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Em SP, maior população em situação de rua do país faz campanha e quer votar

do UOL

Do UOL, em São Paulo

17/09/2024 12h00

Pelo menos 80.369 pessoas vivem em situação de rua em São Paulo. O número foi escolhido pelo "Partido Invisível", criado por uma ONG, para ser usado em uma campanha fictícia.

O que aconteceu

O projeto surgiu do incômodo dos integrantes da ONG SP Invisível com vereadores que não conhecem as ruas de São Paulo. "A ideia é dar autoridade para as pessoas que mais sabem das dificuldades da rua para trazer soluções para esse problema", afirma o fundador da ONG, que promove ações sociais para pessoas em situação de rua, André Soler.

O Partido Invisível tem uma série de propostas para a cidade. Por se enxergarem como as pessoas que mais conhecem as ruas de São Paulo, as "promessas de campanha" são norteadas por três eixos: garantia da segurança alimentar, ampliação das repúblicas com desconto social e de projetos de capacitação técnica.

Os membros do partido levam política muito a sério. Três pessoas em situação de rua, que estão em busca da casa própria e de emprego, foram escolhidas como "candidatos": Dona Fátima, Seu André e Jonathan. Eles têm diferentes idades, experiências e contam onde o calo mais apertou vivendo nas ruas do centro de São Paulo.

São 20 representantes. "Escolhemos a partir das ideias políticas", diz Soler. Após as propostas virarem vídeos para o Instagram, a ONG listou as mais comentadas pela população de rua e irá publicar em suas redes sociais a partir desta terça-feira (17).

Eles farão comício no próximo domingo (22). O local escolhido para divulgar as ideias para as ruas de São Paulo foi a Avenida Paulista.

"Candidatos" e suas propostas

Jonathan conseguiu  um emprego e quer dar esperança para outros que vivem nas ruas - Henrique José e Luiz Maldonete/SP Invisível - Henrique José e Luiz Maldonete/SP Invisível
Jonathan conseguiu um emprego e quer dar esperança para outros que vivem nas ruas
Imagem: Henrique José e Luiz Maldonete/SP Invisível

Fátima defende a segurança alimentar. Ela vive há mais de quatro anos nas ruas e começou a defender a pauta da alimentação após observar que as doações de alimentos ocorrem apenas à noite. Um levantamento realizado pela SP Invisível aponta que a maioria da população de rua só faz uma ou duas refeições por dia. O período da manhã e durante o meio dia são de fome.

Ela se tornou uma liderança nas ruas pela busca por dignidade — tanto para si quanto para os outros. Busca alimentos, entende como funciona o atendimento médico, ela é conhecida entre a população de rua que frequenta a praça Marechal Deodoro, que fica no centro de São Paulo.

Jonathan quer capacitação profissional. A ONG financiou um treinamento para ele que, em breve, deve deixar as ruas para alugar o próprio espaço. Após a recomendação da SP Invisível, ele conseguiu um novo emprego. "Eu represento a população que quer sair das ruas com a ajuda da empregabilidade."

Espero que essa seja uma sementinha que a gente coloque no coração deles e que a partir daqui eles realmente se tornem candidatos.
André Soler, fundador da SP Invisível

Seu André busca independência

Seu André propõe modalidades mais baratas de moradia - Henrique José e Luiz Maldonete/SP Invisível - Henrique José e Luiz Maldonete/SP Invisível
Seu André propõe modalidades mais baratas de moradia
Imagem: Henrique José e Luiz Maldonete/SP Invisível

André fala sobre o uso de drogas e reinserção social. O "candidato" Seu André, como é conhecido, tinha uma carreira consolidada no ramo imobiliário e acabou viciado em drogas. Mesmo passando por altos e baixos, ele manteve o seu título e confia que com solidariedade e políticas públicas a vida de quem vive nas ruas pode ser transformada.

Na busca pela ressocialização, Seu André conseguiu moradia no Arsenal da Esperança, que abriga 1.200 homens em situação de rua. Para ele, o equipamento público é um dos mais eficientes de São Paulo, mas não deixa de ser uma moradia temporária. "Não pode entrar aqui achando que vai ficar para sempre."

Se fosse um vereador, ele lutaria por aluguéis sociais de quartos em repúblicas. Uma opção de baixo custo para quem está começando a voltar para o mercado de trabalho e não consegue pagar um aluguel sozinho.

Auxílio-aluguel e moradia assistida da prefeitura ainda não dão conta. O benefício pode ser oferecido por até dois anos. "Mas em quatro meses aqui no Arsenal só vi uma pessoa conseguir." A moradia vai além da dignidade, um comprovante de residência é exigido para a maioria das vagas de empregos.

As ruas o ensinaram que o contato com a família e o trabalho são indispensáveis para a autoestima, e sem esse apoio é impossível sair dessa situação. "A gente precisa de motivação. Eu penso todos os dias, 'se eu beber hoje, o que é que eu vou perder?' Tudo, inclusive a minha filha, que não vai querer falar comigo."

"O primeiro passo é conseguir trabalhar. A capacitação me forneceu isso. Acredito que eu vou começar a trabalhar", diz. Quando conversou com o UOL, Seu André tinha acabado de fazer uma entrevista de emprego. Dias depois, ele foi contratado. Agora, ele pretende alugar um quarto, ter o seu próprio espaço e, consequentemente, mais contato com a família. A primeira pessoa a receber a notícia foi sua filha.

"A primeira coisa que a gente tem que construir é a dignidade", conta. Parte desses sonhos são os dentes — ele quer abrir um sorriso para a autonomia, não sozinho, mas com seus familiares, com um emprego e independência, sem esquecer do período em que viveu nas ruas de São Paulo.

Vou votar nessas eleições, meu título tá aqui, certinho. Se fosse pedir voto eu falaria sobre empatia. É isso que falta, as pessoas estão muito egoístas. Muito amigo na rede social, mas na vida tá todo mundo sozinho.Seu André

Se eu fosse um vereador eu queria olhar muito para as crianças, para os jovens. Para as pessoas que estão desesperadas, procurando um pão para colocar na mesa da família. O ser humano tem seus desesperos, não sei o que um pai que vê seu filho passando fome faria para alimentá-lo — isso com certeza tem desdobramentos na violência.Seu André

Mutirão para tirar título do TRE

"Partido Invisível" fará "comício" no dia 22 de setembro - Henrique José e Luiz Maldonete/SP Invisível - Henrique José e Luiz Maldonete/SP Invisível
"Partido Invisível" fará "comício" no dia 22 de setembro
Imagem: Henrique José e Luiz Maldonete/SP Invisível

Desde 2022 a Justiça Eleitoral já emitiu 3.023 títulos para quem está em situação de rua em São Paulo. O TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) realiza mutirões específicos para essa população. Não é preciso comprovar residência e o local de votação é calculado a partir do endereço declarado — que pode ser a residência de um amigo, familiar ou o centro de acolhimento.

O número de títulos expedidos é pequeno, quando comparado ao da população de rua da capital. O monitoramento do OBPopRua/Polos-UFMG (Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais) aponta que pelo menos 80.369 pessoas estavam nessa situação em São Paulo no mês de julho deste ano, comparando com dezembro de 2023, quando a cidade tinha 64.818 pessoas em situação de rua. Os dados mostram um crescimento de 24%.

Uma em cada três pessoas que vivem nas ruas brasileiras mora em SP. São 126.112 pessoas no estado e 300.868 em todo o país — os números gerais também subiram, na mesma proporção da capital paulistana: em dezembro de 2023 eram 242.756 pessoas vivendo em situação de rua, um crescimento de 23,9%.

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