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Marçal sugere que Bolsa Família produz 'desempregados profissionais'

do UOL

Do UOL, em São Paulo

06/09/2024 12h00

Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo pelo PRTB, é crítico do Bolsa Família. Em sabatinas, sugeriu que os beneficiários do programa são "desempregados profissionais". Antes da campanha, prometeu que encerraria o que chamou de "bolsa miséria".

O que aconteceu

Na sabatina UOL/Folha, Marçal falou que os beneficiários do Bolsa Família são proibidos de trabalhar — o que não é verdade — e sugeriu que são "desempregados profissionais". "A pessoa que está debaixo do assistencialismo é proibida de trabalhar", afirmou. "Você tem milhares de pessoas na situação de desempregado profissional."

Marçal disse ainda que os beneficiários do Bolsa Família são bancados "por uma leitoa bem gorda". O candidato deu a declaração ao responder sobre sua meta de criar 2 milhões de empregos, quando a cidade só tem 500 mil desempregados. Segundo Marçal, o número de desempregados é maior porque deveria incluir "todo mundo que está no assistencialismo".

São Paulo é a cidade do país com maior número de beneficiários do Bolsa Família, 695 mil. O valor médio pago por família é de R$ 669. A folha de pagamento mensal do Bolsa Família em São Paulo passa de R$ 450 milhões.

O candidato afirmou também que o Brasil "não gera mais emprego" por culpa do Bolsa Família. A fala foi dada em entrevista à GloboNews em 27 de agosto. A taxa de desemprego no país, porém, atingiu o menor patamar para maio desde 2014 — 7,1%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Pablo Marçal em sabatina UOL/Folha quando ainda era pré-candidato - 10.jul.2024-Daniela Toviansky/UOL - 10.jul.2024-Daniela Toviansky/UOL
Pablo Marçal em sabatina UOL/Folha quando ainda era pré-candidato
Imagem: 10.jul.2024-Daniela Toviansky/UOL

Antes da campanha eleitoral, Marçal já criticava o Bolsa Família em suas palestras. Em um evento realizado no ano passado, com imagens publicadas no TikTok, Marçal chamou o programa de "bolsa miséria" e disse que era "um sequestro para manter as pessoas na pobreza".

O candidato chegou a prometer que acabaria com o Bolsa Família em 2026 — ano das próximas eleições presidenciais. Na mesma palestra de 2023, Marçal disse que sua alternativa ao programa de transferência de renda seria reduzir impostos de empresas, para que contratassem mais. Um programa federal semelhante já existe há mais de uma década em cidades de pequeno e médio porte, ao custo de R$ 9,4 bilhões ao ano, sem ter eliminado a necessidade do Bolsa Família, que contempla hoje 21 milhões de famílias.

Em outra palestra, Marçal disse que o Bolsa Família é um "incentivo do governo para não fazer nada". O vídeo foi publicado no YouTube. O UOL não conseguiu identificar a data do evento. "Estamos doutrinando um povo para não prosperar. No final das contas é mais pra eleição, mais pra manter a cabeça dessas pessoas trancada", afirmou.

Marçal não respondeu às perguntas da reportagem sobre suas falas a respeito do Bolsa Família. O espaço segue aberto para manifestação.

A ideia que vamos fazer em 2026 é não vai mais existir o "bolsa miséria". Nós vamos isentar a empresa [de impostos] da folha [de pagamento]. Ela não vai pagar o imposto sobre o salário e, ao invés de dar um "bolsa miséria", vai triplicar o dinheiro pra pessoa (...) A pessoa vai sair de casa para aprender uma profissão, mas só vai receber se trabalhar. Pronto.
Pablo Marçal, em palestra em 2023

A pessoa que está debaixo do assistencialismo e proibida de trabalhar, ela é desempregada. Só está sendo bancada por uma leitoa bem gorda. (...) No governo Bolsonaro, o assistencialismo podia ter uma renda alternativa. Você não pode proibir uma pessoa de ter uma renda alternativa, se não ela é um desempregado profissional. Você tem milhares de pessoas na situação de desempregado profissional.
Pablo Marçal, em sabatina UOL/Folha em 4 de setembro

