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CVM acerta ao obrigar mercado a abrir caixa-preta de taxas

do UOL

Colunista do UOL

16/09/2024 05h30

É preciso, sim, criticar o Estado brasileiro quando ele erra. E erra bastante, muitas vezes por excesso. Quando acerta, entretanto, temos de aplaudir. É o caso da Resolução nº 179/2023 da Comissão de Valores Mobiliários, a CVM. Estamos prestes a vivenciar uma nova era de transparência no mundo dos investimentos.

É inegável que o mercado melhorou muito ao cuidar das pessoas físicas e jurídicas que decidem investir seu dinheiro de modo mais sofisticado, escapando da baixa remuneração da caderneta de poupança.

Contudo, há ainda um desafio gigantesco a ser superado, que passa pelo aumento da transparência e da accountability, como se diz em inglês, sobretudo em relação aos custos e taxas atrelados à distribuição de investimentos no Brasil. As instituições financeiras devem satisfação aos clientes.

Se você compra um carro, precisa estar seguro de que o motor funciona, as janelas abrem e fecham direitinho, o consumo de combustível por quilômetro rodado é aquele informado no manual etc., bem como o preço pago pelo carro.

Por que, quando compramos um produto financeiro, os custos, comissões e taxas não devem estar claros?

Curioso e importante: antes da Resolução 179, quem se propunha a ofertar esse tipo de serviço à população não estava obrigado a prestar com clareza as informações ao cliente.

Somente com um sistema transparente, responsável, equilibrado, eficiente, eficaz, sólido e atento às necessidades e demandas dos investidores poderemos sonhar com uma cidadania financeira para valer.

A Resolução nº 179/2023 entrará em vigor já em novembro. Apesar da pressão de setores organizados para que houvesse nova prorrogação do início da vigência dessa norma, a CVM decidiu, corretamente, pela manutenção da data. Trata-se de uma inovação fundamental, como explicarei.

Diz a CVM, no seu site, em matéria veiculada em dezembro passado:

"Dentre as novas obrigações dos intermediários, destacam-se a indicação, no mesmo ambiente usado pelo cliente para transmitir ordens de investimento, das formas e valores de remuneração, bem como o envio de extratos trimestrais sobre a remuneração auferida pelo intermediário em virtude de investimentos em valores mobiliários realizados pelos clientes" (grifos meus).

Existem três grandes modelos disponíveis no mercado financeiro para você, leitor, poupar os seus recursos. O mais tradicional e conhecido está associado aos próprios bancos, que oferecem produtos mais típicos, digamos, como: títulos de capitalização, caderneta de poupança, Certificados de Depósitos Bancários (CDB), previdência privada, etc. Normalmente, o relacionamento se constrói a partir de quem já possui uma conta e decide aceitar uma oferta do gerente do banco para realizar determinada "aplicação".

Nos últimos vinte anos, desenvolveu-se uma segunda onda de produtos e plataformas diferentes para oferecer maior retorno e possibilidades de investimentos aos poupadores. É uma espécie de shopping financeiro, em que você pode acessar diferentes e múltiplos produtos e serviços, escolhendo onde alocar suas economias, sob a orientação e assessoria de cada corretora.

Em que pese ter representado um avanço para a época, esse segundo modelo já se mostrou superado, sobretudo quando olhamos para países desenvolvidos.

Em geral, quando uma corretora ou um banco oferece a um cliente um produto, o incentivo é muito claro: obter uma comissão. Passado algum tempo, você certamente será contatado pelo mesmo ou outro assessor para substituir o primeiro produto por um segundo e assim sucessivamente. Mais e mais comissões se acumulam, muitas vezes sem a devida transparência.

Observe que os seus objetivos de vida, de acumulação de renda e riqueza, em determinado prazo, para comprar uma casa nova, ajudar sua família, abrir um negócio nem passa pela cabeça dos que estão entulhando produtos a toque de caixa em seus clientes. Isso é correto?

À parte o juízo de valor, os incentivos estão errados. E é nesse aspecto que a luz do sol, dizia o juiz norte-americano Louis Brandeis, é o melhor dos desinfetantes. É preciso acabar com o "gato por lebre" nessa matéria. O produto em que se decide investir tem de ter preços, taxas e custos explicitados. Não pode esconder, na corrosão dos rendimentos, os ganhos distorcidos das instituições.

Para ter claro: não há transparência a respeito dos ganhos desses agentes intermediários e, portanto, você não consegue saber quanto dos seus rendimentos está sendo corroído, por uma espécie de cupim invisível, em razão das práticas erradas acima mencionadas.

O modelo mais avançado e usado à larga no resto do mundo é baseado numa taxa fixa cobrada do cliente. Aprendi isso na Warren Investimentos, onde atualmente trabalho como economista-chefe, corretora pioneira na adoção da nova prática no Brasil.

Todos os valores que você decide depositar e investir são a base para a cobrança dos serviços. Uma taxa fixa e transparente, informada ao cliente, é debitada. E ponto. Se o seu patrimônio crescer, com ele crescerá a remuneração da corretora. Se ele diminuir, acontecerá o oposto.

Alinham-se, assim, os incentivos entre o que você deseja - ficar mais rico para alcançar suas metas pessoais, familiares e profissionais - e o da corretora: melhorar seus resultados e lucros e prover mais serviços de qualidade superior.

A CVM foi certeira na formulação da Resolução 179. A pressão de atores do mercado que não querem a mudança, por estarem acostumados aos ganhos mais fáceis com o modelo antigo, parece grande. Mesmo assim, o Colegiado manteve a determinação para que todas as instituições abram a caixa-preta aos clientes.

É o mínimo a esperar de um mercado financeiro que se pretenda sólido, moderno e avançado. Um mercado saudável, capaz de oferecer alternativas de investimentos que irriguem a economia e contribuam para melhorar a vida das pessoas: eis o objetivo a perseguir.

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