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OPINIÃO

Subir Selic perde necessidade com alívio do Fed e desaceleração interna

do UOL

Colunista do UOL

06/09/2024 15h25

Dados do mercado de trabalho americano, divulgados nesta sexta-feira (6) vieram abaixo das previsões. Números mais fracos acentuaram as apostas no início de um ciclo de cortes nas taxas de juros de referência, pelo Fed (Federal Reserve, banco central americano), já a partir deste mês de setembro. Persistem apenas dúvidas se o corte seria de 0,25 ponto percentual ou 0,50 ponto.

A informação é importante para a decisão da taxa básica de juros (taxa Selic), no Brasil. A diferença entre os juros básicos, no Brasil e nos Estados Unidos, é componente que tem reflexos nas variações da cotação do dólar, no mercado brasileiro. Dólar mais alto em reais pressiona preços e, em consequência, a inflação. Dólar mais baixo tende a aliviar pressões inflacionárias.

Se a decisão do Fed for por um corte menor, de 0,25 ponto, permanecerão, pelo menos em parte, as incertezas sobre a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), na mesma quarta-feira, 18 de setembro, em que, horas antes, o Fed definirá sua taxa básica. Caso a redução dos juros nos EUA seja maior, aumentam ainda mais as chances de manutenção da Selic.

Embora importante, o diferencial de juros Brasil/EUA não é o mais relevante para a decisão sobre os juros básicos brasileiros. Antes dele influenciam a decisão do Copom as próprias tendências da inflação e as "desancoragens" em relação ao alvo perseguido pelo Copom — idealmente o centro da meta de inflação, atualmente em 3%, acumulados a cada 12 meses, ou, pelo menos o intervalo de tolerância, que vai de 1,5% a 4,5%, também a cada 12 meses acumulados.

Nesse contexto, a marcha da atividade econômica e seus reflexos no mercado de trabalho são decisivos para a determinação dos juros básicos. Uma economia muito aquecida, num quadro de baixa capacidade ociosa, e com emprego em níveis altos a ponto de pressionar salários para cima, é parte integrante dos riscos de elevação da inflação levados em conta pelo Copom.

O PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre de 2024, que veio forte, e mostrou avanço da atividade econômica de 1,4% sobre o primeiro trimestre, e de 3,3% em relação ao segundo trimestre de 2023, induziu muitos a imaginar que o Copom não poderia escapar de decretar um aumento na taxa básica, já em setembro.

Mas o cálculo para não será tão simples, se, como têm alardeado diretores do Banco Central, de fato, a decisão estiver na dependência do que informem os dados do momento e as projeções para o futuro próximo. Isso porque, se é verdade que a economia andou mais rápido no primeiro semestre, também é verdade que deve desacelerar na segunda metade do ano.

Para se ter uma ideia de quanto foi forte o crescimento no segundo trimestre basta observar a taxa anualizada. Usada nos Estados Unidos como o indicador corriqueiro da evolução da economia, a taxa anualizada sinaliza o tamanho dessa evolução, na suposição de que aquele resultado se repetiria por quatro trimestres. A taxa anualizada do crescimento de 1,4%, no segundo trimestre, bate com um crescimento anual de 5,7%.

Depois de conhecidos os números do segundo trimestre, as projeções para a expansão do PIB em 2024 avançaram para 2,8% a 3%. Diante dos quase 6% da taxa anualizada, os 3% de expansão agora projetados supòem uma desaceleração.

O mesmo ocorre quando se anualiza o crescimento do primeiro semestre. No período a economia cresceu 2,5%. Caso esse ritmo de crescimento fosse mantido no segundo semestre, o ano fecharia com evolução de 5%, bem mais do que os 3% projetados.

São variadas as indicações de uma desaceleração — não queda no crescimento, mas expansão em ritmo mais lento —, nos dois trimestres restantes de 2024. As condições para o consumo das famílias, e mesmo dos investimentos, não resta dúvida, se apresentam menos favoráveis no segundo semestre do que no primeiro.

Os recursos públicos despejados na economia, quase consenso de terem sido os principais impulsionadores do crescimento observado, concentraram-se no primeiro semestre — como, alías, é tradicional na economia brasileira. Além dos recursos transferidos aos beneficiários de programas sociais, turbinados nestes terceiro mandato de Lula, a atividade foi movimentada pelo pagamento de precatórios, antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS e o aumento real do salários mínimo. Também a retomada do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com obras financiadas por dinheiro público contribuiu para o ritmo mais forte do crescimento.

Boa parte desses recursos não voltarão a irrigar a economia, no restante de 2024. Mesmo o efeito multiplicador do salário mínimo acima da inflação tende a se diluir no tempo, com concentração nos primeiros meses de sua aplicação. Quando ao 13º salário do INSS, o efeito será negativo, uma vez que a antecipação do pagamento "roubou" a injeção que irrigava a atividade no fim do ano. Sem falar na pressão sobre a política fiscal, com vistas a exigir cortes, pode-se imafinar que não sobram muitos espaços para ampliação de despesas pelo governo.

Do lado do crédito, que também contribuiu, no primeiro semestre, para impulsionar o consumo, principalmente de bens duráveis, o ambiente, neste segundo semestre, é menos favorável. Para começar, nos primeiros seis meses do ano, as concessões de crédito foram beneficiadas pelos sucessivos cortes nos juros básicos, de 13,75%, em junho de 2023, a 10,5%, em maio deste ano.

A redução importante de 3,25%, no período, produziu efeitos positivos com mais intensidade justamente no primeiro semestre de 2024, obedecendo às defasagens no tempo conhecidas da aplicação da política monetária. Com a taxa básica estacionada em 10,5% e com chances de elevação, não resta dúvida de que serão menores os estímulos creditícios daqui para frente.

Tecnicamente, portanto, não parece necessário elevar a Selic agora em setembro. Mas quem não sabe que as decisões do Copom não são apenas técnicas, mas também políticas, apesar dos discursos em contrário?

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