Tem mais de 2.800 cidades no Brasil com gente com Bolsa Família ao invés de ter emprego, e proibindo essas pessoas de ter emprego. É por isso que não gera mais emprego.
Pablo Marçal, em entrevista na GloboNews em 27 de agosto

No Brasil, tem 5.557 cidades. 2.890 [cidades] tem mais gente ganhando incentivo do governo pra não fazer nada, que é o Bolsa Família (...) do que gente com carteira assinada. O que significa esse número assustador? Estamos doutrinando um povo para não prosperar. No final das contas é mais para a eleição, mais para manter a cabeça desse povo trancada.
Pablo Marçal, em palestra em data não identificada

Marçal distorce informações do Bolsa Família

Ao falar sobre o Bolsa Família, Marçal diz que Lula (PT) proibiu que beneficiários do programa trabalhassem. "O presidente anterior [Jair Bolsonaro], ele colocou assim na lei: 'pode ganhar Bolsa Família enquanto tá fazendo outro trabalho'. Esse aí [Lula] acabou de chegar e escreveu assim: 'se trabalhar em outra coisa, perde o Bolsa Família. Significa o quê? Estamos te proibindo de prosperar", afirmou.

"É uma mentira colossal", diz o pesquisador Rafael Osório, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento. "Quando alguém na família consegue emprego, mas a renda divida pelos membros da casa é menor do que meio salário mínimo (R$ 754), é pago 50% do benefício por até dois anos", diz Osório, que estuda políticas de distribuição de renda. Já se a renda por pessoa ultrapassa meio salário mínimo, o benefício é cortado. Segundo a lei, tem direito ao Bolsa Família quem tem renda familiar por pessoa igual ou menor a R$ 218.

Durante o governo de Jair Bolsonaro, as regras eram semelhantes. Era possível continuar recebendo o Auxílio Brasil — criado por Bolsonaro em substituição ao Bolsa Família — após conseguir um trabalho, desde que a renda por pessoa não ultrapassasse o valor de R$ 525 por pessoa. A diferença principal é que o benefício continuava sendo pago no seu valor total, não apenas metade como agora.

Mulher segura o cartão do Bolsa Família e notas de dinheiro - JC Concursos Divulgação - JC Concursos Divulgação
Mulher segura cartão do Bolsa Família e notas de dinheiro
Imagem: JC Concursos Divulgação

Marçal também critica que cerca de metade das cidades do país tem mais beneficiários do Bolsa Família do que empregos formais. Essa é a realidade em 13 das 27 unidades da Federação, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

Osório, do Ipea, diz que muitas cidades têm dificuldade de gerar emprego formal — e que isso não está relacionado ao Bolsa Família. "Alguns municípios tem muitos aposentados, outros não geram empregos formais. Tem cidade, por exemplo, com mais presidiários do que contribuintes", diz Osório, para quem uma das funções do Bolsa Família "é evitar que as pessoas aceitem empregos ruins". "Um jovem que está no ensino médio pode optar por estudar a trabalhar porque tem o auxílio", diz.

Por outro lado, o comércio local ganha vida com o Bolsa Família, diz o pesquisador. "O dinheiro do Bolsa Família vai para o mercadinho, a farmácia. Tem um efeito multiplicador na economia local. Essa historia de desemprego profissional é totalmente boba, não tem qualquer evidência", afirma.

Estudo mostra que oito de cada dez crianças e adolescentes que receberam o Bolsa Família não precisaram mais do benefício na vida adulta. Um levantamento do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social analisou a situação de beneficiários que em 2005 tinham entre 7 e 16 anos. Em 2019, apenas 20% continuavam recebendo ajuda do governo.

Lula retomou o modelo original Bolsa Família, que exige contrapartidas de quem recebe o benefício. É preciso comprovar a frequência escolar das crianças e a manter atualizadas as cadernetas de vacinação da família inteira. Grávidas também precisam de acompanhamento pré-natal.

Procurado, o governo federal não se manifestou.

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