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Desafios do novo premiê britânico vão do combate à pobreza a mudanças na política externa

05/07/2024 12h45

Os britânicos garantiram uma vitória histórica ao Partido Trabalhista, após 14 anos de governos conservadores no Reino Unido. O líder de centro-esquerda Keir Starmer assumiu o cargo de primeiro-ministro nesta sexta-feira (5) e governará com ampla maioria no Parlamento. Para os conservadores, agora partido de oposição, os resultados das eleições antecipadas representam uma derrota avalassadora. Em seu primeiro pronunciamento, Starmer reafirmou que precisará de tempo para "reconstruir o país".

Yula Rocha, correspondente da RFI em Londres

O Partido Trabalhista garantiu uma vitória extraordinária ao conquistar 412 das 650 cadeiras da Câmara Baixa do Parlamento. O resultado foi uma clara mensagem de rejeição dos britânicos aos conservadores. A direita perdeu 250 cadeiras, depois de registrar uma migração de votos de parte do eleitorado conservador para os Liberais-Democratas, grupo que saltou de oito para 71 deputados eleitos. O partido de extrema direita Reform, do líder Nigel Farage, arquiteto do Brexit, terminou a votação com apenas quatro representantes na Câmara dos Comuns. Já o Partido Verde conquistou quatro cadeiras e junto com Jeremy Corbyn, ex-líder expulso do Partido Trabalhista, marcará presença como força radical no novo plenário.

Em seu primeiro pronunciamento à nação, Keir Starmer, ex-advogado de direitos humanos e ex-chefe do Ministério Público da Inglaterra, deu o tom do seu governo: sério, moderado e estável. O oposto dos 14 anos de conservadorismo no Reino Unido. Starmer reconheceu que a mudança pedida nas urnas não ocorrerá da noite para o dia. Ele citou diversas vezes a importância do serviço público como prioridade para a reconstrução do país. Ainda promoteu ser guiado pela determinação do trabalho e não por qualquer doutrina idelógica.

Os trabalhistas terão muito trabalho para recuperar o país em ruínas deixado pelos conservadores, que cortaram gastos e benefícios sociais. Os serviços públicos estão em situação precária, incluindo o NHS, serviço de saúde britânico equivalente ao SUS, que até pouco tempo atrás era um grande motivo de orgulho para a nação. O novo governo trabalhista herda o NHS com 7 milhões e 600 mil pacientes na fila de espera por tratamento médico. Para um país rico e desenvolvido, que se posiciona como a quinta maior economia do mundo, o aprofundamento das desigualdades e o aumento do custo de vida se tornaram inaceitáveis para a população. Dados oficiais apontam que 30% das famílias britânicas vivem, hoje, abaixo da linha de pobreza.

Ainda em julho, o rei Charles 3° fará seu tradicional discurso no Parlamento para apresentar as prioridades do novo governo para o ano legislativo. Os anúncios mais importantes devem envolver medidas para as áreas de economia, saúde e imigração. Keir Starmer também irá anunciar o fim da política imigratória dos conservadores, que investiram milhões no programa de deportação de migrantes e refugiados para Ruanda, na África, o que nunca havia acontecido. O reforço e a cooperação nas fronteiras serão reintroduzidos.

Na política externa, Keir Starmer terá que lidar com a guerra na Ucrânia e se posicionar sobre a situação na Faixa de Gaza, conflito que ele evitou abordar em profundidade durante a campanha. Já na quarta-feira que vem, o novo primeiro-ministro participa da cúpula da OTAN em Washington, nos Estados Unidos, sua primeira viagem como líder do governo britânico. Na cúpula, ele deverá reafirmar o apoio à Ucrânia ante a invasão russa.

Starmer será também o anfitrião de um encontro importante com a comunidade política europeia. Apesar de ter evitado falar no Brexit, ele se comprometeu a se reaproximar dos vizinhos europeus. O premiê trabalhista admitiu durante a campanha e também no seu primeiro pronunciamento oficial que precisará de tempo para implementar as mudanças pedidas pelos eleitores. Starmer está determinado a trabalhar não por cinco anos, mas pela próxima década. Ele sabe que um único mandato não será suficiente para fazer a grande diferença que ele espera promover.

Nomeações no novo gabinete

Vários membros do novo gabinete já foram divulgados. Angela Rayner, nomeada vice-primeira-ministra, também ocupará o cargo de ministra da Habitação e Reequilíbrio Territorial. Num país onde a classe dominante estuda em universidades de elite como Oxford e Cambridge, Rayner, 44 anos, cresceu em Stockport, no norte da Inglaterra, em conjuntos habitacionas para famílias de baixa renda. Desde muito jovem, a nova vice-premiê britânica cuidou da mãe que era analfabeta, bipolar e não trabalhava. O pai passava a maior parte do tempo ausente de casa.

A ex-economista do Banco da Inglaterra Rachel Reeves é a nova ministra da Economia. Aos 45 anos, Reeves será a primeira mulher a ocupar este posto. 

A deputada trabalhista Yvette Cooper, 55 anos, foi nomeada para o Interior, enquanto o especialista em questões internacionais David Lammy assume a chefia do Ministério das Relações Exteriores.

Cooper, considerada uma figura combativa e representante emblemática do Partido Trabalhista no governo do ex-premiê Tony Blair, cuidará da delicada questão da imigração. Já David Lammy, 51 anos, é um advogado próximo do ex-presidente Barack Obama e será o responsável pela diplomacia britânica.

Sunak assume responsabilidade pela derrota

Um pedido de desculpas aos britânicos, outro ao Partido Conservador que sofreu a pior derrota política na história moderna do Reino Unido. "Eu pude ouvir a raiva e a decepção dos eleitores", disse o ex-primeiro ministro Rishi Sunak, agora líder da oposição. Ele assumiu a responsabilidade pela saída da direita do poder, ao se despedir na porta da residência oficial do governo, no número 10 da Downing Street, no centro de Londres, antes de oficializar sua resignação ao rei Charles 3°, depois de passar 20 meses no governo.

Duas horas depois, no mesmo lugar, no mesmo pulpito, a esperada mudança. Entrou em cena o trabalhista Keir Starmer, que também se reuniu com o monarca no Palácio de Buckingham para aceitar o protocolar convite de formar o novo governo britânico. Starmer chegou a Downing Street com raro sorriso no rosto acompanhado da esposa, Victoria Starmer, e foi recebido por dezenas de apoiadores e amigos. O casal poupou expor os filhos adolescentes, um menino de 16 anos e uma menina de 15 anos, nessa primeira aparição pública como chefe de governo.

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