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OPINIÃO

Lula, Delfim e a mão visível

do UOL

Colunista do UOL

08/07/2024 04h00

Em entrevista à edição nº 39 da revista "Desafios do Desenvolvimento", do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), no dia 25 de janeiro de 2008, o ex-Ministro da Fazenda e Professor Antônio Delfim Netto afirmou:

A mão invisível do mercado só funciona com a mão visível do Estado. Agora, a urna reflete os sentimentos das pessoas. O que falta para os economistas é colocar como modelo a urna. Ela é que permite que uma política virtuosa tenha continuidade. Mesmo que haja sucessão, como tem que haver mesmo, há uma continuidade das virtudes. Mas quando se tenta ser virtuoso demais, a urna vem, acha que não é, e muda.

Estado e Mercado se complementam e se restringem mutuamente. Os mercados funcionam para gerar lucro, resultado, renda, ganhos privados e prosperidade. Geram também desigualdade, no entanto, se não houver a atuação da "mão visível" do Estado para distribuir e prover igualdade de oportunidades. Parafraseando o Mestre Delfim Netto: os economistas não podem se esquecer de que a economia é comandada por quem teve voto e precisa executar um programa de governo.

A arte da política econômica consiste em combinar os poucos instrumentos disponíveis para produzir as melhores condições à geração de crescimento econômico, à estabilização monetária e à redução de desigualdades. A tarefa fundamental dos gestores da política econômica é encontrar aquilo que é mais exógeno, isto é, o que está mais sujeito às decisões de governo para produzir determinado resultado.

Não se controla, por exemplo, o juro, um instrumento para obter determinada meta de inflação. Não adianta querer diminuí-lo na marra. Não se controla a taxa de câmbio, igualmente, já que o regime brasileiro é de flutuação, com vistas à garantia da mobilidade de capitais. O dólar é um termômetro da qualidade da política fiscal, de certo modo, além de refletir condições externas e outros fatores relevantes.

Desde 1999, vigora no Brasil um modelo denominado Tripé Macroeconômico, composto por: taxa de câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e metas para a inflação, com autonomia do Banco Central. O problema central desse sistema é que o espírito da responsabilidade fiscal, até hoje, não foi incorporado plenamente pelos governos e pela sociedade como uma condição essencial para abrir caminho à redução das taxas de juros, à expansão dos investimentos e ao crescimento econômico.

Nesse sentido, a declaração dada na semana passada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da responsabilidade fiscal fez uma diferença enorme para a formação de expectativas e o comportamento do dólar e dos mercados. O mercado está disposto a financiar o déficit público, mas mediante a ganhos suficientes para cobrir o risco.

O Estado precisa entender que sua "mão visível" tem de operar para buscar atender aos anseios da sociedade por mais e melhores políticas públicas, menor desigualdade, aumento do emprego e da renda, mas sem macular o funcionamento dos mercados. Estes, por sua vez, têm de compreender que "na política, a menor distância entre dois pontos não é um segmento de reta, mas uma curva senoidal", como disse certa vez o ex-Governador de São Paulo, José Serra.

Há um desafio gigantesco pela frente, que se traduz na necessidade de gerar esforço primário suficiente para o alcance da sustentabilidade da dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto).

A dinâmica da dívida pública é similar ao funcionamento de um automóvel. O acelerador é a taxa de juros e o freio, o crescimento econômico. Se os juros são muito elevados, o indicador dívida sobre o PIB cresce mais rapidamente. Se o crescimento econômico é maior, o indicador avança mais devagar.

Se os juros reais, por exemplo, situam-se em 7% ao ano e o crescimento econômico, em 2%, o numerador do indicador (dívida) aumenta mais rapidamente do que o denominador (PIB), constituindo-se assim um quadro de crescimento da dívida/PIB, a depender de uma terceira variável. Trata-se do chamado resultado primário.

Nesse nosso exemplo, seria preciso ter um superávit primário de 4% do PIB para que a dívida/PIB de 80% não crescesse (sustentabilidade). A questão é que o resultado primário é justamente a variável mais exógena, aquela em que o governo consegue atuar mais diretamente. Isso porque os juros derivam das decisões do Banco Central, para alcançar determinada meta de inflação, conforme fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e o crescimento econômico é uma resultante de diversas forças, e não da veleidade política.

Daí a fixação de metas de resultado primário, regras para o controle do gasto público e medidas para elevar a arrecadação são centrais, sobretudo se a dívida estiver em franco crescimento. É o caso do Brasil neste momento.

A dívida bruta do governo geral (DBGG) encerrou o mês de maio em 76,8% do PIB. Já foram 5,1 pontos percentuais de subida desde dezembro de 2022. E provavelmente encerrará o ano à beira dos 80%. A taxa implícita da DBGG, isto é, o juro ou custo médio da dívida estava em 10,8% ao ano no acumulado em 12 meses até maio. Descontada a inflação esperada, estamos falando de um juro real de 7% ou mais. O crescimento econômico, por sua vez, deve ficar em 2,2% em 2024.

A partir disso, façamos as contas.

Para equilibrar uma dívida de 76,8%, seria preciso 3,7% do PIB de superávit primário. A perspectiva é que, neste ano, tenhamos um resultado primário ainda negativo, muito embora bem melhor do que o apresentado em 2023. Tais cálculos ajudam a precificar o tamanho do problema. Não vamos sair de um déficit para um robusto superávit da noite para o dia. Nem é desejável.

Contudo, se começarmos, desde logo, a reiterar o discurso da responsabilidade fiscal e as ações necessárias para viabilizá-lo, respeitando-se as regras do jogo e as leis fiscais, o próprio juro reagirá. A exigência de esforço primário para promover a sustentabilidade da dívida/PIB também cairá. É nesse aspecto que as declarações do Presidente Lula e do Ministro Fernando Haddad soaram tão bem aos ouvidos do Mercado.

Se há compromisso firme para cumprir a regra fiscal recém-aprovada, o chamado Novo Arcabouço Fiscal (Lei Complementar nº 200/2023), e se há disposição para conter gastos, como foi demonstrado pelo anúncio do pente-fino para 2025 (R$ 25,9 bilhões em contenção de despesas), há também motivo para reduzir as precificações de risco futuro (de não pagamento de dívida ou de descontrole do seu crescimento) e, finalmente, do prêmio exigido por esse risco na aquisição dos títulos da dívida pública emitidos pelo governo para bancar seus déficits.

É assim que a economia funciona. Estado e Mercado são interdependentes. A mão visível e a invisível se cumprimentam para redundar no melhor acordo possível para a coletividade.

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