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Queimadas recordes azedam projeto de Lula de governo sustentável

Parque Nacional de Brasília em chamas, no domingo - Ricardo Stuckert/PR
Parque Nacional de Brasília em chamas, no domingo Imagem: Ricardo Stuckert/PR
do UOL

Do UOL, em Brasília

20/09/2024 05h30

As queimadas que batem recordes pelo país atrapalham os planos do presidente Lula (PT) de completar o segundo ano de mandato sob a bandeira de país sustentável.

O que aconteceu

A sustentabilidade é um dos tripés do governo desde a campanha eleitoral. Com números até então considerados positivos da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, em 2023, o plano era avançar e fazer do meio ambiente uma marca consolidada deste novo mandato do petista.

O recorde de queimadas torna o plano mais difícil. Em agosto, o país registrou 68 mil focos de calor, segundo dados do Programa de Queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) —o maior número para o mês desde 2010 e 145% a mais do que no mesmo mês no ano passado.

Na última terça (17), Lula anunciou R$ 514 milhões para combate ao fogo. O governo federal diz que os incêndios são criminosos e lembra que não tem responsabilidade direta sobre queimadas que não sejam em terrenos da União, mas aliados se preocupam com os danos na imagem e no discurso.

Às vésperas do discurso na ONU (Organização das Nações Unidas), as queimadas em Brasília pioraram o quadro. A capital federal passou três dias com uma fumaça densa após um incêndio no Parque Nacional no último domingo (15), quando mais de 7 milhões de m² foram consumidos pelas chamas, segundo o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Até sobre a questão indígena, que também ganhou destaque na campanha (e na posse, quando subiu a rampa com o cacique Raoni), esperavam-se resultados mais contundentes. Em relatório divulgado em julho, o Cimi (Conselho Missionário Indigenista) apontou que pelo menos 1.040 crianças indígenas entre 0 e 4 anos morreram em 2023, um aumento de 24,5% em relação a 2022 e o maior número já apontado desde o início da contabilidade anual dos dados, em 2003.

O governo também enfrentou greve no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) durante quase todo o ano. Por reajuste, servidores anunciaram redução do ritmo de trabalho em janeiro, o que impactou nas ações de fiscalização por todo o país, e chegaram à paralização geral em junho, revogada a mando do STJ (Supremo Tribunal de Justiça). A situação só foi resolvida no meio de agosto, há pouco mais de um mês.

Em busca do país sustentável

Lula vê o desenvolvimento sustentável como uma possível marca do seu terceiro mandato. Tripé da gestão junto à retomada da economia e ao fortalecimento da democracia, o presidente tem levantado essa bandeira internacionalmente, contrapondo seus números aos da administração de Jair Bolsonaro (PL).

Marina trazia boas notícias de 2023. Segundo o Meio Ambiente, o desmatamento na Amazônia caiu 49,8% em 2023 em relação a 2022. No mesmo período, houve uma queda de 77% das áreas abertas para garimpo em Terras Yanomâmis, se o dado for comparado ao ano anterior. Até o desmatamento no Cerrado, que havia crescido 40% em 2023, havia sido revertido neste ano, até maio. Mas o bioma segue com desmatamento alto.

Esta é a bandeira que Lula pretende empunhar na ONU. O presidente, que abre a Assembleia-Geral em Nova York na semana que vem, quer impulsionar o Brasil (e sua gestão) como exemplo verde a ser seguido no mundo. As queimadas atrapalham isso.

No quintal do palácio

Os incêndios em Brasília motivaram reuniões e ações. Segundo pessoas do convívio do Palácio do Planalto, o presidente ficou extremamente irritado e preocupado quando foi avisado, no domingo, sobre as queimadas no Parque Nacional. Ele sobrevoou a área no mesmo dia.

A avaliação é que qualquer destaque positivo em relação ao meio ambiente fica abalado com a capital federal sob fumaça. Afinal, apontam pessoas próximas, como o presidente poderia ostentar diminuição do desmatamento e cobrar seus pares no mesmo sentido se o próprio quintal está em chamas?

O presidente quer penas mais rígidas. Interlocutores contam que, como reação imediata, Lula pediu para aos órgãos do governo ligados à Justiça para avaliarem recrudescimento da pena de crimes ambientais e fazer o anúncio de liberação de crédito extraordinário, já autorizado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Na semana passada, o ministro Flávio Dino autorizou o uso de despesas extras, que não contam para o cumprimento da meta fiscal, para o combate aos incêndios.

Tem de combinar com o Congresso. Na terça, durante o encontro entre os três Poderes no Planalto, Lula ouviu tanto do deputado Arthur Lira (PP-AL) quanto do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) que há apoio no Congresso, mas que a pauta é delicada e deve haver resistência. Lula falou, de imediato, que tudo será negociado.

O governo fez operação de emergência, incluindo o encontro dos três Poderes na terça. Lula se reuniu com os ministros durante praticamente toda a segunda-feira (16). Originalmente, esta era a reunião semanal de alinhamento do governo com lideranças do Congresso, mas, assustado e irritado com o avanço das chamas, ele mudou os rumos do encontro e cancelou uma agenda ligada à economia popular na parte da tarde para discutir o assunto por mais tempo.

Criminosos ou não, incêndios resvalam no governo

Aliados dizem que as queimadas atingem a gestão de qualquer forma —e Lula sabe disso. Em sua fala na ONU, entretanto, ele deverá seguir com a pauta verde, falando sobre os avanços em desenvolvimento sustentável na sua gestão e os méritos da energia limpa no Brasil. Mas também deve destacar que os problemas climáticos são uma realidade e atingem não só o Brasil.

Lula também vai seguir indicando que os incêndios são criminosos, dizem pessoas ligadas à comunicação. Este tem sido o argumento usado pelo governo, respaldado por evidências apresentadas na reunião de terça, e por aliados. No encontro, o presidente tentou ligar o fogo ao bolsonarismo, citando os atos de 7 de Setembro. "Não pode acusar, mas que há suspeita [de crime], há", disse Lula na reunião, citando chamadas nas redes sociais com a frase "Vai pegar fogo". "O dado concreto é que, para mim, parece muita anormalidade."

O próprio Lula tem admitido que o governo foi pego de surpresa. Ele falou em discurso de não estar preparado para o combate e, mesmo já podendo liberar verbas em crédito extraordinário desde a semana passada, a medida provisória só foi detalhada na noite de quarta (18), com a publicação no DOU (Diário Oficial da União).

O dado concreto é que, hoje, no Brasil, a gente não estava 100% preparado para cuidar disso [dos incêndios]. O que estamos percebendo, depois do Vale do Taquari [área mais atingida pelas enchentes no RS em maio], é que a natureza resolveu mostrar suas garras.
Lula, em encontro dos três Poderes

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