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Atletas palestinas dão pausa na guerra e representam refugiados da Cisjordânia ocupada em Paris 2024

02/08/2024 11h44

Cerca de vinte jovens esportistas palestinas estão na França para os Jogos Olímpicos de Paris 2024. O projeto, administrado por uma associação, tem como objetivo romper o ciclo de guerra e promover os valores de paz e solidariedade incorporados pelo movimento olímpico. Elas retornam nesta sexta-feira (2) para os 11 campos de refugiados onde moram, na Cisjordânia ocupada por Israel.

Anne Bernas, da RFI

Foi preciso muita espera, suor, medo e, às vezes, raiva para chegar lá. Em temperaturas próximas a 40°C na terça-feira (30), elas agitaram suas enormes bandeiras palestinas no Estádio Olímpico, em Paris. As câmeras oficiais transmitiram seus sorrisos e alegria na tela gigante acima da quadra de basquete 3x3 da Praça da Concórdia.

"É um sonho que se tornou realidade estar na França durante os Jogos Olímpicos", dizem as 22 esportistas palestinas em uníssono, amadoras e profissionais misturadas, que moram em onze dos dezenove campos de refugiados na Cisjordânia ocupada.

Um sonho repleto de armadilhas, porque assim que adentraram o perímetro das Olimpíadas de Paris, a poucos passos da Place de la Madeleine, uma dúzia de policiais isolou a delegação na calçada da Rue Royale para "verificações".

"Está muito quente e não entendo por que temos que esperar aqui", disse uma delas, com a camiseta com uma melancia - símbolo da resistência palestina - colada ao corpo. 

Os keffiyehs (lenços palestinos), braçadeiras e bandeiras palestinas representam um problema para a França? A equipe olímpica palestina faz parte dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, juntamente com as outras 200 nações que se classificaram para esta 33ª Olimpíada dos jogos modernos. Em toda a capital francesa, há uma semana, bandeiras nacionais estão sendo exibidas nas costas de turistas de todo o mundo.

Em seguida, há uma conversa com os soldados - em contato telefônico com o "alto escalão" - diante dos olhos atônitos das jovens: a Associação para a geminação entre os campos de refugiados palestinos e as cidades francesas (AJPF) receberam essas cerca de vinte jovens esportistas de 21 de julho e até esta sexta-feira (2), para ajudá-las a descobrir as modalidades, praticar algumas delas, compartilhar suas vidas diárias com os franceses, mas, acima de tudo, "para dar vida e promover os valores olímpicos de igualdade e paz por meio do esporte para todos".

 

Com o apoio do Ministério das Relações Exteriores da França e do Consulado da França em Jerusalém, a associação, que está comemorando seu 35º aniversário, desejou usar os Jogos Olímpicos de 2024 para promover o esporte popular para mulheres. O programa incluiu sessões de treinamento, visitas e discussões com jovens, com os quais eles falam sobre suas vidas diárias e explicam a sorte que têm de viver em liberdade. Elas também compartilham sua cultura e conversaram com os prefeitos das seis cidades francesas parceiras do projeto.

Embaixadoras da Palestina

Depois de uma "investigação", o cerco de segurança em torno da delegação foi relaxado. Apenas os cartazes com o logotipo da AJPF, que o grupo usou para não se perder, foram confiscados pela polícia... "Vamos lá, vamos lá! Vamos, vamos embora!", exclama Leïla. Os longos quinze minutos de incompreensão no meio do calor não diminuíram em nada o entusiasmo das jovens esportistas palestinas, que tiveram um dia inesquecível em mais de um sentido.

Depois de acordar de madrugada para chegar a tempo em Paris, vindas de Villeneuve-Saint-Denis, na região de Seine-et-Marne, a maratona das jovens começou com uma visita à Torre Eiffel. A delegação se esforçou para chegar a tempo, parando em todas as oportunidades para fotografar a Dama de Ferro. Do segundo andar, enquanto ressoava o clamor da partida de vôlei de praia que estava sendo disputada ao vivo no Campo de Marte, logo abaixo da famosa torre, as selfies começaram a se multiplicar.

No alto, após alguns avisos de que é estritamente proibido exibir bandeiras no local, os telefones continuaram a todo vapor, com algumas das jovens até mesmo fazendo ligações de vídeo com seus parentes na Palestina.

É maravilhoso, sabemos como somos sortudas", disseram três delas em coro, "mas ainda estamos infelizes e tristes, porque sabemos o que nossas famílias e entes queridos estão passando neste momento na Palestina".

"Essas jovens representam o futuro da Palestina, e esperamos e lutamos para que elas estabeleçam as bases para uma Palestina livre no futuro", diz Camille Naget, membro da AJPF por trás do projeto.

