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Adolescentes negros abordados no RJ estão com medo; comissão cobra proteção

do UOL

Do UOL, em São Paulo

06/07/2024 16h42

Os quatros adolescentes abordados na quarta-feira (3) de forma truculenta pela Polícia Militar em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro, estão traumatizados e com medo de sair às ruas.

O que aconteceu

Trecho de um ofício da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (CDDHC) da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) diz os jovens tem evitado sair às ruas. O documento, ao qual o UOL teve acesso, foi enviado ao comando da Polícia Militar. O temor relatado pelos jovens se deve à possibilidade de eles se depararem com viaturas da Polícia Militar e o episódio se repetir, sobretudo, por terem sido ameaçados de passarem por um episódio ainda mais violento.

O documento é assinado pela deputada Dani Monteiro (PSOL-RJ), presidente da Comissão. O ofício cobra do 23º BPM a abertura de um procedimento disciplinar. O ofício questiona ainda os motivos da abordagem, as medidas a instituição está adotando para proteção e atendimento das vítimas e os protocolos utilizados pela corporação nas abordagens.

O documento relata ainda que os adolescentes disseram ter sido abordados pelos agentes armados. Segundo os jovens à comissão, os agentes com suas armas em punho, colocando-as próximas dos rostos dos adolescentes, perguntando o tempo todo, "cadê" "cadê"? Os meninos, sem entenderem o que estava acontecia, por óbvio, não responderam à pergunta", diz o ofício.

Documento traz relatos dos jovens sobre revista vexatória por parte dos policiais. "O que teria irritado ainda mais os policiais, que teriam feito os rapazes levantar suas partes íntimas, numa revista vexatória em busca de entorpecentes. Frustradas as buscas, policiais ainda disseram aos jovens que da próxima vez seria pior, de acordo com relato dos mesmos", diz outro trecho do documento. "A abordagem vexatória e truculenta indica uma abordagem motivada por racismo, comum na prática da policial no estado do Rio", diz o ofício.

A Comissão atendeu os adolescentes na sexta-feira e diz estar em contato com as famílias. A deputada se referiu ao episódio como "deplorável ato de racismo policial." Ela disse também que cobrará da PM respostas claras sobre as medidas que serão adotadas. "É inaceitável que abordagens racistas ainda ocorram no Rio de Janeiro a partir das forças de segurança. Este é mais um exemplo das experiências diárias enfrentadas por jovens negros no estado."

Os jovens encontram-se profundamente traumatizados com o episódio que pode se desdobrar em rupturas significativas em suas subjetividades. Estão evitando sair às ruas, temendo se depararem com viaturas da Polícia Militar e o episódio se repetir, sobretudo por terem sido ameaçados de passarem por um episódio ainda mais violento.
Dani Monteiro, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania

'Ação racista e criminosa', diz mãe

Os jovens, que têm entre 13 e 14 anos, foram colocados contra a parede e tiveram armas apontadas contra eles. Os meninos passam férias no Rio de Janeiro. Segundo o relato da mãe de um dos jovens, seu filho e os demais, filhos de diplomatas do Canadá, Gabão e Burkina Fasso, planejaram o passeio durante meses.

Eles estão acompanhados pelos avós de um dos jovens na cidade. "A ação da Polícia Militar é caracterizada pela violência direcionada à população negra, utilizando força excessiva de imediato, mesmo quando se trata de filhos de diplomatas em um bairro nobre", disse a deputada.

Garotos chegavam em casa quando foram abordados. De acordo com relatos da mãe, os quatro jovens chegavam de uma partida de futebol para deixar um dos amigos em um prédio, na quarta-feira (3), quando a viatura chega, sobe a calçada, e dois policiais descem.

"Adolescentes com armas na cabeça", descreve mãe. Em seu testemunho, o filho da mulher, que é um menino branco, diz que os policiais apontaram armas para as cabeças dos outros jovens, negros, e os trataram com truculência. Ao UOL, a mulher descreveu a ação como "racista" e "criminosa".

Policiais obrigaram jovens a tirar a roupa. Em um primeiro momento, descreve a mãe, a polícia não argumentou sobre a motivação da abordagem e apenas os colocou enfileirados na parede do condomínio — um porteiro presencia ação. Um dos meninos ficou machucado, segundo a mãe. Em determinado momento, captado em vídeo, o policial empurra a cabeça de um dos jovens e diz para todos levantarem as mãos.

Caso relatado ao Itamaraty

A mãe do adolescente entrou em contato com todos os familiares dos jovens e acionou o Itamaraty. Segundo ela, os consulados do Canadá, Gabão e Burkina Fasso também já têm conhecimento do caso.

O Ministério das Relações Exteriores informou que recebeu, na manhã da sexta-feira (5), os embaixadores do Gabão e de Burkina Faso. Eles são pais dos adolescentes abordados. O governo brasileiro entregou aos diplomatas nota verbal com pedido de desculpas.

O embaixador do Canadá não compareceu. Mas, segundo o governo brasileiro, o pedido de desculpas também será entregue a ele. O Itamaraty declarou que acionará o governo do Rio de Janeiro para cobrar apuração rigorosa. Em nota, a pasta acrescentou ainda que policiais envolvidos na abordagem devem ser responsabilizados.

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