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Empresas ligadas a assessor de deputado têm R$ 29 mi em contratos com ONGs

Paulo Henrique Durão, assessor do deputado estadual do RJ Luiz Cláudio Ribeiro (Republicanos) - Reprodução/Arte UOL
Paulo Henrique Durão, assessor do deputado estadual do RJ Luiz Cláudio Ribeiro (Republicanos) Imagem: Reprodução/Arte UOL
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Do UOL, no Rio

05/08/2024 05h30Atualizada em 05/08/2024 11h06

Uma rede de empresas ligada ao assessor de um deputado estadual do Rio de Janeiro conquistou R$ 29 milhões em contratos com ONGs que receberam dinheiro de emendas parlamentares para a realização de projetos esportivos e de qualificação profissional.

As quatro firmas —todas com a letra X no nome— pertencem a Paulo Henrique Pimentel Durão, 40; seu pai, Anely Paes Leme Durão, e Jerry Souza de Santana, amigo da família. Os contratos foram assinados desde 2022 e alguns deles se estendem até hoje.

Apesar dos contratos milionários, Paulo Henrique ganhou salário líquido mensal de R$ 2.900 entre julho de 2023 e maio deste ano, período em que esteve lotado no gabinete do deputado Luiz Cláudio Ribeiro (Republicanos) na Alerj (Assembleia Legislativa do RJ).

Um mês antes de ser nomeado assessor, ele criou a empresa PDX Serviços Especializados e Eventos, que assinou seis contratos para realização de eventos, no total de R$ 6 milhões, entre setembro e dezembro, com os institutos Realizando o Futuro e Carioca de Atividades.

Paulo Henrique atua hoje como assessor de Luiz Cláudio Ribeiro na pré-campanha do deputado à Prefeitura de Mangaratiba, na Costa Verde fluminense. O parlamentar relatou que Paulo Henrique executa atualmente atividades políticas no "dia a dia da campanha", apesar de não estar mais empregado em seu gabinete.

O UOL detectou suspeitas de irregularidades em contratos assinados com ONGs por essa rede de empresas ligadas a Paulo Henrique.

Entre elas, estão as escolhas de firmas em concorrências com indícios de manipulação e a compra de produtos além da necessidade, como oito medalhas por aluno em projeto de esporte.

As ONGs que contrataram as empresas ligadas a Paulo Henrique fazem parte de uma rede com fortes indícios de desvios de dinheiro, conforme revela a série de reportagens "Farra das ONGs". Ao todo, a rede de ONGs recebeu quase meio bilhão de reais em emendas parlamentares nos últimos três anos.

Procuradas, as ONGs negam irregularidades e afirmam seguir a lei (veja a íntegra do que elas dizem).

O UOL esteve nas sedes das quatro empresas ligadas a Paulo Henrique na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio —duas delas dividem uma mesma sala comercial, e as outras duas localizam-se no mesmo prédio.

Nenhum representante das firmas se encontrava nos locais. A reportagem também procurou os responsáveis pelas empresas por email, mas não houve retorno.

Farra das ONGs: Paulo Henrique Durão (centro); o pai dele, Anely Paes Leme Durão (à esq.) e Jerry Souza de Santana, amigo da família (à dir.) - Reprodução/Arte UOL - Reprodução/Arte UOL
Paulo Henrique Durão (centro); o pai dele, Anely Paes Leme Durão (à esq.), e Jerry Souza de Santana, amigo da família (à dir.)
Imagem: Reprodução/Arte UOL

Deputado diz 'desconhecer passado' de assessor

O UOL questionou o deputado sobre as atividades empresariais do assessor. Ele disse desconhecer "essa questão do passado" de Paulo Henrique. Segundo ele, o assessor cumpria uma "rotina de trabalho no gabinete. O 'para trás' eu desconheço".

Ribeiro reiterou desconhecer outras atividades de Paulo Henrique ao ser questionado sobre contratos da PDX com verba federal no período em que esteve lotado em seu gabinete.

Em 2022, na campanha à Alerj, Ribeiro recebeu 32.849 votos, ficando como suplente do PSD, seu partido à época. Em fevereiro de 2023, assumiu a cadeira no Legislativo fluminense, com a saída de colegas da legenda que assumiram cargos no Executivo.

Apesar de ter sido eleito pelo PSD, do prefeito Eduardo Paes, Ribeiro migrou recentemente para o Republicanos, aproximando-se da direita. No mês passado, ele participou de eventos ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), divulgados nas redes sociais do deputado.

