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Mulher dopada pelo marido foi estuprada por 50 estranhos na França: 'Selvageria'

O caso, que horrorizou o país, foi revelado por acaso, quando o marido de Gisèle Pélicot foi preso em 2020 - Christophe Simon/AFP
O caso, que horrorizou o país, foi revelado por acaso, quando o marido de Gisèle Pélicot foi preso em 2020 Imagem: Christophe Simon/AFP

06/09/2024 07h41Atualizada em 06/09/2024 09h07

A francesa Gisèle Pélicot, 71 anos, depôs no tribunal criminal de Avignon, no sul da França, nesta quinta-feira (5), no quarto dia do julgamento contra 51 homens, incluindo seu marido, Dominique Pélicot. Eles são acusados de terem praticado cerca de 200 estupros qualificados contra a vítima. 

A francesa Gisèle Pélicot, 71 anos, depôs no tribunal criminal de Avignon, no sul da França, nesta quinta-feira (5), no quarto dia do julgamento contra 51 homens, incluindo seu marido, Dominique Pélicot. Eles são acusados de terem praticado ao menos 92 estupros qualificados contra a vítima.

Entre 2011 e 2020, Dominique Pélicot, casado com Gisèle há cerca de 50 anos, utilizou um site de encontros para entrar em contato com homens interessados em ter relações sexuais com sua mulher, enquanto ela estivesse inconsciente. Para isso, misturava comprimidos do ansiolítico lorazepam nas suas refeições.

O caso veio à tona por acaso, após a prisão de Dominique Pélicot, em 2020. Ele foi flagrado filmando embaixo das saias das clientes de um shopping center de Mazan, uma pequena cidade perto de Carpentras, onde vivia o casal.

Durante as buscas no local, os investigadores encontraram computadores, HDs e pen drives com cerca de 4.000 fotos e vídeos de Gisèle.

Nas imagens, ela estava visivelmente inconsciente, enquanto era estuprada por vários homens diferentes, muitas vezes ao mesmo tempo. Em novembro de 2020, chamada na delegacia, a francesa então descobriu que era vítima de violência sexual há cerca de nove anos.

'Policiais salvaram a minha vida'

"Meu mundo está desabando, tudo está desabando, tudo que construí durante 50 anos", disse Gisèle Pelicot no tribunal ao se lembrar de quando a polícia mostrou as imagens dos estupros. Na delegacia, ela pensou que tivesse sido convocado para depor sobre o caso do marido.

Durante o depoimento, a idosa ficou surpresa ao ser questionada se tinha uma sexualidade normal, ou se era adepta do swing. "Respondi que não. Apenas um homem poderia me tocar, Dominique Pélicot. Eu só conseguia suportar as mãos dele no meu corpo", declarou.

O policial então avisa que "mostrará imagens que vão surpreender", estendendo para Gisele uma foto em que ela está sendo estuprada por um homem. "Eu não reconheço as pessoas na foto, nem o homem, nem a mulher", lembrou Gisèle ontem no tribunal.

"Estou vestida de uma maneira que não se parece comigo", respondeu, diante da insistência do policial, que continuou mostrando outras fotos. Nesse momento, em estado de choque, ela se deu conta da situação.

Eu estava sendo estuprada, era uma selvageria. O trauma é imenso, só queria ir para casa e ficar ao lado do meu cachorrinho.
Gisèle Pélicot, vítima de estupros coletivos

Na imagem, "estou inerte na minha cama e estão me estuprando. São cenas bárbaras. Sou tratada como uma boneca de pano. Eu me pergunto como aguentei", disse ela, acrescentando que foi "sacrificada no altar do vício". "O corpo está quente, mas eu pareço uma pessoa morta na minha cama."

Na maioria das vezes, os autores do estupro não usavam preservativo. "Por sorte ela não pegou HIV, sífilis e hepatite", declarou a especialista médica Anne Martinat Sainte-Beuve, acrescentando que Gisele contraiu quatro infecções sexualmente transmissíveis.

