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'Começou aos 5 anos', diz jovem que luta contra o vício em pornografia

Matheus compartilha suas experiências para ajudar outros homens que consomem pornografia em excesso - Reprodução/Instagram
Matheus compartilha suas experiências para ajudar outros homens que consomem pornografia em excesso Imagem: Reprodução/Instagram
do UOL

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

01/08/2024 12h00

Um jovem empresário de 25 anos de Niterói, no Rio de Janeiro, está ganhando destaque nas redes sociais com vídeos que documentam sua jornada pessoal para superar o vício em pornografia.

O que aconteceu

Em entrevista ao UOL, o empresário contou que decidiu compartilhar com as pessoas o drama que enfrenta por causa do seu impulso imparável de consumir pornografia, para servir de exemplo. Ele espera que outros homens como ele percebam que podem estar sendo afetados e caminhando para o vício.

O jovem, que começou a postar os primeiros vídeos em seu perfil no Instagram, falando sobre sua condição usando uma máscara, teme revelar seu nome completo. Prefere ser chamado apenas pelo primeiro nome, Matheus.

O primeiro contato de Matheus com a pornografia aconteceu antes dos cinco anos, quando um colega mais velho colocou um filme pornográfico na televisão. "Os detalhes ficam bem 'embaçados' na minha mente," explica.

Ao longo dos anos, o consumo de pornografia de Matheus foi se intensificando, especialmente a partir dos 14, quando passou a ter acesso a um celular. "A frequência de consumo dobrou quando eu tinha 14 anos, e aos 20, eu estava imerso em uma depressão e a pornografia se tornou uma válvula de escape", conta Matheus. Foi somente aos 21 anos que ele percebeu o impacto negativo do vício e começou a tomar medidas para controlá-lo.

O jovem afirma que o vício teve um impacto significativo em sua produtividade e energia, especialmente quando começou a trabalhar em casa. "Sentia que me prejudicava principalmente na hora de prospectar clientes", diz. Embora não tenha afetado sua autoestima ou relacionamentos pessoais diretamente, Matheus reconhece que a pornografia funcionava como uma muleta emocional, agravando sua depressão.

Matheus identificou que os abusos sofridos na infância foram a causa subjacente do seu vício. Ele optou por não detalhar quem foram os agressores, mas enfatiza a importância de reconhecer e tratar os traumas para superar o vício. "Sem autoconhecimento, não é possível ressignificar nossos traumas", destaca, mencionando que a terapia foi crucial no seu processo de recuperação.

Calibrando as redes

Para lidar com a vontade de consumir pornografia, Matheus adota diversas estratégias, como calibrar suas redes sociais para evitar conteúdos sensuais e evitar filmes que possam dar gatilho. Além disso, ele conta com o apoio constante de sua esposa, que o incentivou a buscar terapia.

No meu caso, o vício nunca atrapalhou nossa vida sexual e minha esposa sempre incentivou o diálogo sincero sobre nossas vulnerabilidades. Desde o início, ela me apoia na minha recuperação, porque me ama muito e vê o quanto isso me faz mal. Sou muito grato pelo apoio dela e não sei o que seria de mim sem ela.
Matheus

A espiritualidade também desempenhou um papel importante na recuperação de Matheus. Durante seu período de depressão, ele percebeu o quanto queria melhorar como pessoa e mudar sua realidade.

A prática espiritual e o autoconhecimento me recarregavam, enquanto a pornografia, como qualquer outro vício que exista, me drenava. Quando você está comprometido com seu crescimento pessoal e espiritual, seja em um contexto religioso ou não, você percebe que vício nenhum pode ter poder sobre a sua vida. Sou espiritualista, então, minha prática espiritual é ampla e diversa. Embora eu não siga à risca os preceitos bíblicos, Matheus 6:24 se encaixa perfeitamente neste contexto: 'Não é possível servir a dois Senhores'. Ou você serve ao seu vício, ou você serve ao seu crescimento.
Matheus

O jovem acredita que o autoconhecimento é essencial para vencer o vício. "Você precisa se questionar no seu interior e se entender, para encontrar a raiz do vício," aconselha. Com o objetivo de ajudar outras pessoas, ele criou o projeto Anti-Pxrnxgrafia (@antipxrnxgrafia), onde compartilha suas experiências e progressos.