"Estávamos absolutamente determinados a realizar esse projeto em torno das Olimpíadas, para que os jogos não sejam apenas uma competição internacional que pertence a outros", completou. E Naget, membro ativo da AJPF, que não poupa esforços para garantir que as jovens aproveitem sua estadia, insiste que os Jogos Olímpicos devem incorporar e promover os valores do espírito olímpico: solidariedade, paz e fraternidade.

"Queríamos que as mulheres, que são o rosto da Palestina hoje, que praticam esporte diariamente, nos campos de refugiados, em condições difíceis, também fizessem parte deste momento. Como a Palestina está em um momento sem precedentes em sua história, um massacre em uma escala nunca vista desde a Nakba, também queríamos que elas fossem embaixadoras da Palestina", defende a ativista.

"Na França, a mídia constantemente desumaniza os palestinos. Queríamos que eles viessem e falassem sobre suas condições de vida, para que pudéssemos dar um rosto ao sofrimento que o povo palestino está enfrentando hoje", afirmou.

"Sem dois pesos e duas medidas, basta!"

A situação na Cisjordânia e na Faixa de Gaza é onipresente nas mentes dessas jovens "embaixadoras", vestidas a rigor para a ocasião, algumas delas pintadas com as cores do keffiyeh ou da bandeira palestina. O número de mortos no enclave chegou a 40 mil, e os controles e prisões estão se intensificando constantemente nos territórios ocupados, onde mais de 500 palestinos foram mortos desde 7 de outubro. De acordo com o Comitê Olímpico Palestino, 300 atletas e voluntários esportivos foram mortos na Faixa de Gaza.

Durante uma pausa sob a Torre Eiffel, após a visita, as notícias de guerra voltam à tona. Vídeos da vida cotidiana em Gaza e na Cisjordânia fizeram alguns telefones apitarem enquanto as jovens esportistas finalizavam seus últimos "stories" sobre o monumento parisiense. Cada uma delas tem um parente ou amigo próximo que foi morto ou preso por Israel.

Depois de uma longa e quente caminhada pela calçada parisiense, chegou a hora dos parabéns do embaixador palestino na França. Entre alguns abraços para as meninas e algumas lágrimas mal escondidas para várias delas, Hala Abou Hassira agradeceu calorosamente à AJPF e depois transmitiu uma mensagem clara em árabe e francês.

"Essa iniciativa maravilhosa chega em um momento muito importante. Estamos testemunhando um evento global: os Jogos Olímpicos. A participação de jovens mulheres palestinas significa que elas estão levando a mensagem do povo palestino, levando a causa do povo palestino. Elas também representam a bela face da Palestina, que é uma das nações. Não somos diferentes de nenhum outro povo da Terra", declarou.

O esporte é um elemento que leva à paz, mas a paz e a liberdade só podem ser alcançadas por meio da resistência. (Ruwaida, moradora do campo de Aida, na Cisjordânia ocupada)

"Não há dois pesos e duas medidas. Basta. Temos muita excelência, mas também temos amor pela vida. Esta é uma mensagem para dizer que devemos continuar a lutar, em primeiro lugar e acima de tudo, por nossa liberdade, para fortalecer nossa resiliência na terra em que estamos enraizados e para enviar uma mensagem ao mundo inteiro: somos um povo que também aspira à paz, à liberdade e à igualdade. Esse é um direito fundamental, e é por meio de iniciativas como essas que vejo essa visibilidade se tornar realidade. Continuaremos juntos até a libertação. Viva a Palestina, viva a França", concluiu o diplomata.

O dia está chegando ao fim, mas a temperatura ainda não caiu. Ruwaida, com os olhos cansados do longo dia, se esforça para desamarrar sua bandeira palestina, que é tão grande que parece um vestido. Ela mora no campo de Aida, mas tem muitos familiares em Gaza.

"Minha presença nas Olimpíadas é muito importante, para mostrar que estamos lá", confessa. "Estou muito orgulhosa por ter carregado a bandeira palestina hoje, apesar de todas as dificuldades que encontramos. O esporte é um elemento que leva à paz, mas a paz e a liberdade só podem ser alcançadas por meio da resistência. E as mulheres são muito importantes na questão palestina. As mulheres são as plantas e as flores da Palestina, mas também são sua força", declarou.

Nesta sexta-feira (2), as jovens partiram para seus respectivos campos de refugiados para contar a história de sua jornada esportiva, tanto literal quanto figurada, e para divulgar sua mensagem: a de jovens mulheres refugiadas em seu próprio país. De acordo com a UNRWA, mais de 871.000 palestinos vivem nesses campos de refugiados. Há quase 6 milhões deles em todo o mundo.

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