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Economistas alertam para "inconsistências" no orçamento sem déficit apresentado por Milei

17/09/2024 08h34

O presidente argentino, Javier Milei, apresentou ao Congresso o orçamento do Estado para 2025 que, segundo ele, é "o mais radicalmente diferente da história argentina" porque parte da premissa de déficit fiscal zero sem possibilidade de emissão monetária nem de dívida. A oposição promete endurecer o tratamento no Congresso, enquanto Milei adverte que vai expor publicamente os legisladores que não aprovarem um orçamento equilibrado.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Num movimento inédito para um presidente na história argentina, Javier Milei foi até o Congresso na noite de domingo (15) para anunciar o orçamento de 2025, uma tarefa tradicionalmente reservada para o ministro da Economia perante a Comissão de Orçamento da Câmara de Deputados.

Diante dos legisladores e em rede nacional de rádio e TV, o presidente argentino definiu o seu primeiro orçamento como "uma nova página da história argentina, até agora desconhecida" por estar blindado contra "o negócio dos políticos": o endividamento e a emissão de moeda sem respaldo que geram déficit fiscal, origem, em última instância, da pobreza no país.

"O déficit sempre foi consequência de pensar primeiro em quanto gastar e depois em como financiá-lo. Nós vamos fazer o contrário, pensando primeiro em quanto temos de economizar para depois vermos quanto podemos gastar", avisou Milei, com o objetivo de "uma administração pública saudável".

O protagonismo de Milei visou ainda retomar a iniciativa depois que, nas últimas semanas, ter ficado na defensiva, enquanto o Congresso tratava de assuntos que desgastaram o governo, como o aumento aos aposentados ou a aprovação do financiamento às universidades.

Esses dois assuntos são vistos pelo governo como tentativas de minar o equilíbrio fiscal, pedra angular da arquitetura econômica de Milei.

Por isso, para o ano que vem, o orçamento tem como premissa o déficit fiscal zero. Se o Congresso aprovar alguma pauta fora do previsto, terá de apresentar também de onde sairá o dinheiro. Não poderá ser nem da emissão de moeda, nem da emissão de dívida, nem da criação ou do aumento de um imposto.

"Não seremos cúmplices de roubar o povo argentino para adotar uma medida populista. O único contexto em que aceitaremos discutir o aumento de um gasto será quando o aumento vier com uma expressa explicação de onde reduzir para cobri-lo. Caso contrário, será vetado", avisou.

Inversão da lógica

A oposição, na sua maioria, não compareceu ao Congresso para ouvir o presidente. Dos 257 deputados, estavam presentes apenas 120.

Para Milei, a lógica dos políticos é gastar desenfreadamente com medidas populistas sem preocupação com o financiamento e, muitas vezes, "ficando com um troco", em referência à corrupção. Ao inverter essa lógica, o presidente argentino acredita que atinge o negócio dos políticos e, quem não aprovar o orçamento baseado na responsabilidade fiscal, ficará exposto diante da opinião pública. Em outras palavras, irá contra o dinheiro do contribuinte, contra o interesse do povo.

"Quando os governos querem gastar compulsivamente e não têm mais margem para aumentar impostos, a única forma é ou pedir dinheiro emprestado, ou imprimir moeda no Banco Central. Como os políticos não entendem a restrição orçamentária e não querem deixar de gastar, geram déficit. Para cobrir esse déficit, primeiro endividam-se. Mas, como não fazem o ajuste necessário, a dívida torna-se impagável. Só gastando dinheiro que não é deles, os políticos podem fazer negócios para eles, para os seus clientes e para os seus amigos", acusou Milei.

Advertência a governadores e legisladores

Javier Milei pediu aos governadores que cumpram com a sua parte de reduzir o gasto em US$ 60 bilhões para atingir o patamar ideal de 25 pontos do PIB. E advertiu que "os argentinos estão cansados das malandragens dos políticos".

"Não subestimem. Quando eu entrei na política, indiquei que não vinha para guiar cordeiros, mas para despertar leões", recordou, dando a entender que vai denunciar publicamente quem subir impostos provinciais e municipais.

Aos legisladores que vão debater o orçamento, cujo projeto foi enviado nesta segunda-feira (16), Milei também explicou que o momento político do país oferece duas opções: fazer exatamente o contrário dos últimos 100 anos ou continuar com o sistema putrefato que empobrece os argentinos. E advertiu sobre o resultado de ficar de um ou do outro lado.

"Os cidadãos vão colocá-los ou na avenida dos justos, ou na esquina dos ratos miseráveis que apostaram contra o país", comparou.

Pagamento da dívida

Para Milei, a primeira premissa é o pagamento da dívida para o qual deve haver um superávit primário, depois do qual virão as demais necessidades. Essa lógica prevê tirar da Argentina o título de "devedor em moratória serial".

"Quando o aumento da arrecadação for transitório, o Estado poderá economizar, absorvendo dinheiro para cancelar dívida. Se o crescimento econômico for permanente e, consequentemente, o aumento da receita for estrutural, o Estado poderá reduzir impostos", prometeu.

"Por outro lado, se a economia não crescer e as receitas forem menores às previstas, o gasto será reduzido até atingir o déficit zero. Esta nova metodologia vai brindar o equilíbrio fiscal para sempre", apontou.

Previsões 2025

O orçamento de 2025 prevê um crescimento de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), superávit primário de 1,4% e superávit financeiro de 0,4%. Prevê ainda uma inflação anual de 18,3%.

Os números foram considerados "otimistas" e "inconsistentes" por empresários e economistas.

No ano passado, a inflação ficou em 211,4%. Neste ano, até agosto, a inflação já chega a 94,8%. A projeção do governo para este ano é de 104,4%. Para cumprir essa meta, a inflação mensal deveria ser de 1,2% até o final do ano, mas a taxa não tem baixado de 4% ao mês.

Segundo pesquisa do próprio Banco Central argentino junto aos 42 principais agentes econômicos do país, o mercado prevê inflação de 122,9% para este ano.

Para o ano que vem, os 18,3% previstos por Milei também são vistos como ousados pelo mercado, que prevê 20 pontos a mais: 38%.

Outra inconsistência: neste ano, a economia deve encolher 3,8%. Se a economia deslanchar e crescer 5% como o governo prevê, isso deve aumentar a pressão inflacionária. Já o mercado prevê que a economia cresça 3,5%.

Estratégia implícita

Muitos acreditam que o otimismo do governo seja uma estratégia para gerar confiança. Se o governo calcular que a inflação será de 40%, todos os agentes econômicos vão remarcar preços e convalidar aumentos dessa magnitude. Então, a divulgação de um valor menor visaria influir na baixa da expectativa inflacionária.

Mas também existe uma estratégia do governo que pode estar implícita no orçamento. O crescimento econômico dessa magnitude e a queda da inflação passam a ser consistentes se houver um crédito que alavanque a economia e que permita ao governo eliminar as restrições de acesso à moeda estrangeira e ao movimento de capitais.

O alvo dessa estratégia seria o Fundo Monetário Internacional. Para um novo acordo com o FMI, Milei aposta na vitória do seu aliado político Donald Trump. Os Estados Unidos são o principal sócio do FMI e uma decisão política do próximo inquilino na Casa Branca pode ajudar a Casa Rosada.

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