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Fujimori morreu 'sem pedir perdão', lamentam familiares de vítimas de massacres no Peru

Alberto Fujimori, ex-presidente do Peru, morreu na quarta-feira (11) - Luka Gonzales - 01.mai.2018/AFP
Alberto Fujimori, ex-presidente do Peru, morreu na quarta-feira (11) Imagem: Luka Gonzales - 01.mai.2018/AFP

13/09/2024 18h13Atualizada em 13/09/2024 18h26

"Alberto Fujimori se foi com crimes impunes e sem pedir desculpas", lamentaram nesta sexta-feira (13) familiares de vítimas assassinadas por militares nos massacres de Barrios Altos e de La Cantuta, pelas quais o falecido ex-presidente peruano foi condenado a 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade.

A despedida do octogenário ex-presidente foi marcada por um notável contraste entre a multidão que compareceu ao seu velório e os solitários repúdios à questionada década em que esteve no poder, na década de 1990.

"Ele já está morto, este senhor se foi sem pedir desculpas aos familiares, ele zombou de nós", disse chorando à AFP Gladys Rubina, irmã de uma das 15 vítimas do massacre de Barrios Altos, ocorrida em 3 de novembro de 1991.

"A morte do ex-presidente não muda nada para mim porque ainda carrego uma dor dentro de mim. Minha irmã Nelly foi morta", lamentou Rubina, de 56 anos.

O ex-mandatário do Peru, que governou entre 1990 e 2000 em meio à crise de hiperinflação e violência do grupo terrorista Sendero Luminoso, morreu na quarta-feira aos 86 anos em sua casa em Lima, enquanto se submetia a um tratamento para câncer de língua.

Para Carmen Amaro, irmã de uma das 10 vítimas do massacre de La Cantuta (1992), Fujimori morreu sem cumprir toda a condenação e com um julgamento em andamento pela morte de seis camponeses executados por militares em Pativilca, ao norte de Lima, em 1992.

"Com sua morte não se acaba, nem se perdoa a pena. Fujimori continuará sendo o assassino e o principal responsável pelo desaparecimento de nossos familiares", declarou à AFP Amaro. Seu irmão Richard, um estudante de 25 anos da Universidade La Cantuta, foi carbonizado após ser executado com um tiro e sepultado em uma vala comum por militares.

Os massacres foram cometidos por um esquadrão da morte do exército conhecido informalmente como Grupo Colina, que era responsável pelas "operações especiais" de inteligência no contexto da luta contra as guerrilhas e o terrorismo do Sendero Luminoso durante o governo de Fujimori, conforme determinado pela justiça.

- "Nunca reconheceu seus crimes" -

"Ele nunca reconheceu seus crimes, nunca pediu desculpas por seus crimes, nunca pagou a reparação civil e, em vez disso, aproveitou os últimos meses do Estado pedindo uma pensão indevida", disse à AFP Gisela Ortiz, outra familiar de vítimas de La Cantuta.

Seu irmão Enrique, de 20 anos, morreu durante a operação militar na Universidade La Cantuta, em Lima.

Os massacres de Barrios Altos e La Cantuta serviram de base para a sentença de 25 anos de prisão contra Alberto Fujimori em 2009.

A sentença considerou o ex-presidente culpado de homicídio qualificado com dolo, lesões graves e sequestro, e incluiu dois casos de sequestro de opositores ao seu regime. Fujimori havia sido libertado em dezembro passado ao se beneficiar de um indulto humanitário.

A justiça concluiu ainda que os 25 mortos em Barrios Altos e La Cantuta eram inocentes e não pertenciam a um grupo terrorista.

A vice-presidente da Associação de Familiares Assassinados Perseguidos, Adelina García, indicou que "Fujimori se foi com sua consciência muito suja porque levou as lágrimas de muitas pessoas".

Um fato notável nesta semana foi a ausência de manifestações de rua contra o governo controverso e polarizador de Fujimori.

Organizações representativas não realizam convocações, e as críticas foram direcionadas às redes sociais através de declarações de grupos de direitos humanos que lembraram o passado autocrático de Fujimori, a corrupção em seu governo e seu histórico de violação aos direitos humanos.

- Críticas ao luto nacional -

O presidente da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR), órgão que investigou os anos de violência política no Peru (1980-2000), lamentou a decisão do governo de declarar luto nacional.

"O que mais irrita [aqueles que defendem os direitos humanos] é a atitude dos funcionários do Estado, que em vez de defender a democracia e a justiça, declaram três dias de luto nacional", disse à AFP o filósofo Salomón Lerner Febres, que dirigiu a CVR na época.

O acadêmico pediu que se evite insultar uma pessoa morta, mas também recomendou não fazer "uma apologia ao que foi o trabalho político" de Fujimori.

O conflito interno ou "guerra contra o terrorismo" ? como foi oficialmente denominado ? deixou mais de 69 mil mortos e 21 mil desaparecidos no período entre 1980 e 2000, a grande maioria civis, segundo a CVR.

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© Agence France-Presse

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