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Jovem denuncia funcionária do Habib's por racismo em SP: '157 nas costas'

do UOL

Do UOL, em São Paulo

11/09/2024 20h29Atualizada em 12/09/2024 08h10

O cantor e artista Abrahão Costa, de 26 anos, denuncia ter sido vítima de ofensa racista por uma funcionária do Habib's da rua Cerro Corá, na zona oeste de São Paulo, no último sábado (7). Em um vídeo, a mulher afirma que o jovem "tinha o 157 nas costas", o número é o mesmo artigo do Código Penal que trata do crime de roubo. A lanchonete disse que a atendente foi afastada.

O que aconteceu

Cantor relatou que estava na loja da rede quando percebeu que uma esfirra estava estragada. Ele e os outros seis amigos que o acompanhavam decidiram não comer as esfirras que restaram por receio de que as outras estivessem na mesma condição. Ele diz que a atendente afirmou que eles teriam que pagar uma "taxa de desperdício" por não consumirem todas as esfirras.

Abrahão, que é negro, e um amigo gravaram o momento em que explicaram para a atendente que não pagariam a taxa de desperdício. "Você falou que uma foi estragada. Então, as demais não estão", respondeu a mulher. O amigo de Abrahão, o cantor Glay Nunes, de 25 anos (que é branco), falou que a cobrança é ilegal. Então, o artista corroborou a versão dele e afirmou que poderia mostrar para a funcionária o trecho do Código de Defesa do Consumidor.

"Você tem 157 nas costas né?", disse a atendente. Abrahão e Glay ficaram em choque com a afirmação, e declararam que a fala da mulher era uma "falta de respeito".

Um dos amigos da vítima foi até uma base da Polícia Militar após a fala da funcionária. Porém, os agentes afirmaram que não atuariam na ocorrência porque o estabelecimento não fazia parte da região que eles atendiam, informou o advogado Leonardo Pavão, que representa Abrahão. Após acionar o 190, dois PMs chegaram de motocicleta. Logo depois, outros dois agentes em uma viatura chegaram para dar prosseguimento ao atendimento.

Segundo Abrahão, um dos agentes da viatura começou a opinar sobre o caso e disse que a frase não era racista. O PM ainda acrescentou que não poderia levar a funcionária para a delegacia porque não havia prova de crime, mesmo após ver a gravação e teria minimizado o caso, segundo Abrahão. O cantor, por conta própria, foi até uma delegacia. Lá, ele foi orientado a abrir um boletim de ocorrência eletrônico.

A SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo confirmou que o caso foi registrado. "As partes foram ouvidas no local e a vítima orientada a registrar um boletim de ocorrência, que posteriormente foi feito na Delegacia Eletrônica. Ela foi orientada a prestar mais informações para auxiliar na investigação do ocorrido", disse a pasta. Já sobre a conduta dos agentes, a pasta afirmou que "qualquer reclamação pode ser formalizada na Corregedoria" da corporação. Com a formalização, as denúncias "serão devidamente apuradas".

Caso ocorreu no Habib's da rua Cerro Corá, na zona oeste de São Paulo - Reprodução/Google Street View - Reprodução/Google Street View
Caso ocorreu no Habib's da rua Cerro Corá, na zona oeste de São Paulo
Imagem: Reprodução/Google Street View

Cantor diz que nada apagará o que ele viveu

Ao UOL, Abrahão falou que o episódio provocou danos psicológicos irreparáveis. "Eu espero que a justiça seja feita, que realmente faça valer o meu direito como cidadão, como homem preto, principalmente nesse lugar. Que esse caso sirva de exemplo para tantos outros que ocorrem", acrescentou.

O jovem relatou que também ficou abalado com descaso de um dos PMs. Para ele, isso mostra o "quanto a palavra de uma pessoa negra, de um homem preto, não tem valor, não tem significância nenhuma".

A gente entende quais são as camadas do racismo, mas eu não imaginava que eu poderia passar por isso, ainda mais dessa maneira, sabe? A gente vê [o racismo acontecendo] de tantas formas. Enfim, [o ataque] ela foi num ponto bem específico para mim. (...) Fico tentando não ficar pensando muito nisso, mas é inevitável, é tudo muito recente e as marcas estão aí, querendo ou não, tudo vem à tona.
Abrahão Costa, ao UOL

Defesa de cantor fez manifestação junto ao MP-SP

Defensor disse que o pedido ao Ministério Público de São Paulo será para investigar a conduta dos PMs envolvidos na ocorrência. A solicitação também será para pedir a apuração contra a funcionária do local. Segundo o advogado Leonardo Pavão, que representa Abrahão, também será aberta uma ação contra o estabelecimento, visto que a defesa enxerga que houve "um grave abalo psicológico" do cantor e dos outros amigos dele que estavam na lanchonete.

A reportagem busca um posicionamento da PM sobre a conduta dos agentes. Se houver retorno, o texto será atualizado.

Você vê que a própria atitude dos policiais militares ali [é problemática]. Assim, por coisas muito menores, se abre um boletim de ocorrência que, em geral, é uma ofensa gravíssima. [Meu cliente] com prova, com vídeo [da fala da atendente], com vídeo do policial militar ouvindo o áudio das ofensas, e não levaram os envolvidos para a delegacia. Como operador de direito, me causou mais revolta a inércia da Polícia Militar ali.
Leonardo Pavão, advogado

O que diz o Habib's?

Procurado pelo UOL, o Habib's disse que tomou conhecimento do episódio e, "de imediato, fez contato com o cliente e com a loja para apuração do relato". Eles também comunicaram que a funcionária envolvida no caso foi afastada imediatamente.

Reiteramos que o Grupo Habib's não tolera nenhum tipo de discriminação e mantém canais de compliance e demais ações que visam coibir tais atos.
Habib's, em nota ao UOL

A reportagem não encontrou o contato da atendente para pedido de posicionamento. O espaço segue aberto para manifestação.

Cliente não é obrigado a pagar taxa de desperdício, diz especialista

Advogado explica que cultura do "não desperdício" não pode ser imposta aos consumidores pelos fornecedores. Isso inclui a cobrança de valor revertido ao estabelecimento, como a "taxa de desperdício" cobrada a Abrahão e aos amigos deles, explicou ao UOL o advogado especializado em direitos do consumidor Gabriel de Britto Silva.

Trata-se de clara cobrança indevida e de prática abusiva por colocar o consumidor em desvantagem manifestamente exagerada.
Gabriel de Britto Silva, advogado

Consumidor cobrado indevidamente pode se dirigir ao juizado especial cível e entrar com ação judicial contra o fornecedor. O cliente poderá solicitar a restituição do valor pago indevidamente, de forma dobrada, e, caso tenha danos morais, indicar se houve constrangimento dele. "Até 20 salários-mínimos, não é necessário constituir advogado, e o setor de primeiro atendimento do juizado será responsável por redigir a petição inicial e distribuir a ação."

Além disso, o consumidor poderá acionar o Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) municipal ou estadual. O órgão poderá, a partir da gravidade da infração, multar o estabelecimento. O MP (Ministério Público) também pode ser acionado para abrir inquérito civil para investigar o episódio, podendo, posteriormente, ajuizar ação para "reparação de todos os consumidores lesados relativamente à cobrança indevida realizada", esclareceu o especialista.

A Polícia Militar pode ser acionada em caso de ameaça ou constrangimento ilegal do consumidor diante dos casos de cobrança de taxa de desperdício. Segundo Silva, é importante que o cliente documente a situação de alguma forma para provar a ocorrência.

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