O deputado estadual do RJ Luiz Cláudio Ribeiro (Republicanos) - Reprodução/Rede Social - Reprodução/Rede Social
O deputado estadual do RJ Luiz Cláudio Ribeiro (Republicanos)
Imagem: Reprodução/Rede Social

Concorrência entre pai e filho

Em agosto de 2022, o pai de Paulo Henrique, Anely Durão, abriu a WAX Serviços Especializados e Eventos.

De lá para cá, a firma assinou R$ 11,8 milhões em contratos com quatro ONGs: a Con-tato e os institutos Carioca de Atividades, Crescer com Meta e Realizando o Futuro.

As contratações dizem respeito a serviços de eventos e publicação de resultados de projetos.

O maior contrato da PDX (empresa de Paulo Henrique), de R$ 1,7 milhão, foi conquistado após pesquisa de preços em que uma das concorrentes era a WAX.

A pesquisa de preços é uma espécie de concorrência feita pelas ONGs com três empresas —a firma que apresenta o melhor preço sai vencedora.

Dono de firma recebeu auxílio emergencial

Em julho de 2023, foi fundada a JerryX Serviços Especializados e Eventos, que pertence a Jerry Souza de Santana, amigo de Anely.

A firma já assinou contratos que, juntos, têm o valor de R$ 11 milhões com o Instituto Realizando o Futuro e a Con-tato para a realização de eventos.

As sedes da JerryX e da WAX, do pai de Paulo Henrique, ficam em uma mesma sala num prédio comercial da Barra da Tijuca.

Jerry Santana mora em uma casa simples em Mesquita, na Baixada Fluminense, e chegou a receber auxílio emergencial do governo federal durante a pandemia em 2020 e 2021.

Em dois contratos assinados —um de R$ 1,2 milhão e outro de R$ 964 mil—, a JerryX concorreu com a WAX na pesquisa de preços. Em outro, de R$ 1,7 milhão, concorreu com a PDX.

Outra empresa da rede é a AVX Locação de Veículos, também pertencente a Paulo Henrique. Criada em dezembro de 2022, a firma assinou dois contratos para serviços de transporte com o Instituto Realizando o Futuro, no valor total de R$ 142 mil.

A rede do assessor - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Três empresas, três ofertas de preços iguais

A reportagem detectou fortes indícios de irregularidades em contratos assinados por essas empresas com ONGs.

É o caso de um contrato de mais de meio milhão de reais conquistado pela WAX no projeto Transformação, de aulas gratuitas de esportes, realizado pelo ICA (Instituto Carioca de Atividades) com recursos de uma emenda da bancada de parlamentares do Rio de Janeiro.

Documentos enviados por três empresas participantes de pesquisa de preços, entre elas a WAX, mostram que elas apresentaram o mesmo valor para a realização de um "evento de culminância" do projeto: R$ 527.150 (veja abaixo).

No entanto, a ata final feita pela ONG (documento em que as propostas de preços são reunidas), alterou os valores, colocando R$ 527.170 e R$ 527.180 para as outras duas firmas, o que fez com que a WAX fosse a vencedora.

Farra das ONGs: Documentos mostram divergência de valores entre documentos enviados por empresas e ata final divulgada por ONG - Reprodução - Reprodução
Documentos mostram divergência de valores entre documentos enviados por empresas e ata final divulgada por ONG
Imagem: Reprodução

O UOL não localizou nenhum documento do ICA detalhando a prestação de serviço.

O relatório final de prestação de contas da ONG, enviado à Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), que acompanhou a execução do projeto, tampouco traz detalhes do evento.

O projeto Transformação foi encerrado em janeiro de 2023, e a WAX recebeu no mês seguinte o pagamento integral do contrato.

O ICA afirmou, por email, que "a empresa escolhida pela instituição nem sempre é somente pelo preço, mas também pela qualidade e expertise na prestação dos serviços".

A ONG não esclareceu, contudo, por que modificou os valores propostos pelas empresas na ata final da pesquisa de preços.

A Unirio anunciou na semana passada que uma comissão da universidade analisará os indícios de desvios de dinheiro público apontados em reportagens do UOL. A previsão é de que, em 45 dias, seja produzido um relatório sobre os contratos.

A universidade também diz que criará, neste mês, um grupo de trabalho para regulamentar a tramitação das emendas parlamentares na instituição.

Mais medalhas e lanches do que o necessário

Em outro contrato, a WAX recebeu R$ 363.860 para a realização de 23 eventos (R$ 15.820 cada um) no projeto Forma e Movimento.

Realizado em 2023 pelo ICA, o projeto de aulas gratuitas de esportes foi bancado por uma emenda do ex-deputado federal Ricardo da Karol (PL-RJ).

