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Entre lágrimas e irritação, Datena já fala como ex-candidato

Datena chorou durante sabatina UOL/Folha ao falar que desiste da vida política se não se eleger prefeito - Reprodução
Datena chorou durante sabatina UOL/Folha ao falar que desiste da vida política se não se eleger prefeito Imagem: Reprodução
do UOL

Matheus Pichonelli

Colaboração para o UOL, em São Paulo

13/09/2024 14h01

José Luiz Datena (PSDB) começou a sabatina do UOL e da Folha de S.Paulo mais ou menos como iniciou a própria campanha: com o punho em riste.

O apresentador de TV que prometia enfrentar o crime organizado e já na convenção xingou parte dos militantes tucanos contrários à candidatura parecia escaldado para o duelo.

"Posso terminar?", disse, irritado, mais de uma vez. "Já falei o que vocês me perguntaram", esbravejou em outro momento. "Não me deixam responder."

"Você está querendo me perguntar se vou criar um esquadrão da morte", replicou, irônico, a uma pergunta sobre truculência policial. "Não sou reacionário. Já ganhei prêmio Herzog de reportagem sobre direitos humanos."

Datena não escondia a razão do mau humor. "Tem um cara [na disputa] que era ladrão de banco. Aí foi pra primeiro lugar na pesquisa. Aí o prefeito, no dia em que a cidade atinge o pior ar do mundo, vai para primeiro lugar na pesquisa. Preciso procurar ser o pior dos piores em alguma coisa pra ver se eu consigo atingir um ponto legal em aceitação."

Na pesquisa Datafolha divulgada na véspera, Datena aparecia na quinta posição, com 6% das intenções de voto, atrás da ex-futura parceira de chapa Tabata Amaral (PSB), que soma 8%.

O auge da irritação foi quando questionado de onde ele tirou a ideia de que era o candidato mais experiente para enfrentar o crime organizado.

"É porque eu apresento um programa de culinária há 26 anos", respondeu, já mordendo marimbondo. "Se você fala por osmose sobre alguma coisa há 26 anos você tem que aprender alguma coisa."

Sobrou até para especialistas em segurança pública, que ele acusa de o chamarem de sensacionalista. Ele falava da previsão de que o PCC se infiltraria nas estruturas de poder. E se gabou: "Quem é que tinha razão?".

"De tanto falar do assunto [segurança] adquiri conhecimento. Mesmo se você tiver o QI mais baixo do mundo, você acaba absorvendo alguma coisa."

Na linha contra tudo e contra todos, ele relembrou a (quase) briga com Pablo Marçal (PRTB) no debate da TV Gazeta . "Ele disse 'vem cá'. Eu fui. E ele ficou branco igual papel."

Datena ficou irritado até mesmo quando questionado sobre o risco de as câmeras de segurança que pretende espalhar pela cidade replicarem o viés racista de perseguição aos cidadãos —um alerta (olha só) de especialistas. "Só faltava essa, uma câmera racista. Se isso acontecer, vamos trocar. Não quero câmera defeituosa".

Aos poucos, o candidato bom de briga foi se desarmando.

Jogou e foi buscar a toalha ao citar John Lennon como o "dono da padaria" e autor da frase "o sonho acabou".

Quem riu, riu de nervoso.

Quase se corrigindo, ele disse que se referia ao sonho de disputar o Senado um dia —plano que passava, segundo amigos, por um intensivão no comando da maior cidade do país.

Datena já fala como ex-candidato. Fala com saudade do tempo (ontem?) em que pode caminhar nas ruas e conhecer uma realidade que só sabia através da TV.

"Eu trabalho e volto para casa. Não vou para lugar nenhum", admitiu.

Ele disse que o contato com o povo "foi muito legal", mas que a situação na cidade é "muito pior do que imaginava."

E se comoveu ao citar um morador de rua deitado "num cobertorzinho vagabundo da prefeitura" que era bem articulado, estudou teologia, mas que passou por decepções amorosas e familiares e hoje pede ajuda. "Como repórter que ainda sou, fui fazendo perguntas e sabendo mais da vida dele."

Mas emoção mesmo ficou para o final, quando disse se apegar a um fio de esperança de reverter a derrota iminente apontada pelas pesquisas.

"Eu tentei ajudar as pessoas a votar em mim. Até agora eu não conseguir, porra. O que eu posso fazer?", perguntou, já com os olhos embotados de cansaço e lágrimas.

Na sequência, ele parecia observar o trio de entrevistadores —Fabíola Cidral, Raquel Landim e Fábio Haddad— como quem já esteve também naquele lugar. Um lugar onde —presume-se— ele se arrepende de ter saído.

"Eu encerro bem, e tendo o maior respeito a vocês, jovens da imprensa. Eu, que sou um velho jornalista, reconheço a ética da maioria de vocês."

Datena era a tábua de salvação do PSDB após o partido ser destroçado na cidade onde elegeu o último prefeito, Bruno Covas, em 2020.

Com as bênçãos dos caciques nacionais, a aposta era que o apresentador popular e tão conhecido jogasse com o nome e fizesse da capital paulista o ponto inicial da reconstrução do protagonismo tucano.

O tom da entrevista, entre a irritação e a tristeza, mostra que a aposta do partido nele, e vice-versa, já ficou pelo caminho.

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