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Sai Campos Neto, entra Galípolo: Como a transição no BC afeta os juros?

Roberto Campos Neto e Gabriel Galípolo - Reprodução
Roberto Campos Neto e Gabriel Galípolo Imagem: Reprodução
do UOL

Do UOL, em São Paulo (SP)

01/09/2024 17h00

Indicado pelo presidente Lula, Gabriel Galípolo substituirá Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central brasileiro a partir de 2025. A transição será a primeira realizada com o BC independente.

Campos Neto fez uma gestão corajosa, mas indicou suas preferências políticas, o que foi considerado um erro. Já Galípolo é habilidoso politicamente, mas enfrenta resistências por ter pensamento heterodoxo. Entenda a seguir os erros e acertos de Campos Neto à frente do BC e o que se espera de Galípolo no cargo.

O legado de Campos Neto

Roberto Campos Neto foi o primeiro presidente do BC independente. A independência do banco foi definida em lei em 2021. Indicado por Bolsonaro ao cargo, ele atuou durante anos no mercado financeiro e tem pensamento liberal. O banqueiro comandou o BC em um momento global desafiador, com a pandemia e conflitos como a guerra da Ucrânia.

Nesse período, o Banco Central se defrontou com o maior pico inflacionário das últimas décadas, com a pandemia e conflitos geopolíticos.
Silvio Neto, sócio da consultoria Tendências

Com a pandemia, juro no Brasil foi a 2% ao ano, o menor da história. O cenário econômico global na pandemia, com queda na atividade, fez com que o Banco Central baixasse a taxa básica de juros do país a 2% a.a. em agosto de 2020, o menor patamar da história.

Nos dois anos seguintes, os juros subiram a 13,75% a.a. O Banco Central brasileiro foi um dos primeiros a iniciar uma subida nos juros. A avaliação de economistas ouvidos pelo UOL é de que a decisão foi acertada, pois anteviu que, após um primeiro momento de queda na atividade econômica, a pandemia e os conflitos globais levariam a um aumento da inflação consistente em todo o mundo, o que de fato ocorreu.

É uma gestão de mais acertos do que erros, em um período em que outros bancos centrais cometeram erros importantes.
Felipe Miranda, fundador da Empiricus Research

Campos Neto manteve um bom nível de independência no BC. Para os economistas, ele segurou as pressões tanto na gestão Bolsonaro quanto na gestão de Lula. No ano eleitoral de 2022, a Selic foi de 9,25% a.a. para 13,75% a.a. A partir de 2023, Lula fez uma série de críticas ao BC, por conta dos juros altos.

Ele e a diretoria foram muito corajosos. O Brasil cortou juros na pandemia antes de todo mundo e depois começou a subir antes. Tanto que subiram a taxa no período da eleição. E, em 2023, com toda a discussão entre Lula e Campos Neto, ele cortou a taxa de juros porque tinha motivos para isso. Seria fácil ele não cortar e dizer que Lula atrapalha
André Perfeito, economista

Outro legado importante de Campos Neto é o avanço do Pix. "Essa não é uma agenda dele, é algo da área técnica do BC e anterior à gestão dele. Mas que, sem dúvida, ele empurrou na direção correta e deu amplitude", diz Miranda, da Empiricus.

Indicações de apoio político foram os principais erros do banqueiro. Na eleição presidencial de 2022, Campos Neto saiu para votar com uma camisa amarela da seleção brasileira, usada pelos apoiadores de Bolsonaro. Em junho de 2024, ele participou de jantar oferecido pelo governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, um dos principais nomes da oposição para concorrer ao Planalto em 2026. Na visão dos economistas, os episódios foram os principais erros do banqueiro. "São coisas que poderiam ter sido evitadas", diz Miranda.

O que esperar de Galípolo

Gabriel Galípolo era o número dois de Haddad na Fazenda. Ele atuou na equipe de transição do governo Lula e, quando governo assumiu, passou a ser o número dois do ministro da Fazenda Fernando Haddad. Em 2023, foi indicado por Lula para o cargo de diretor de Política Monetária do BC.

Como diretor do BC, tinha a missão de diminuir as rusgas entre Lula e Campos Neto. Para André Perfeito, parte do trabalho de Galípolo no BC era apaziguar as relações, e ele conseguiu cumprir a missão.

Ele votou contra a posição de Campos Neto, o que gerou ruídos no mercado. Na reunião do Copom realizada em maio, o placar ficou dividido: cinco diretores votaram por reduzir o ritmo de corte da Selic, com corte de 0,25 ponto percentual, e outros quatro diretores, todos indicados pelo governo Lula, inclusive Galípolo, votaram pelo corte de 0,5 p.p. A divisão no colegiado gerou preocupação no mercado, e teve reflexos na expectativa futura de inflação.

Na reunião seguinte, Galípolo mudou a estratégia e votou junto com Campos Neto. Isso indicou unidade do colegiado e apaziguando o mercado. Para Perfeito, a atitude mostrou flexibilidade e habilidade política de Galípolo. "Ele não teve dúvida de reavaliar a posição dele, se mostrou atento ao colegiado e ao efeito geral da votação anterior. Isso mostra uma capacidade de se rearticular politicamente", diz.

Galípolo terá de enfrentar certa desconfiança do mercado. O indicado de Lula tem um pensamento econômico heterodoxo e publicou três livros com o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, conhecido por seu posicionamento desenvolvimentista.

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que publicas. O mercado olha isso com certa desconfiança. A linha de pensamento do banqueiro central no Brasil desde 1999 foi muito mais ortodoxa.
Felipe Miranda, da Empiricus

A expectativa no curto prazo é de que ele tenha uma postura técnica. Para Miranda, da Galípolo "tem se mostrado preparado para subir juros" e deve ter "uma condução bastante técnica", especialmente no início do mandato. O indicado de Lula disse recentemente que o Copom pode subir os juros se necessário.

A dúvida é como ele agirá em 2026, ano eleitoral. "Se a pressão já é grande hoje, imagina o que poderia ser às vésperas de uma eleição", diz Miranda.

Risco de inflação pode aumentar

A pressão inflacionária pode aumentar nos próximos meses, criando desafios para o Banco Central. O momento econômico do país é positivo, com a taxa de desemprego mais baixa da série histórica (6,8%). Mas isso gera o temor de aumento da inflação. Com isso, parte dos analistas espera um aumento dos juros já em setembro.

O desemprego baixo gera um desafio para o Banco Central, porque pode levar à inflação. É um panorama que tem esse desafio, de riscos maiores de pressão inflacionária à frente.
Silvio Neto, da Tendências

Mesmo que seja necessário subir os juros em 2025, Galípolo deve ter mais facilidade em fazê-lo. Para André Perfeito, é possível que, em 2025, o quadro esteja mais controlado e seja possível inclusive baixar os juros. Mas, se for necessário aumentar a Selic, será menos custoso para Galípolo tomar essa decisão, já que ele foi indicado pelo presidente. "Se acontecer, Lula pode até dizer que é responsável com a inflação. Dentre as possibilidades, ele é a melhor opção para o BC", diz.

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