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Mulher de 90 anos terá que deixar casa onde vive há 3 décadas: 'Desumano'

do UOL

Do UOL, em São Paulo

20/07/2024 04h00

Uma mulher de 90 anos recebeu a notificação da Justiça para deixar a sua casa, onde vive há mais de três décadas, na região rural de Paraibuna (SP).

O que aconteceu

A ação por reintegração de posse é movida pela CESP (Companhia Energética do Estado de São Paulo). Maria Benedicta Gaspar tem até o dia 28 para sair de casa.

A mulher comprou o terreno em 1989. Na época, Maria Benedicta pagou o valor de 400,00 cruzados novos por 26.847 m², o que equivale a pouco mais de 1 alqueire (24.200 m²) de terra a uma pessoa que já morreu. Ela tem recibo de compra e venda. A área que comprou, no entanto, já havia sido desapropriada nos anos 1970 e, na época, pertencia à Eletrobras —em 1991, passou a ser da CESP. Ou seja, Maria teria sido vítima de um golpe. A terra está localizada perto da Usina Hidrelétrica de Paraibuna.

Operadora da usina entrou na Justiça para reintegração de posse. A CESP moveu o processo judicial contra a aposentada em 2014. No ano seguinte, a Justiça determinou a perícia, que comprovou que a casa estava dentro da área correspondente à empresa. A sentença reconheceu que houve uma invasão. Em 2017, foram expedidos os primeiros mandados de reintegração. No início de julho, um oficial de Justiça foi até o local e deu o prazo de 20 dias para a saída de Maria Benedicta. Não cabe mais recurso.

Família diz que determinação da Justiça é desumana e pede acordo com a CESP. "Essa casa foi a primeira a surgir naquele lugar, onde só tinha mato. O que a família quer é que a minha mãe permaneça na terra que é dela, que comprou e pagou. Há gente construindo mansão naquela região, e eles lutando para tirar a minha mãe que mora em casa de pau a pique?! O que eles estão fazendo é desumano", protesta Margarete Gaspar, filha de dona Maria Benedicta, em entrevista ao UOL.

O que a gente queria é que [a CESP] deixasse ela permanecer no local até o fim da vida dela. Já vai fazer 91 anos. Ali é uma casinha de madeira e barro, que ela mesma construiu com as próprias mãos. É um apego emocional. Cláudia Alves Marco, de 40 anos, neta da aposentada

Dona Maria Benedicta, de 90 anos, vive em casa na zona rural de Paraibuna (SP) - Imagem/Arquivo Pessoal - Imagem/Arquivo Pessoal
Dona Maria Benedicta, de 90 anos, vive em casa na zona rural de Paraibuna (SP)
Imagem: Imagem/Arquivo Pessoal

Advogados dizem que Maria pode ir à Justiça por um acordo. A reportagem também ouviu alguns advogados que, após terem acesso à ação, disseram que a causa já está definida, mas que a família pode, sim, entrar na Justiça e pedir um acordo com a CESP.

O Judiciário pode e deve intervir numa situação extrema como essa para buscar a conciliação entre as partes. E é possível respeitar a função social da terra, respeitar até o perecimento [morte] de dona Benedicta, [deixar] que ela permaneça na casa. E que a ordem de reintegração fique suspensa. Se não tiver a boa vontade da CESP, o Judiciário não terá nem o que fazer. Isso já não é mais uma questão jurídica, já passou para o campo social. Advogado Breno Rafael Rebelo Gil, especialista em direito imobiliário

CESP evita falar em acordo

Companhia diz que preza pela reintegração pacífica. Apesar de afirmar ter um compromisso com a responsabilidade social e ambiental, ao ser questionada, a empresa optou por não se manifestar sobre um possível acordo com a família da aposentada.

A CESP, Companhia Energética de São Paulo, operadora temporária da Usina Hidrelétrica Paraibuna, informa que a reintegração de posse foi determinada pela Justiça, em trâmite na Vara Única da comarca de Paraibuna desde 2014. A CESP preza pela reintegração pacífica, com respeito aos direitos e garantias de todos os envolvidos, reafirmando seu compromisso com a responsabilidade social e ambiental, priorizando a segurança e o cumprimento das normas. O imóvel em questão foi desapropriado pela União na década de 70, para formação do reservatório da Usina Hidrelétrica Paraibuna. Portanto, está vedado o uso da propriedade pública para habitação domiciliar.
CESP, em comunicado enviado ao UOL

Onde e como vive dona Maria Benedicta

Dona Maria Benedicta - Imagem/Arquivo Pessoal - Imagem/Arquivo Pessoal
Casa onde vive dona Maria Benedicta, no Morro dos Macacos, em Paraibuna (SP)
Imagem: Imagem/Arquivo Pessoal

Aposentada ganha um salário mínimo por mês. A idosa —que irá completar 91 anos em setembro— sempre trabalhou na zona rural. Foi casada duas vezes. Ficou viúva em 2010. É mãe de 11 filhos.

Dona Maria Benedicta vive hoje sozinha. Porém, ela conta sempre com o revezamento de filhos para acompanhá-la na casa. Tem alguns problemas de saúde, como diabetes e pressão alta.

Hoje a minha mãe não dorme mais. A tristeza tomou conta dela, tanto que ela não quer nem comer. Ela diz que não tem mais razão de viver. A gente diz que quer levá-la embora para a casa dos filhos, mas ela quer ficar na casa dela. Ela se sente muito mal quando as pessoas falam que ela invadiu. Ela não fala que não invadiu, que não pegou do outro, que comprou com muito sacrifício. Margarete, filha da idosa

Casa fica no Morro dos Macacos e é feita de pau a pique. Possui dois quartos, sala, cozinha e banheiro. É de barro, não tem piso nem azulejo.

Eu tenho o meu cantinho, mas o pessoal está me perturbando, querendo me tirar daqui. Eu cheguei aqui era puro mato, nem caminho tinha. Eu fiz até promessa para a Nossa Senhora me ajudar a comprar [essa terra]. Depois que a Nossa Senhora me ajudou a comprar isso daqui, o pessoal quer me tirar. Eu paguei e entrei. Pessoal, me ajude. Tenha piedade.
Maria Benedicta, em vídeo cedido ao UOL

Errata: este conteúdo foi atualizado
A medida oficial de um alqueire é 24.200 metros quadrados e não 26.847 metros quadrados, como havia sido publicado.

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