

Em entrevista à RFI, nesta terça-feira (24), Hélène Soupios-David, representante da associação France terre d'asile, que defende imigrantes e refugiados, opina que a França e os franceses estão em um momento em que precisam "mais de coesão do que de divisão". Ela relembrou os recentes Jogos de Paris 2024 para defender a pluralidade no país: "Em primeiro lugar, há pouco mais de um ano foi aprovada uma lei que criou enormes divisões na sociedade. As Olimpíadas deste verão nos emocionaram com uma nação inclusiva e plural, uma nação que também foi construída com base na imigração e em valores verdadeiramente positivos. Portanto, as primeiras declarações (do novo ministro do Interior) são muito marcadas pela negatividade e pelo medo", aponta. 

Hélène Soupios-David alerta para a necessidade de olhar as questões caso a caso, pois, segundo ela, "é muito fácil generalizar" o tema da imigração. Ela dá exemplos corriqueiros para que a população possa refletir sobre o assunto mais perto de suas realidades e repudiarem o contexto declarado por Retailleau na segunda-feira, como o caso de babás ou cozinheiros de restaurantes que poderiam perder o direito a "serem regularizados" e obterem uma autorização de residência "mesmo que esteja trabalhando e pagando contribuições".  

Defesa de uma política concreta

Enquanto a direta fala em medidas vagas para estabelecimento de critérios de introdução na sociedade francesa, a representante dos imigrantes defende medidas eficazes para possibilitar a regularização de pessoas.

"Na verdade, a imigração é um assunto muito amplo, portanto, há coisas que podemos fazer de forma regulatória sobre questões de autorização de residência. Algo que pode ser feito em nível regulatório sem passar pela política, mas que terá de ser muito concreto e muito pragmático. E quanto a isso seria importante ouvir associações e a sociedade civil", alega Soupios-David ao exemplificar que não basta dizer que é preciso 'falar francês para poder ficar na França', "é preciso dar às pessoas os meios para aprender francês", preconiza.  

Bruno Retailleau reabre a questão explosiva da reforma do auxílio médico estatal

Considerado há muito tempo pela direita e pela extrema direita como um meio de atrair estrangeiros para a França, o auxílio médico estatal da França (AME), que garante que os imigrantes ilegais tenham seus gastos médicos cobertos, é o alvo de Bruno Retailleau. Entretanto, estudos sobre o assunto contradizem os argumentos do novo Ministro do Interior, que apontou para uma possível revisão do sistema, provocando fortes reações da esquerda e da antiga maioria presidencial.

"Somos um dos países europeus que oferecem mais vantagens, e eu não quero que a França se destaque, que seja o país mais atraente da Europa para um certo número de benefícios sociais e acesso à saúde", disse o ministro para justificar tal reforma.

A transformação do sistema não foi incluída no texto final da lei, mas a primeira-ministra da época, Elisabeth Borne, prometeu reformar a AME antes do verão de 2024 (no hemisfério norte). A promessa foi posteriormente retomada por seu sucessor, Gabriel Attal, durante seu discurso de política geral, mas não foi cumprida.

Os comentários de Bruno Retailleau não deixaram de provocar uma reação da esquerda e da antiga maioria presidencial, incluindo três dos últimos quatro ministros da saúde.

"François Braun, ministro de 2022 a 2023, reagiu na BFMTV na noite de segunda-feira, apontando que epidemias como a Covid-19 "não pedem sua carteira de identidade" e que a recusa em tratar patologias crônicas levaria a "doenças que se tornam mais complicadas", o que acabaria custando "muito mais dinheiro".

Questões como o acesso à saúde também foram destacadas à RFI pela representante da France terre d'asile, que teme a estigmatização dos imigrantes. Ela nega a teoria defendida pela direita e pela extrema direita francesa que os estrangeiros vêm para a França para se beneficiar do bem-estar social. "É uma teoria que foi refutada por dezenas de estudos. Então, mais uma vez, convido os políticos a darem uma olhada nesses estudos", critica. "Uma, duas, três pessoas vieram porque não há tratamento em seu país, mas essa não é a maioria das pessoas, que vêm para a França para ficar com suas famílias, estudar, encontrar trabalho e contribuir para nossa economia e seu desenvolvimento pessoal", acrescenta.

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