'Minha vontade é sumir'

De volta para casa, ela se sentiu "perdida", disse em seu depoimento nesta quinta-feira. "Naquele momento, eu só queria desaparecer. Pensei em pegar o carro, meu cachorro, e dar um fim na minha vida. Durou 10 segundos, mas então pensei nos meus filhos, nos meus netos", disse Gisèle Pélicot.

Ela ligou para seus três filhos, que teve com Dominique Pélicot e vivem em Paris, para avisá-los. Caroline, a mais velha, começou a gritar no telefone. "Minha filha gritava como uma fera."

Ela então falou com seus dois outros filhos, David e Florian, que tiveram uma reação mais contida. "Não sei se entenderam bem". Nas horas seguintes, os três começaram a ligar a cada trinta minutos. "Mãe, não suma", imploraram. "Eles estavam preocupados com a minha vida, temem que eu não consiga aguentar", relatou.

Meu mundo está desmoronando, tudo está desmoronando. Tivemos três filhos lindos, sete netos, pensei que éramos um casal muito unido. Até nossos amigos diziam: 'Vocês são o casal ideal'.
Gisèle Pélicot, vítima de estupros coletivos

A polícia pediu que ela deixasse sua casa e até mesmo a região, porque os homens que vieram estuprá-la sabiam onde ela morava. "É muito assustador, estou completamente perdida", descreveu. Gisele então encheu duas malas grandes e foi com os filhos para Paris. "Tudo o que me resta é meu cachorro. Fomos para a estação, estou arrasada... Como vou ser capaz de dar a volta por cima?", contou no tribunal.

Dos homens que a estupraram, ela reconhece apenas um, que foi à sua casa para conversar sobre ciclismo com o marido. "Às vezes eu o encontrava na padaria e o cumprimentava. Não passava pela minha cabeça que ele tinha me estuprado", explicou.

'Boneca de pano'

"Eles me enxergavam como uma boneca de pano, um saco de lixo", disse Gisele sobre seus estupradores. Depois de vários meses cercada por seus filhos, com quem morou em Paris após deixar sua casa em Marzan, ela decidiu morar sozinha. "Eu precisava recriar minha própria vida", descreve. No novo endereço, que continua secreto, ela tenta se reconstruir aos poucos, desde setembro de 2021.

"Estou fazendo novos amigos, me chamam para tomar um café", comemora. "Meus amigos e meus filhos também continuam ao meu lado", continua. Gisèle Pélicot acabou concordando em assistir a todos os vídeos encontrados pela polícia em maio, a pedido de seu advogado, para se preparar para o julgamento.

"São cenas de estupro insuportável, onde às vezes há dois ou três em cima de mim. Estou inanimada, anestesiada, é insuportável", reiterou no tribunal.

Apenas 14 dos 48 réus presentes admitiram os fatos. Três pediram desculpas à vítima.

Quando o magistrado que preside o tribunal questionou como ela se sentia, Gisèle Pélicot resumiu: "A fachada é sólida, mas por dentro sou um campo de ruínas".

'Sentimento de repulsa'

Os réus podem pegar até 20 anos de prisão. O julgamento deve durar até 20 de dezembro. Na próxima semana está marcado o primeiro interrogatório de seu marido, com quem Gisele está em processo de divórcio.

A francesa pediu que o julgamento fosse usado como um alerta sobre o uso de medicamentos nos estupros. No início do processo, ela rejeitou que o julgamento fosse realizado a portas fechadas, como solicitou o Ministério Público e parte da defesa.

Nesta sexta-feira (6), Gisele pediu o encerramento das vaquinhas virtuais de apoio abertas em seu nome e "moderação nas redes sociais".

"A sra. Gisèle Pélicot e sua família agradecem a todas as pessoas que enviaram testemunhos de apoio de todo o mundo desde o início do julgamento", disseram seus advogados Stéphane Babonneau e Antoine Camus em um comunicado nesta sexta (6). "No entanto, nossa cliente deseja preservar a dignidade. Por isso, pede a maior moderação nas redes sociais, não quer a abertura de vaquinhas online e pede o encerramento daquelas já abertas".

(Com AFP)

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