Para esses eventos, segundo notas fiscais localizadas pelo UOL, a empresa teria que fornecer 19.600 kits de lanche e 19.600 medalhas —852 unidades de cada item por evento.

Como a previsão para cada evento no planejamento feito pela ONG seria de cem participantes, cada aluno teria direito a ao menos oito medalhas e lanches.

Uma das notas fiscais emitidas pela WAX detalha a quantidade total do serviço previsto no contrato, com 19.600 kits lanche e medalhas - Reprodução - Reprodução
Uma das notas fiscais emitidas pela WAX detalha a quantidade total do serviço previsto no contrato (19.600 kits lanche e medalhas)
Imagem: Reprodução

O ex-deputado Ricardo da Karol foi procurado por WhatsApp e rede social, mas não houve retorno. O espaço segue aberto.

O ICA disse que "as contratações são realizadas de acordo com a necessidade de cada evento".

O Ministério do Esporte, que acompanhou a execução do projeto, foi procurado por email, mas não comentou o caso.

Pagamento antes de projeto

A PDX Serviços Especializados, de Paulo Henrique Durão, repetiu, no maior contrato conquistado até agora com ONGs, um indício de irregularidade comum entre empresas que fornecem serviços de eventos para essas entidades: o pagamento antecipado de ao menos parte do valor do contrato mesmo antes de o projeto da ONG começar.

Jurisprudência no TCU (Tribunal de Contas da União), que analisa contratações com dinheiro público, condena a prática, a não ser em casos excepcionais, mediante justificativa.

De um contrato de R$ 1,7 milhão para realização de eventos sem qualquer descrição do que sejam, a empresa recebeu R$ 348 mil do ICA, em 8 de fevereiro.

Só que o projeto Globalizar, de aulas gratuitas de esporte, só foi lançado pela Unirio, parceira na execução, um mês depois, em 7 de março.

Esse contrato foi conquistado pela PDX após pesquisa de preços em que a WAX foi uma das duas outras concorrentes.

A Unirio disse que o caso será apurado, mas que o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil estabelece que as entidades sigam a lógica privada em suas contratações, podendo o pagamento antecipado ser utilizado na negociação de valores.

Empresa com outro assessor

Escrevente de um cartório no Rio até 2020, Paulo Henrique também foi um dos donos da PRD Empreendimentos entre 2015 e maio do ano passado.

O UOL apurou que essa firma tem contratos com ONGs bancados com recursos da Prefeitura do Rio ao menos desde 2019.

Nesse período, Paulo Henrique foi sócio de Daniel Vicente Salgado Lopes na PRD. Ambos deixaram a empresa na mesma data.

Lopes também foi lotado no gabinete do deputado Luiz Cláudio Ribeiro praticamente no mesmo período de Paulo Henrique. Os dois foram exonerados, a pedido próprio, na mesma data: 29 de maio.

O parlamentar afirmou que Lopes também fazia serviços de rotina no gabinete e que continua atuando para ele em trabalhos de pré-campanha eleitoral.

O atual dono da PRD é Sérgio Gonçalves.

Ele é pai de Raphael da Silva Gonçalves, companheiro de Cintia Gonçalves Duarte, presidente da Con-tato, uma das ONGs que faz parte da rede suspeita de desvio de recursos públicos investigada na série de reportagens do UOL.

Raphael Gonçalves também é presidente da ONG Solazer, que recebeu R$ 12 milhões do ICA para contratação de pessoal com recursos de emendas parlamentares nos últimos três anos.

A ONG Con-tato nega que Raphael tenha qualquer relação com a entidade. Sérgio Gonçalves foi procurado por email, mas não retornou.

Raphael enviou nota, por WhatsApp, após a publicação da reportagem, em que afirma que a PRD nunca prestou serviços para a Solazer.

"Não falo com Sérgio Gonçalves (meu Pai) há 10 anos, pois tivemos um problema de família e não mantenho qualquer contato com ele. Agora posso afirmar que ele trabalhou no ramo da Engenharia Civil por mais de 35 anos no qual inclusive se aposentou", acrescentou.

"Não tenho qualquer ingerência na indicação da empresa que ele é sócio ou foi sócio para qualquer ONG. E reforço que na Solazer, na qual sou presidente, essa empresa não presta serviço, assim como também não prestou serviços para a Con-tato", concluiu.

Após a publicação da série de reportagens, a Abong (Associação Brasileira de ONGs) procurou o UOL e afirmou repudiar a conduta das ONGs com indícios de irregularidades.

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