Criado há menos de um ano, seu perfil no Instagram, onde ele posta imagens e vídeos com o dia a dia de sua luta contra o vício, já conta com 50 mil seguidores. Matheus conseguiu ainda firmar parcerias e lançar uma comunidade paga, que busca gerar conscientização sobre o problema da pornografia e oferecer apoio profissional aos membros. "Quero poder ajudar outras pessoas nesse processo também," conclui Matheus, esperançoso de que novas gerações possam evitar cair no mesmo vício.

Pornografia não é o problema

O psiquiatra e psicoterapeuta Saulo Ciasca esclarece que não existe um diagnóstico formal de "dependência de pornografia" nos códigos diagnósticos atuais. Porém, sintomas problemáticos podem ser associados ao transtorno do comportamento sexual compulsivo e ao uso excessivo de pornografia.

Ciasca destaca que a pornografia em si não é necessariamente um problema, mas a forma como é utilizada pode ser prejudicial. Sinais de uso problemático incluem frequência excessiva, prejuízos nos relacionamentos e no trabalho, sentimento de culpa e vergonha, tolerância aumentada e disfunções sexuais.

O consumo excessivo de pornografia afeta o cérebro de maneira semelhante a outras dependências, ativando os circuitos de prazer e recompensa e levando à liberação de dopamina. Com o tempo, pode-se desenvolver uma tolerância, necessitando de conteúdos mais extremos para sentir o mesmo nível de prazer.
Saulo Ciasca

Diversos fatores psicológicos e emocionais podem levar a esse consumo exagerado, como tentativa de escapar da realidade, aliviar estresse, solidão, traumas emocionais e conflitos de relacionamento. Impactos negativos incluem dificuldade em desenvolver relacionamentos íntimos, transtornos de humor, baixa autoestima, e expectativas irreais sobre o sexo, avisa Ciasca.

Adolescentes e adultos jovens, pessoas com transtornos mentais e histórico de abuso são mais vulneráveis. Tratamentos eficazes incluem Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), terapias baseadas em mindfulness, grupos de apoio e, em alguns casos, tratamento farmacológico, explica o especialista.

A TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) é uma abordagem prática para modificar padrões de pensamento e comportamento disfuncionais, ajudando os pacientes a controlar seus impulsos e reconstruir suas vidas. A família e os amigos podem desempenhar um papel importante no apoio à recuperação, proporcionando um ambiente de compreensão e incentivo.
Saulo Ciasca

A educação sexual é crucial na prevenção do uso problemático da pornografia, desmistificando a sexualidade e discutindo os efeitos negativos. A sociedade pode lidar com a normalização da pornografia, segundo o psiquiatra, por meio de conscientização pública e regulamentação da indústria pornográfica.

A inserção da religião na questão, porém, deve ser observada com critério. Há entidades oferecendo cursos de capacitação e até de pós-graduação no que chamam de "Aconselhamento Bíblico e Distúrbios da Sexualidade". São cursos voltados a pastores e profissionais em saúde mental "cristãos", um público cujos valores, se interferirem na prática médica, podem inclusive ferir o código de ética.

A religião pode oferecer uma abordagem simplificada e moralista da sexualidade, o que pode ser prejudicial ao tratamento e ao desenvolvimento de uma sexualidade saudável, ao impor normas rígidas e ignorar a complexidade das experiências humanas. Profissionais de saúde devem garantir que seus valores religiosos não interfiram no cuidado do paciente, conforme o código de ética médica.
Saulo Ciasca

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