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Francesa que foi drogada pelo ex-marido e estuprada por mais de 50 desconhecidos nega cumplicidade

18/09/2024 15h33

Em julgamento que acontece desde 2 de setembro em Avignon, no sul da França, Gisèle Pelicot, a principal vítima dos casos de estupro de Mazan, refutou em depoimento, nesta quarta-feira (18), as suspeitas sobre a sua possível cumplicidade nas agressões sexuais que sofreu, entre 2011 e 2020, conforme sugeriram os advogados de alguns réus.

"Desde que cheguei a este tribunal, sinto-me humilhada por me chamarem de alcoólatra e dizerem que sou cúmplice do senhor Pelicot", afirmou ela, perante o tribunal. "Fiquei em coma e os vídeos podem atestar isso. Até os especialistas, todos homens, ficaram chocados com esses vídeos", afirmou. "Nem por um segundo dei o meu consentimento ao senhor Pelicot, nem a estes homens que estão por trás disso", continuou a francesa, atualmente com 72 anos, que teria sido vítima de cerca de 200 estupros, incluindo 92 cometidos por 50 co-réus que estão sendo julgados neste caso, ao lado de seu ex-marido, Dominique Pelicot.

"Tenho a impressão de que sou a culpada e que os 50 são vítimas" e que "porque pratiquei naturismo, seria exibicionista", reagiu. "O estupro é uma questão de tempo? Três minutos, uma hora? Estou chocada! Se fosse a mãe ou a irmã deles, teriam a mesma defesa?", acusou Gisèle Pelicot. "Vieram me estuprar, não importa quanto tempo tenha passado", isso "é desprezível", afirmou.

"Em que momento um homem decide por sua esposa? Lembro que eu estava sob influência química," destacou ela. Os "50 (acusados) não se perguntaram (sobre meu consentimento)? O que são estes homens, são degenerados ou o quê?", perguntou a vítima. "Estupro é estupro", disse Gisèle Pelicot, referindo-se às palavras de um advogado de defesa, Paul-Roger Gontard, que tentou minimizar a real intenção de alguns dos acusados. Muitos deles afirmaram que pensavam estar participando de uma fantasia sexual de um casal libertino.

Apresentação de imagens 

Durante o julgamento, o exame dos fatos alegados contra Dominique Pelicot exigem a exibição de vídeos, provas cruciais neste caso. Gisèle Pelicot estava preparada para isso e o processo é supervisionado para que o material não vaze.

Uma primeira série de 27 fotos foi mostrada na audiência desta quarta-feira, a pedido dos advogados de defesa, supostamente para provar que seus clientes poderiam ter sido "enganados" ao pensar que haviam sido "atraídos" por Dominique Pelicot. O público foi retirado da sala por cerca de vinte minutos, enquanto eram exibidas as imagens. Apenas jornalistas puderam permanecer.

Gisèle disse estar "indignada"."O que me importa é que estes vídeos (e fotos) que são provas irrefutáveis ??das violações e violências que sofri sejam transmitidos apenas nesta sala", pediu Gisèle Pelicot no depoimento, acrescentando que "não quer que o público veja essas imagens."

O ex-marido garantiu que "todas estas fotos foram tiradas sem o seu conhecimento".

Privacidade da vítima

No dia 9 de setembro, Gisèle Pelicot havia pedido para que os filhos "não comparecessem" a essa exibição. Depois das primeiras imagens, nesta quarta-feira, outros vídeos poderão ser transmitidos nos próximos dias.

Porém, se desde o início do julgamento Gisèle e os seus três filhos recusaram que as sessões fossem à portas fechadas, os debates não serão totalmente públicos, alertou o presidente do tribunal penal. "Se forem difundidas imagens comprometedoras, expondo a nudez de uma pessoa", a retransmissão na sala anexa, reservada ao público, será cortada, especificou Roger Arata, sublinhando que vários estudantes acompanham este julgamento. "Há, portanto, na nossa opinião, a necessidade de evitar um impacto muito amplo", continuou o magistrado, referindo-se em particular ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que protege a privacidade das vítimas em caso de imagens degradantes.

Para Gisèle Pelicot, a transmissão destes vídeos será um novo pesadelo. Ela confidenciou que só teve forças para olhar para eles pela primeira vez em maio de 2024, três anos e meio após o início da investigação. "Mesmo que haja momentos extremamente difíceis, ela não precisa se esconder e não precisa ter vergonha do que viveu, a vergonha deve mudar de lado", declarou Stéphane Babonneau, um de seus dois advogados, explicando a escolha por um julgamento público. Gisèle Pelicot sabe que "a visibilidade que autorizou para estes debates nos permitirá ver o que são a crueldade e o horror do estupro", insistiu à AFP Antoine Camus, o outro advogado.

Para ele, é graças à visualização destas imagens que os co-réus de Dominique Pelicot terão de admitir a verdade: "Faremos uma, duas vezes, espero que não tenhamos que fazer 40 vezes, mas ela está pronta para isso. Mas espero que cinco ou seis vezes sejam suficientes para um cérebro normalmente constituído", concluiu.

Paradoxalmente, a defesa de Dominique Pelicot, o principal acusado, pediu a divulgação das imagens, acreditando que elas prejudicariam o argumento de alguns dos homens com idades entre 26 a 74 anos que negam qualquer estupro e afirmam acreditar ter participado de uma fantasma em que Gisèle Pelicot fingia dormir e consentia com os atos. 

"Quando os vídeos falam, eles falam. Ou seja, não podemos ouvir que não são cenas de estupro", disse à imprensa a advogada de Dominique Pelicot, Béatrice Zavarro.

Na terça-feira (17), Dominique Pelicot admitiu os fatos na íntegra. Porém, apenas 13 dos co-réus fizeram o mesmo, admitindo as agressões pelas quais podem pegar 20 anos de prisão.

Outro caso de violência sexual com sedativos 

Um homem de 46 anos compareceu nesta quarta-feira perante o Tribunal de Toulouse, no sul da França, por ter agredido sexualmente a esposa depois de tê-la drogado, um caso que atraiu a atenção no contexto do julgamento dos estupros do casal Pelicot, em Mazan.

Nesse caso, a decisão do tribunal é esperada para 9 de outubro. O suspeito, natural de Tarn, é acusado de ter agredido sexualmente a sua esposa entre 2019 e 2022, depois do consumo de Zolpidem, um poderoso comprimido para dormir, e de ter filmado estes ataques.

O homem já foi condenado, em primeira instância, em junho, a 4 anos de prisão. "O meu cliente é uma pessoa que foi vítima durante anos de violência física e psicológica pelas mãos de sua própria esposa", sublinhou na France 3 Occitanie, antes da audiência, Nelly Magendie, advogada, especificando à AFP que a mulher tinha "admitido que estava batendo nele".

(Com AFP)

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