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Fragmentação política na Assembleia Nacional pode ser bom cenário para extrema direita, diz cientista político

08/07/2024 15h57

A vitória surpreendente da Nova Frente Popular nas eleições legislativas francesas foi resultado de uma bem sucedida estratégia de desistências de candidaturas do campo democrático para impedir a eleição de candidatos da extrema direita. No entanto, a fragmentação política da Assembleia Nacional - com três grandes blocos sem maioria absoluta - pode ser um cenário favorável ao partido Reunião Nacional, de Marine Le Pen, segundo análise do cientista político Thomás Zicman de Barros, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po).

Numa reviravolta surpreendente, os resultados das eleições legislativas da França deram a vitória para a Nova Frente Popular, uma aliança de partidos de esquerda, que conquistou 182 cadeiras na Assembleia. Em segundo, chegou a coligação Juntos pela República, um bloco de partidos de apoio ao presidente Emmanuel Macron, que obteve 168 cadeiras, à frente da legenda de extrema direita Reunião Nacional, que as pesquisas davam como vencedora, mas acabou como terceira força política, com 143 assentos.

A vitória da Nova Frente Popular foi reflexo da bem-sucedida estratégia de desistências no 2° turno de alguns candidatos do campo democrático que renunciaram às suas candidaturas para apoiar candidatos com mais chances de derrotar a extrema direita, analisa o cientista político.

"É a primeira vez desde 1968 que um partido chega em primeiro lugar no primeiro turno e não ganha no segundo turno. Foi uma grande surpresa", destaca Thomás de Barros. Depois de vencer o primeiro turno com cerca de 33% dos votos, as pesquisas de opinião projetavam uma vitória do Reunião Nacional também no segundo turno, o que não se confirmou.

 "A expectativa de vitória da extrema direita não se concretizou fundamentalmente pelo sucesso da estratégia de desistências do campo democrático. A esquerda conseguiu se unir, uma coisa que também ninguém esperava, e conseguiu fazer um programa", lembrou.

O cientista político lembrou que houve um acordo tático entre o centro e a esquerda na maior parte dos distritos para uma desistência do candidato que estava mais atrás, sem chances de vencer um adversário do Reunião Nacional. E, assim, apoiou ou indicou para os seus eleitores que eles deveriam votar naquele que tinha mais chance de barrar a extrema direita. "O surpreendente é que isso não apenas aconteceu no nível dos partidos, mas que os eleitores também seguiram essas diretivas. Ele resolveram, de fato, votar naqueles que eram os menos piores, na perspectiva de cada eleitor, para impedir a chegada da extrema direita. Então, foi uma surpresa", destacou. 

Risco de ingovernabilidade

Após a divulgação das primeiras projeções dos resultados, líderes de esquerda reivindicaram a indicação para formar um governo, mas tudo vai depender se os partidos de esquerda vão conseguir de fato manter essa aliança e superar suas divergências.

"O grupo da esquerda tem muitas divisões internas. Há um setor radical, do partido A França Insubmissa, do Jean Luc Mélenchon. E tem outros três grupos, que são mais moderados, os socialistas, os ecologistas, os comunistas. O fato de a esquerda chegar em primeiro lugar, não apenas entre os grupos, mas no país inteiro, faz com que haja um incentivo para esses políticos e essas forças políticas se manterem juntos. Só que temos que ver nos próximos dias quem será o primeiro-ministro que eles vão indicar, porque precisarão conseguir agradar ao menos em parte, ao menos caso a caso, uma maioria no parlamento e, sobretudo, o bloco centrista. Isso não será fácil", prevê.

Entre os cenários possíveis, caso a Nova Frente Popular assuma o poder, está a governança por meio de decretos, como os que foram usados por vários primeiros-ministros indicados pelo presidente Macron. "Eles podem governar a partir de decretos, a partir de regulamentações para gerir, por exemplo, as escolas, o custo da universidade, alguns detalhes de administração hospitalar, quem vai ser regulamentado ou não regulamentado em termos de pedido de imigração. Mas reformas importantes, como o aumento do salário mínimo, controle de preços, aumento dos serviços públicos, cancelamento da reforma da previdência, tudo isso precisa de maioria no parlamento. Isso eles não têm sozinhos", constata.

Por isso, o risco de ingovernabilidade não está descartado, segundo o cientista político da Sciences Po, em um cenário com um governo de esquerda em um parlamento muito fragmentado.  "No governo de maioria de esquerda no parlamento, existe sempre o risco da possibilidade de uma moção de censura passar se os ânimos ficarem muito agitados", afirma.

Cenário fragmentado pode favorecer extrema direita

Apesar da expectativa de uma vitória que não se confirmou no 2° turno, o desempenho do Reunião Nacional confirmou o avanço da extrema direita no cenário político nacional francês.

De 89 deputados eleitos na eleição anterior, de 2022, a legenda passou para 143 nesta votação, o que representa um crescimento expressivo da legenda na Assembleia Nacional. "Apesar de terem perdido em muitos distritos, eles foram os mais votados porque estavam presentes em muitos distritos. No segundo turno mostraram uma força. Só foram barrados por conta dessa estratégia tática entre o centro e a esquerda para impedir a chegada deles ao poder", analisa.

No entanto, diante da possibilidade de uma nova dissolução da Assembleia dentro de um ano, o partido Reunião Nacional pode se beneficiar de uma Assembleia muito fragmentada que irá dificultar a implementação dos projetos dos partidos de esquerda.  

"A extrema direita joga no longo prazo. Eles jogam numa estratégia de crise, de caos. Uma Assembleia Nacional dividida, na verdade, é um bom cenário. Se daqui a um ano houver uma nova dissolução, pode ser que o Reunião Nacional saia com mais força, pois vai dizer: 'no ano passado nós só não ganhamos por conta de um acordo de bastidores entre o centro e a esquerda. Esse governo não deu certo, a insatisfação aumentou'. E aí eles podem de fato ter o assalto vitorioso ao poder", prevê o cientista político.

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